Publicado em 12/05/2020 às 17:41 - Atualizado em 22/08/2023 às 16:52
a) Savana africana mostrando, em primeiro plano, planta com muitos espinhos (Parque Nacional do Kruger, África do Sul); b) Tronco de árvore de Cerrado (morta) na Serra da Canastra (MG) mostrando sua casca grossa; c) Estrutura subterrânea de resistência de arbusto do Cerrado para rebrotar após o fogo (Serra da Canastra, MG). (Foto: Arquivo do pesquisador)
Há dezenas de milhares de anos, mamíferos gigantes (ou megafauna), similares aos que vivem atualmente na África, como mamutes e preguiças gigantes, viviam na América do Sul. No entanto, há aproximadamente 10 mil anos, esses animais foram extintos, por motivos que ainda são amplamente debatidos, mas que provavelmente têm a ver com a caça predatória por humanos primitivos recém-chegados no continente.
Esses grandes mamíferos eram, em sua maioria, herbívoros, ou seja, se alimentavam de plantas. Muitos estudos na África têm mostrado que o consumo da vegetação por esses animais é tão grande que tem a capacidade de produzir ecossistemas únicos, caracterizados por baixa cobertura arbórea, como as savanas e o campo. Esses ecossistemas caracterizam grande parte das savanas africanas.
Além de mudanças na cobertura arbórea, esses animais também causam mudanças morfológicas e fisiológicas nas espécies, chamadas de características funcionais. Especificamente, espécies vegetais nesses ecossistemas são caracterizadas por morfologias que refletem a necessidade de evitar consumo e dano excessivos por grandes herbívoros, tais como espinhos em galhos e troncos (Figura 1a), madeiras resistentes à quebra e galhos muito ramificados nas copas das árvores.
Espinhos impedem os herbívoros de consumir uma grande quantidade de material vegetal e de romper galhos e troncos; copas ramificadas funcionam como gaiolas que protegem as folhas; madeiras resistentes evitam a ruptura de troncos e galhos por animais como os elefantes durante sua alimentação.
Em uma pesquisa recente realizada por mim, em parceria com o doutor Juli Pausas, do Conselho Superior de Pesquisa Científica da Espanha, nós mostramos que as principais savanas da América do Sul (por exemplo, Cerrado, Pantanal, Llanos venezuelanos) diferem das da África quanto a uma série de características morfológicas.
Nas savanas da América do Sul, poucas árvores e arbustos apresentam espinhos ou madeiras rígidas. Ao invés disso, as plantas nessas savanas apresentam adaptações ao fogo, como cascas grossas (Figura 1b), além de troncos e estruturas que crescem por baixo do solo (Figura 1c; as chamadas árvores subterrâneas ou geóxilos), onde as temperaturas se mantêm baixas durante os incêndios naturais que ocorrem há milhões de anos nesses ecossistemas, gerados por raios.
Nesse trabalho, nós argumentamos e apresentamos evidências de que a extinção da megafauna na América do Sul provocou essas diferenças. Com a extinção da megafauna, ecossistemas criados e mantidos por grandes herbívoros provavelmente foram substituídos por ecossistemas distintos, como savanas mantidas pelo fogo e florestas.
Uma vez que os herbívoros pastadores limitam o desenvolvimento de gramas nas savanas e que as gramas são o principal combustível do fogo nesses ecossistemas, na África, as plantas não precisam tanto de adaptações ao fogo, como necessitam de adaptações para lidar com a herbivoria. Já na América do Sul, com a extinção dos pastadores nativos, a frequência de queimadas naturais geradas por raios deve ter aumentado, favorecendo espécies adaptadas ao fogo.
As evidências sobre o papel da megafauna na morfologia de plantas na região tropical ainda são indiretas em sua maioria, já que há pouca informação sobre a distribuição da megafauna no passado e mesmo no presente. Assim, mais estudos são necessários para testar essas hipóteses. No entanto, o estudo mencionado, publicado no prestigioso periódico Global Ecology and Biogeography, auxilia na compreensão das diferenças entre ecossistemas sul-americanos e africanos, bem como no papel da megafauna como um agente da seleção natural darwiniana, selecionando espécies vegetais de acordo com a suas adaptações ao fogo e a herbivoria. O artigo completo pode ser conferido aqui.
*Vinícius de Lima Dantas é professor do Instituto de Geografia e do Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Conservação de Recursos Naturais da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). É membro do Laboratório de Macroecologia e Saúde Ambiental da UFU. Estuda Biogeografia de Biomas Tropicais, com foco no papel dos distúrbios naturais. Publicou diversos artigos sobre essa temática em periódicos internacionais de alto impacto e prestígio.
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