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ASSESSORIA JURÍDICA POPULAR

Como combater o superendividamento: pesquisa propõe estratégias para quem ganha até dois salários mínimos

Estudo elaborado por estudante da UFU venceu concurso nacional na área de direito do consumidor

Publicado em 24/01/2025 às 11:54 - Atualizado em 24/01/2025 às 13:46

Ideia sobre a pesquisa surgiu durante o estágio de Gabriel Resende Lopes no Núcleo de Atendimento ao Superendividado do Escritório de Assessoria Jurídica Popular. (Foto: Aléxia Vilela)

Consumidores que acumularam dívidas a ponto de não conseguirem mais manter o mínimo para sobreviver precisam de ajuda especializada. Desde 2021, a Lei 14.181 estabelece mecanismos voltados à prevenção e ao tratamento de consumidores superendividados, indicando que é preciso desenvolver estratégias adequadas para sair dessa situação.

Com uma pesquisa sobre esse tema, ainda pouco explorado nas ciências jurídicas, Gabriel Resende Lopes, recém-graduado pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Uberlândia (Fadir/UFU), obteve o primeiro lugar na categoria “estudante” do VII Concurso de Monografias, realizado durante o XVII Congresso Brasileiro de Direito do Consumidor, pelo Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (Brasilcon).

O superendividamento pode acontecer em todas as classes econômicas, mas foi atendendo ao público mais vulnerável que Lopes desenvolveu uma proposta de tratamento para quem recebe até dois salários mínimos. Durante pouco mais de um ano, entre setembro de 2022 e dezembro de 2023, ele se dedicou a diversos atendimentos dessa natureza em seu estágio no Núcleo de Atendimento ao Superendividado do Escritório de Assessoria Jurídica Popular (NAS/Esajup), sob orientação da professora Keila Pacheco. 

A partir de dados estatísticos sobre orçamento familiar do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e dos próprios casos atendidos pelo então estagiário no NAS, a pesquisa de Lopes teve como objetivo apresentar uma proposta de atendimento especializado, com estratégias para restaurar a capacidade de subsistência financeira desse grupo mais vulnerável, conforme previsões da Lei do Superendividamento. 

Confira a seguir um infográfico com as principais informações da lei, o que pode ou não ser renegociado, como se planejar e como procurar ajuda:

Infográfico sobre superendividamento
Arte: Maria Clara Medeiros

Estratégias contra o superendividamento

Dados da Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic) apontam que, no final de 2024, 68,2% das famílias brasileiras estavam endividadas, chegando a 41,51% de inadimplência — quando deixam de pagar suas dívidas no prazo estipulado. Entre estes, os superendividados são aqueles que não conseguem arcar com dívidas como operações de crédito, compras a prazo e serviços de água e energia elétrica. 

Entre 2020 e 2023, a pandemia de covid-19 expôs ainda mais a fragilidade financeira das famílias brasileiras demandando do Estado não apenas o auxílio emergencial durante esse período, mas também iniciativas de renegociação de débitos, como o Programa Desenrola Brasil, iniciado na sequência, em 17 de julho de 2023, e encerrado no dia 20 de maio de 2024. Na avaliação de Lopes, porém, “o Desenrola não conseguiu atender o público em maior sofrimento com as dívidas, que são aqueles com desconto direto na folha de pagamento. As pessoas deixam de ser negativadas para voltar a ter crédito e consumir. Mas, para esse público com natureza contratual irretratável, não havia nenhuma solução.”

Nesse cenário, a principal proposição do estudo é a de que quem recebe até dois salários mínimos não deve comprometer mais do que 15% da renda mensal com o pagamento de dívidas, número bem abaixo dos 30% permitidos pela legislação brasileira na concessão de crédito consignado.

“Com a análise dos orçamentos familiares, eu proponho que os valores a serem destinados nunca devem ultrapassar de 10% a 15%. Se a margem de 30% do consignado tem sido uma porta de entrada para o superendividamento, esse número não pode ser visto como uma solução. As pessoas acabam entrando nesse ciclo novamente, sem restabelecer o mínimo existencial, o que traz também um descrédito para a lei do superendividado, porque rapidamente os consumidores voltam a essa condição”, avalia o pesquisador.

Para esse cálculo, Lopes ponderou os grupos de contas básicas para subsistência de acordo com o padrão de vida desses consumidores. “Em boa parte dos casos, o estado de vulnerabilidade é tão grande que muita gente não consegue nem informar suas contas, alguns vivem com ajuda de outras pessoas”, conta.

Gabriel em entrevista
“A causa do superendividamento nem sempre é o consumismo, mas a oferta de uma margem consignada que expropria o mínimo existencial das pessoas”, constata Lopes. (Foto: Aléxia Vilela)

Entre as conclusões do estudo, o agora bacharel em Direito pela UFU avalia que o superendividamento extrapola causas individuais e está relacionado ao custo de vida no país e às condições históricas de concessão de crédito: “A pessoa não dá conta de bancar as despesas e recorre ao empréstimo até que ele perde a função do consumo. E o efeito disso é que esse acesso ao crédito que, nas políticas do início dos anos 2000, servia para melhoria da qualidade de vida, agora volta para o sistema financeiro por meio da expropriação do patrimônio.”

Pacheco, que orientou o estudo, acredita que o trabalho do estudante fortalece a relação entre a universidade e a sociedade. “A pesquisa do Gabriel destaca-se não apenas pela profundidade e relevância do tema, mas também pela abordagem prática e pela utilização de dados concretos, algo ainda pouco explorado nas ciências jurídicas. Foi uma satisfação orientá-lo e acompanhar o desenvolvimento de um trabalho que contribui de maneira tão significativa para a compreensão e enfrentamento do superendividamento no Brasil. Acredito que esse reconhecimento nacional reforça a importância da articulação entre pesquisa acadêmica e prática social”, finaliza.

 

Como buscar ajuda

Atualmente, os principais instrumentos para buscar ajuda são a própria Lei 14.181/2021, que altera o Código de Defesa do Consumidor e contém mecanismos para prevenção e tratamento do superendividamento. Uma dessas medidas é o atendimento em núcleos de conciliação e mediação de conflitos oriundos de superendividamento. É este o caso do Núcleo de Assistência ao Superendividado (NAS), projeto de extensão da UFU, que orienta consumidores superendividados em suas diversas demandas, como renegociação de dívidas, elaboração de um plano de pagamentos factível, conciliação com credores, denúncia de práticas abusivas e ações de educação financeira. 

Para buscar atendimento ou informações sobre o NAS, envie um e-mail para nas@fadir.ufu.br ou clique para saber mais sobre o NAS.


 

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Palavras-chave: Superendividamento DIREITO Direito do Consumidor

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