Publicado em 08/05/2023 às 14:19 - Atualizado em 22/08/2023 às 16:38
Em Uberlândia, há 70 mortes confirmadas de dengue em 2023 até o momento. (Foto: Freepik)
O movimento das águas balançava as embarcações que podiam ter de 10 a 500 toneladas. Os porões dos navios, úmidos, com pouca iluminação e condições degradantes, carregavam pessoas que nem mesmo eram vistas como gente, acorrentadas em grupos pelos pés e destinadas a um futuro exploratório.
Vindos da África, mosquitos de patas bicolores e que, até entã,o eram pouco conhecidos pelos estudiosos do século XVI, também eram transportados ao “novo mundo”.
Chamado na época de Culex aegypti, o Aedes aegypti como conhecemos hoje, responsável por transmitir doenças como dengue, febre amarela, zika e chikungunya, rapidamente se espalhou para a Ásia e as Américas.
Embora tenha se desenvolvido de modo que nem o passar do tempo fora páreo para combater sua existência, somente em 1981 uma epidemia de dengue foi documentada clínica e laboratorialmente no Brasil, no município de Boa Vista, em Roraima.
De lá para cá, dois ciclos da doença permanecem no país, um endêmico e outro epidêmico. O primeiro, que se trata de recorrências em determinadas regiões sem um aumento do número de casos, é seguido do segundo, que ocorre entre quatro e cinco anos, caracterizado pelo aumento do número de ocorrências em várias regiões.
Mas, afinal, é possível pensar em um fim da dengue e do Aedes aegypti?
Antes de tudo, é importante entender que a dengue faz parte de um grupo de doenças conhecidas como negligenciadas. Não há um interesse administrativo em combatê-las de fato, seja por não oferecerem retorno político, seja por gerarem uma grande movimentação econômica, como afirma o professor João Carlos de Oliveira, especialista em Ciências do Ambiente e Planejamento Urbano e doutor em Geografia pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU).
Ele, que se define como um grande fã da divulgação científica, atualmente se dedica a pesquisas relacionadas à dengue e suas influências urbanas, propõe reflexões sobre o tema, além de reforçar a importância do combate ao mosquito se tornar um hábito durante todo o ano e não apenas algo sazonal.
O mosquito em Uberlândia
O início do ano de 2023 se deu com uma alta alarmante no número de casos de dengue na cidade de Uberlândia (MG). De acordo com dados da Secretaria de Saúde do Estado, os números são 12 vezes maiores em relação ao mesmo período do ano passado, com três óbitos registrados em decorrência da doença até 6 de março. Atualmente, foram constatados mais de 127 mil casos e 70 mortes de dengue no município.
Ao analisar a progressão da dengue na cidade, é possível observar uma constante anual, com o aumento acentuado de casos após o período de chuvas entre janeiro e abril. Pode-se analisar também uma crescente alarmante de um ano para o outro: em 2022, por exemplo, o número de casos foi sete vezes maior que no ano anterior.
Algumas atitudes têm sido tomadas pela Prefeitura Municipal de Uberlândia, como a utilização de carros de fumacê, que objetivam eliminar os mosquitos, em conjunto com a promoção de mutirões de limpeza nas áreas mais afetadas. Apesar disso, a doença retorna anualmente.
“As pessoas só se lembram da dengue quando alguém de sua família fica doente. Assim como aconteceu com a covid-19, assim que as coisas melhoram voltamos a nos esquecer. Fomos educados a sempre precisar de um líder para comandar nossas ideias, e isso é um problema”, explica Oliveira.
O professor também esclarece que há falhas na comunicação entre os órgãos públicos e a população. Isso, segundo ele, torna a eliminação da doença algo muito difícil.
Em busca de soluções
O carro cruza a esquina com um som rapidamente conhecido pelos moradores. Em poucos instantes uma neblina esbranquiçada toma conta de toda a vizinhança. Fulana liga para ciclana para avisar que o fumacê está passando, coloca os animais de estimação para dentro de casa, fecha as portas e as janelas e não há quem ouse dizer para fazerem o contrário.
Por outro lado, a ação recomendada é totalmente a oposta do que muitas vezes é feito pelos moradores. O produto liberado pelo fumacê – inseticida de ultrabaixo volume (UBV) – e que é usado como arma contra o Aedes aegypti não oferece risco à saúde humana ou de animais, como afirma a Secretaria de Saúde do Distrito Federal. Por isso, ao perceber sua aproximação, o ideal é abrir toda a residência e deixá-lo entrar.
Mesmo sendo uma das medidas mais populares no combate ao vetor da dengue, o inseticida não resolve totalmente o problema, pois mata apenas os mosquitos na fase adulta, não eliminando ovos e larvas. Oliveira explica que essa prática atinge abelhas e outros insetos, além do Aedes aegypti, podendo gerar problemas ambientais.
“O fumacê faz com que o vetor se torne resistente ao veneno com o tempo, e fórmulas cada vez mais agressivas sejam necessárias para combatê-lo. Esse tipo de método pode trazer danos de longo prazo ao meio ambiente, sendo uma das principais causas da diminuição no número de abelhas nas cidades onde é utilizado”, ressalta o professor.
Para entender a profundidade da situação, a docente do Instituto de Biologia da UFU e membro do Laboratório de Ecologia e Comportamento de Abelhas (Leca/UFU) Fernanda Nogueira-Ferreira esclarece que, mesmo que o UBV seja liberado quando as abelhas estão dentro das colmeias, elas podem ser infectadas no dia seguinte.
Conhecidos por seu trabalho em grupo e proatividade, os insetos de cores preto e amarelo começam cedo o seu ofício. Sem saber que no dia anterior todo o espaço exterior fora encoberto de uma neblina venenosa e que se alastra em cada pequeno espaço onde sua fumaça possa alcançar, eles iniciam o transporte de néctar e pólen para dentro da colmeia, onde sua adorada rainha se encontra.
O que as abelhas não imaginam é que carregam inseticida vindo do fumacê e, no fim da manhã, todas estarão intoxicadas.
Para Oliveira, a solução para as inúmeras vertentes da dengue que insistem em se esgueirar pelas décadas pode ser encontrada na comunicação com a população, por meio de medidas horizontalizadas e que tornem as ações de combate ao Aedes aegypti algo cotidiano na vida das pessoas.
“Temos o dever de nos aproximar de diferentes segmentos sociais, estabelecendo um diálogo com a comunidade e escutando suas necessidades. Não vejo como isso pode ser resolvido se não mudarmos nossa forma de ver a educação”, conclui.
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Palavras-chave: dengue urbanismo histórico
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