Publicado em 23/10/2020 às 15:18 - Atualizado em 22/08/2023 às 16:52
Um dos desenhos que Natália fez, representando pais e mães que passam pela perda de seus filhos (Foto: arquivo pessoal)
O mês de outubro é lembrado por vários motivos – prevenção ao câncer de mama, dia das crianças, dos professores, Halloween – mas existe um outro motivo que também é lembrado neste mês, apesar de pouco divulgado. Outubro é o mês internacional da conscientização e sensibilização pelas perdas gestacionais, neonatais e infantis, sendo o dia 15 a principal data dessa lembrança. Nesse dia é realizado o evento chamado Onda de Luz (Wave of Light), quando pessoas no mundo todo prestam suas homenagens àqueles que tiveram uma breve vida entre nós, acendendo uma vela.
Em todo o mundo, uma em cada quatro mulheres irão perder o seu bebê durante a gravidez, no parto ou na infância. Esse é um número bastante expressivo, sendo que provavelmente você conhece alguém que já passou por uma perda assim. Apesar disso, esse tema é considerado um grande tabu em nossa sociedade. A morte de um filho representa uma inversão do curso natural da vida e passar por essa experiência é algo avassalador. Quem perde um bebê, ainda durante a gestação ou logo após o seu nascimento, vive um luto invisibilizado pela sociedade. Afinal, como sentir falta de alguém com quem não se compartilhou memórias? Mas quem passa por isso vive o luto justamente por essas vivências planejadas e não concretizadas. Vive-se o luto pelo futuro sonhado que não se tornará realidade, pelas expectativas que foram criadas com a gestação.
As famílias que passam por essas perdas, além de não terem os seus sentimentos validados, precisam “brigar” para que os seus filhos sejam considerados e o seu status de mães e pais seja reconhecido. No entanto, independentemente do tempo de gestação ou de convivência, o sentimento de maternidade e paternidade existe com a mesma força.
É muito comum que ouçam frases das pessoas que tentam consolá-las, mas que acabam trazendo mais sofrimento: “Foi melhor assim”; “Pelo menos foi no início e não deu tempo de se apegar”; “Você logo terá outro filho” (como se fosse possível substituir um filho!). Caso você tenha que consolar uma família que passou por essa experiência, não se sinta pressionado a falar algo aprimorado. Um “sinto muito” e um abraço já são de grande valia. Se for possível se colocar disponível para ouvir a mãe ou o pai enlutado, melhor ainda. A escuta empática e acolhedora certamente fará diferença.
Entretanto, nossa sociedade infelizmente não é educada para lidar com a morte ou o luto, e é muito comum o afastamento social dessas famílias. As pessoas acham que falar sobre o filho que partiu trará mais sofrimento, mas isso não é verdade. Falar sobre o filho é um processo terapêutico, auxilia na elaboração do luto, além de fazer com que a existência dele seja validada. Além disso, as mães sofrem a cobrança para retomarem a sua vida normal o quanto antes, enquanto para os pais não é nem lhe dado o direito de sofrer, pois precisam estar “fortes” pelas companheiras, já que “homem não chora”. Se o luto da mãe é invisível, o do pai é ainda mais negligenciado.
É importante salientar que o luto não é um processo linear, ele se apresenta como altos e baixos; também não tem um tempo definido para acabar ou para ser superado. Não se supera a morte de um filho. A maneira como a pessoa vive o luto é muito particular e única, e precisa ser respeitada. Mas é possível ressignificá-lo e aprender a lidar com a dor e com a saudade que fica. Lembrando que a dor não está relacionada com o número de semanas gestacionais ou o tempo de vida do bebê: “dor não se compara, se ampara”.
Felizmente nos últimos anos tem ocorrido no Brasil um movimento pela humanização do luto, contando com vários grupos engajados no acolhimento dessas famílias e na sensibilização da sociedade. São realizados encontros presenciais e virtuais com mães, pais e outros familiares, além de campanhas e eventos com o intuito de se conscientizar as pessoas a respeito das perdas gestacionais e neonatais e as questões que envolvem essa temática. Caso vivencie uma perda desse tipo ou conheça quem está passando por isso, procure por um desses grupos.
Acesse para aprender mais sobre o tema
Cartilha de orientação ao luto parental, elaborada pela ONG Amada Helena: https://cartilhaamadahelena.wixsite.com/luto
“Dor e amor a gente não mede por semanas de gestação”(@transformacaoararaquara)
“Quando um filho perde seus pais, ele se torna órfão, quando um adulto perde seu parceiro, ele se torna viúvo, quando os pais perdem seu filho, eles ficam sem palavras” (@entremaesdeanjos)
Natália e sua filhinha Elis (Foto: arquivo pessoal)
Altar para Elis no dia da Onda de Luz (Foto: arquivo pessoal)
*Natália Mundim Tôrres é professora do Instituto de Biologia da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), mãe de um casal de gêmeos de 5 anos de idade e da Elis, que nasceu em janeiro e viveu por apenas 30 minutos.
A seção "Leia Cientistas" reúne textos de divulgação científica escritos por pesquisadores da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). São produzidos por professores, técnicos e/ou estudantes de diferentes áreas do conhecimento. A publicação é feita pela Divisão de Divulgação Científica da Diretoria de Comunicação Social (Dirco/UFU), mas os textos são de responsabilidade do(s) autor(es) e não representam, necessariamente, a opinião da UFU e/ou da Dirco. Quer enviar seu texto? Acesse: www.comunica.ufu.br/divulgacao. Se você já enviou o seu texto, aguarde que ele deve ser publicado nos próximos dias.
Palavras-chave: Leia Cientistas Biologia perdas gestacionais Psicologia
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