'Humor Quântico' no Instagram: cientista por trás do perfil é da UFU

Seguidores são, predominantemente, homens jovens, com idade entre 18 e 26 anos. (Foto: Marco Cavalcanti)

Muitas reportagens que já escrevi para o portal Comunica UFU nasceram quando eu estava mexendo no Facebook, no Twitter ou no Instagram. Sigo tanta gente da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) que é comum encontrar alguém divulgando um artigo que publicou, uma tese que defendeu ou um projeto que está sendo implantado. Melhor ainda quando me contam, em primeira mão, no Whatsapp, ou enviam para a Diretoria de Comunicação Social, porque aí o site institucional é o primeiro a dar a notícia.

Também boa parte dos perfis que os algoritmos das redes sociais me sugerem para seguir falam sobre ciência, de modo geral. Afinal, sou uma jornalista de ciência e os algoritmos sabem disso. Foi assim que, em algum momento de 2020, comecei a seguir o @humorquantico no Instagram.

Descendo o feed, passei por alguns memes conhecidos, mas intertextualizados com ciências exatas ou situações acadêmicas. Não sei quantos posts vi até notar a localização das publicações: Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Seria uma pauta para o Comunica UFU? Fui stalkear apurar.

A foto de perfil era um logo com as letras "HQ" em amarelo e vermelho. O texto da bio informava que a conta era administrada por @Jackson.HQ. A bio do @Jackson.HQ informava que ele era o administrador do @humorquantico. Ainda bem que havia um link que direcionava para o canal no Youtube e, na guia Sobre, encontrei: "Doutorando em Física na UFU". Atendia aos critérios de noticiabilidade do site institucional. Enviei direct - "Você é da UFU?" - para confirmar. Confirmei e marcamos a entrevista.

Atualmente, Jackson Martins de Souza é aluno de doutorado do Instituto de Física da UFU (Foto: Reprodução da entrevista concedida via Google Meet)

Jackson Martins de Souza é físico graduado pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ). Veio para a UFU em 2017, fazer mestrado no Instituto de Física (Infis), e hoje, como vi no Youtube, é aluno de doutorado. 

"Meu doutorado é uma interface entre a Física e a Física Médica. Minha pesquisa é o desenvolvimento de uma técnica espectroscópica que pode possibilitar a gente estudar melhor como o Alzheimer se desenvolve no ser humano", explica Souza. "É um problema atual, ainda mais agora que a gente está tendo uma longevidade maior. A expectativa de vida tem aumentado e essas doenças neurodegenerativas estão aparecendo cada vez mais."

Ele contou que trabalha como professor de Física no Ensino Médio e também já deu aulas como substituto da UFU. Foi para ajudar um aluno de Engenharia com dificuldades em Física que, há dois anos, ele teve a ideia de criar um canal na internet. "Eu sei que tem muito conteúdo no Youtube, mas muitos deles são superficiais, então eu queria só transformar a minha didática, a minha forma de explicar, em vídeos que pudessem ajudar."

O perfil de humor veio depois, em outubro de 2019. "Eu estava lendo sobre o que as pessoas mais pesquisam nas redes sociais. E o que está no topo de onde as pessoas passam mais tempo é maquiagem, humor ou relacionado a seu ofício. Aí falei: ah, como humor é uma coisa que a gente pode misturar com a ciência, então eu pensei na página Humor Quântico. No primeiro dia, eu cheguei a mudar o nome três vezes, até que eu pensei no nome Humor Quântico e eu gostei da sigla HQ, que lembra história em quadrinhos."

A base dos posts são memes - palavra de origem grega que significa imitação e que utilizamos hoje para nos referirmos a conteúdos cômicos que se espalham rapidamente pela internet. O termo foi utilizado pela primeira vez em 1976, pelo biólogo britânico Richard Dawkins, no livro “O Gene Egoísta”, para designar uma unidade de informação cultural - analogamente ao gene, que é uma unidade de informação genética. 

Hoje, o Humor Quântico tem 143 mil seguidores e já fez mais de 4.600 publicações. Souza disse que, segundo as estatísticas oferecidas pelo Instagram, o alcance do perfil é de 2 milhões de pessoas. Os seguidores são, predominantemente, homens jovens, entre 18 e 26 anos. As postagens com maior engajamento são as de matérias do Ensino Médio, como matemática básica e leis de Newton, e as que fazem referência à cultura geek, como quadrinhos, animes e mangás. 

Foto: Reprodução do Instagram. Clique na imagem para ver a publicação original.

Apesar dos números expressivos, Souza prefere recusar as propostas de parcerias comerciais. "Até hoje eu nunca ganhei um real com a página, nunca fiz publicidade", conta. Mas ele mantém contato com os ADMs de perfis e páginas semelhantes, como @cienciaemmemes, @decifrandoastronomia e @astronomiainterestelar. "A gente formou um grupo, conversa quase que todo dia no Whatsapp e tem agora uma rotina de ajudar. Às vezes, eu encontro algo que possa ser útil para um, para outro, um dá ideia...". 

Não fiz a pergunta clichê clássica desse tipo de pauta - qual o limite do humor? -, mas o físico da UFU me contou qual foi para ele. Dois meses depois da criação do perfil, ele acabou bloqueado pelo Instagram após publicar o desenho de uma pessoa com corte no pulso. Segundo as Diretrizes da Comunidade do Instagram, esse tipo de conteúdo pode se relacionar a suicídio e automutilação. Souza chegou a fazer outro perfil, mas, em meados do ano passado, notou que a conta havia sido liberada novamente e retomou as publicações.

Mas perguntei se comédia é uma forma de divulgação científica. O ADM do Humor Quântico acredita que sim, especialmente pelos debates que acontecem nos comentários. "Uma coisa que antes eu fazia e passei a fazer com menos frequência é uma descrição do meme, até porque uma piada explicada perde a graça, mas quando eles [os seguidores] não entendem é muito comum eles perguntarem e aí seis, sete professores de Física que seguem a página explicam, comentam, rola uma discussão… Eu acho que é uma forma de ensinar. Aquilo que você aprende com humor você tende a não esquecer mais."

Foto: Reprodução do Instagram. Clique na imagem para ver a publicação original.

EXTRA: Afinal, o que é Quântica?

Não dá para entrevistar um físico divulgador da ciência com quântico no nome e não fazer essa pergunta. Veja o que Jackson Souza respondeu:

"Na Física existem alguns fenômenos que só aparecem em determinadas situações. A principal característica da Quântica é ela estar restringida a coisas muito pequenas, que se aproximam ao tamanho de um átomo. Quando a gente está dentro dessas dimensões de coisas muito pequenas esses efeitos são muito contra-intuitivos. Um deles é a questão de uma determinada entidade da Física. Vou dar o exemplo do elétron. O elétron, a gente entende como sendo uma partícula, algo que tem determinada dimensão. Eu poderia medir o tamanho dele, tem uma massa. Só que, dentro do mundo quântico, essas coisas podem ser duas ou mais coisas, pode ser tanto partícula quanto onda. E isso gera uma implicação muito grande, porque partículas têm determinados comportamentos e ondas têm comportamentos diferentes. Então, em determinadas situações, o elétron parece ser uma partícula, a gente fala que é uma partícula, não tem erro. Só que quando a gente olha para o elétron em outras situações, ele é uma onda, não é uma coisa que tem uma dimensão definida e tudo mais. A palavra quântica vem de quantizar, que significa valores bem definidos. No nosso universo macroscópico, a gente pode assumir infinitos valores para várias coisas. Para posição, entre 1 e 2 metros, eu posso me posicionar no metro 1,5… 1,7… 1,003… Quando você vai para coisas muito pequenas, aí entra a quântica, aí existem restrições da natureza que a gente não sabe explicar por quê, mas existem. Por exemplo, não existe zero na mecânica quântica. Ao contrário do que as pessoas pensam, a Quântica não é só filosófica. Toda a nossa tecnologia atual é bastante de Relatividade de Einstein e Mecânica Quântica. Então, Quântica é isso: valores bem definidos."

Foto: Reprodução do Instagram. Clique na imagem para ver a publicação original.

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