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#ESPECIALUFU45

'Serão décadas para recuperar o atraso'

Para o pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação, investir em Ciência é um caminho para diminuir assimetrias sociais

Publicado em 27/02/2023 às 10:56 - Atualizado em 22/08/2023 às 17:04

Foto: Alexandre Costa

 

Uma das áreas de maior destaque nas universidades é a Pesquisa, pois é aquela que mais retorna benefícios e soluções para a sociedade. Com o Teto de Gastos implementado em 2017, essa foi uma das áreas mais afetadas, conforme a Conexões já havia noticiado em 2019 e 2021.

O pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Carlos Henrique de Carvalho, em entrevista de 2021 à Conexões, explicou que, em um primeiro momento, o impacto é social e econômico, porém ressaltou que as consequências científicas aparecerão dentro de mais alguns anos. Falando dos cortes das bolsas, ressaltou: “você leva toda a potencialidade de um pesquisador nacional para outro país. Isso vai despotencializando a nossa capacidade de produzir conhecimento, há um desestímulo de continuar na área acadêmica”.

Sobrevivendo com os poucos recursos que restam, as pesquisas na UFU continuam acontecendo. Mas como isso ocorre sem verba suficiente? Voltamos a conversar com o pró-reitor em 2023, para entender os impactos que ainda são percebidos após o início da nova regra fiscal e quais as estratégias que a instituição tem buscado para recuperar ou amenizar os cortes. A entrevista compõe a série especial #UFURESISTE - Seis anos de Teto de Gastos, uma produção da Conexões em colaboração com a Diretoria de Comunicação Social da UFU.

 

Conexões - Quais foram os principais impactos enfrentados desde 2017, quando o Teto de Gastos aprovado no final de 2016 passou a valer?

Carlos Henrique de Carvalho - Você deixou de ter investimento? Não, mas 2017 funcionou como um gatilho. Em 2017 e 2018 não houve um impacto tão significativo como em 2019, 2020, 2021 e 2022. O que tivemos foi o indicativo de uma diminuição do financiamento de investimento. Aqui é importante entender o que é o investimento, que é ter um recurso para manutenção e custeio. Em 2017 e 2018 esse recurso veio, as bolsas de mestrado e doutorado vieram, não houve cortes nesses dois anos. Então, o sistema se manteve minimamente equilibrado. A partir de 2019 deixou de ter praticamente toda a rubrica de investimento. Nós só tivemos o custeio, mas com cortes também. A Capes [Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior], em 2019, tirou 4.000 bolsas do sistema e o programa que estava em pleno processo de implementação, que é o Print [Programa Institucional de Internacionalização], teve um corte linear de 30% e isso impactou. É claro que nós não podemos deixar de considerar a pandemia neste cenário também. Contudo, a partir de 2020, 2021 e 2022, não tivemos recurso nenhum para investir, só manutenção e algum custeio.

 

Quais foram as áreas mais afetadas? Elas se mantêm as mesmas de 2017 até o presente?

Eu entendo por áreas Humanidades, Tecnológicas, Saúde, Biológicas e Ciências Agrárias. É claro que temos áreas que dependem de um financiamento maior, como as Tecnológicas, Saúde e Biológicas, pois qualquer equipamento para pesquisa nestas áreas está em torno de milhões. Então, há necessidades de equipamentos de alta qualidade para ter o melhor material disponível, tendo em vista possível o desenvolvimento das pesquisas, ou seja, todas as áreas foram afetadas, porém, não de forma linear. Mas não se pode dizer que houve prejuízo igual, porque quando estamos falando de equipamento nesses valores, não há como dar um jeito. O ideal é que todas as áreas tenham aquilo que elas necessitam em termos de recursos, indistintamente, mas temos que entender que o impacto é diferenciado, porque as áreas são diferenciadas. Agora, um ponto é consensual: precisam de dinheiro, porque Ciência de qualidade se faz com recursos. Ninguém faz Ciência sem dinheiro. O último aumento de bolsa tinha acontecido em 2013. Agora em fevereiro foi noticiado um aumento médio de 40% em todas as modalidades, mas ainda seguimos com uma defasagem de 30%. Os novos valores das bolsas são: mestrado, passou de R$ 1.500 para R$ 2.100; doutorado, de R$ 2.200 para R$ 3.100; pós-doutorado, de R$ 4.100 para R$ 5.200; Iniciação Científica, de R$ 400 para R$ 700; e Iniciação Científica Ensino Médio, de R$ 100 para R$ 300. Isto é, uma bolsa de doutorado, no valor anterior pagava R$ 2.200, com a exigência de dedicação exclusiva. E o salário-mínimo atual é 1300. Ela estava muito próxima do salário-mínimo e, com isso, eu estou tendo um desestímulo à procura pelas bolsas de mestrado e doutorado.

 

Quais foram as consequências históricas dos cortes na sua área de atuação?

Dentro da Propp [Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação], você deixa de ter investimento e temos obras paradas. Se você pegar o 1ACG [prédio inacabado no Campus Glória, iniciado com financiamento da Financiadora de Estudos e Projetos - Finep, conhecido popularmente como "paliteiro"], está parado; custa aproximadamente 40 milhões para terminar apenas a obra, sem contar os equipamentos. Fora isso, há equipe, ou seja, haverá necessidade de contratar técnicos, o que envolve ter recursos humanos altamente qualificados. Nós temos que mudar a concepção que se tem sobre o financiamento de Pesquisa e Pós-Graduação, porque estamos investindo no país. Um desenho didático pedagógico para melhoria da qualidade do Ensino, da Educação Básica, questões de engenharia, questões de tecnologia. Isso acaba se espraiando pela sociedade de uma maneira geral. É assim que caminhamos para diminuir as assimetrias sociais, para garantir uma sociedade mais igualitária, investindo em Ciência e Tecnologia.

 

Quem são as pessoas mais atingidas por esses cortes?

O discente é um dos mais prejudicados, porque ele não tem uma perspectiva, por exemplo, de entrar na Iniciação Científica. Em relação aos docentes, eles precisam de espaço, de laboratórios, de infraestrutura. Mesmo que seja um simples notebook, tem que ser garantido.

 

Há prejuízos para a comunidade, seja de Uberlândia, seja das cidades que abrigam os outros campi?

Quem sofre diretamente é a sociedade!  Ela perde porque a gente não desenvolve medicamentos, não desenvolve processos mais sólidos de construções tecnológicas e não avança na melhoria da Educação Básica. É preciso romper com esse corte de gastos, criar um mecanismo que não engesse esses investimentos em Educação e Pesquisa. Nós poderíamos, por exemplo, melhorar alguns projetos de atendimento à dengue, toxoplasmose, câncer de mama, de próstata. Todas essas pesquisas são realizadas na UFU. E, se pudéssemos dar melhores condições para as nossas pesquisas, como laboratórios, matérias-primas e o processo de desenvolvimento, talvez a comunidade mais próxima da UFU teria uma melhoria na qualidade de vida. Inclusive, seria possível melhorar o atendimento hospitalar do HC [Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia] . A sociedade às vezes julga, dizendo que a universidade faz pesquisa inútil, mas nenhuma pesquisa é inútil; é preciso reforçar a importância da pesquisa. Eu sei que é difícil dizer que precisa investir 40 milhões só para a estrutura de um prédio que vai realizar pesquisa, quando eu posso destinar esse dinheiro para comprar medicamento para o HC, quando tem pessoas morrendo na fila por falta de medicamentos. Mas, apesar de ser difícil, é preciso reforçar a importância do investimento na pesquisa porque só assim a sociedade passará a defender a Ciência. O conhecimento não fica retido na universidade, ele transborda para a sociedade. Esse processo de investimento na Ciência pode auxiliar na diminuição das nossas assimetrias.

 

O que foi feito para reduzir os danos dos cortes?

Nós corremos atrás de fontes alternativas para desenvolvimento da Ciência; o Ministério Público do Trabalho, por exemplo. Eles tinham multado uma fazenda e a fazenda fez o TAC [Termo de Ajustamento de Conduta]. Nós conseguimos 500 reais para uma pesquisa de câncer de próstata em Patos de Minas [com esse valor], para comprar reagente e a pesquisa não parou. O MPF [Ministério Público Federal] sempre apoiou a Propp, já viabilizou muita parceria de pesquisa e desenvolvimento com a iniciativa privada. E, de tudo que se arrecada no lato sensu [cursos de especialização ofertados pela universidade], 10% vão para manter a Pesquisa na UFU.

 

Em relação ao novo governo e novas políticas públicas, é possível vislumbrar melhora no cenário da Educação como um todo?

Eu espero que haja uma melhora. Mas existe uma diferença entre espera e esperança. A espera é ficar aqui esperando que o governo federal me inunde de dinheiro, enquanto a esperança é trabalhar para conscientizar que eles precisam reverter a situação. Se eu ficasse na espera de que a PEC do Teto caísse, a Pesquisa na UFU estaria parada. Eu tenho esperança, por isso corro atrás de alternativas para financiar a Pesquisa na UFU. O orçamento de 2023 já está fechado. Agora, a partir de 2024, espero que haja uma recomposição em todas as esferas de investimento, custos e todas as esferas que envolvem a Pesquisa.

 

Qual a previsão em relação ao tempo para que os danos causados à universidade desde 2017 sejam corrigidos e ela volte a funcionar plenamente?

Serão décadas para recuperar o atraso que tivemos todos esses anos, isso com esperança, melhorando o quadro de hoje. Os números de hoje são paliativos para não deixar a Pesquisa parar; então, precisa melhorar. Não teve um planejamento lá atrás, depois tem o Teto de Gastos e, então, uma obsolescência tecnológica. A gente tem que recuperar o quadro tecnológico, recompor, motivar o aluno, motivar a pesquisar e isso é um processo lento.

 

'Se pudesse dar melhores condições para os laboratórios (...) talvez a comunidade mais próxima da UFU teria uma melhoria na qualidade de vida', afirma o pró-reitor. (Foto: Marco Cavalcanti)

 

Política de uso: A reprodução de textos, fotografias e outros conteúdos publicados pela Diretoria de Comunicação Social da Universidade Federal de Uberlândia (Dirco/UFU) é livre; porém, solicitamos que seja(m) citado(s) o(s) autor(es) e o Portal Comunica UFU.

 

A série "ESPECIALUFU45" reúne textos escritos por membros da equipe da Diretoria de Comunicação Social (Dirco), mas também está aberta à contribuição de outros integrantes da comunidade acadêmica da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). As sugestões de temas a serem abordados, bem como o envio de materiais para avaliação e, em caso de aprovação, posterior publicação, podem ser realizados por meio do formulário eletrônico disponível em: www.comunica.ufu.br/divulgacao.

 

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