Pular para o conteúdo principal
SÉRIE MULHERES E MENINAS NA CIÊNCIA

Ciência como um espaço de possibilidades

A pesquisadora Camilla Nganga estuda a vivência das mulheres na área de contábeis

Por: Aléxia Vilela
Publicado em 25/03/2025 às 16:41 - Atualizado em 31/03/2025 às 13:38

'Acho que desde a graduação eu já me vi ali como pesquisadora, mas ainda era estranho pensar na Camilla cientista', relembra a docente. (Foto: Marco Cavalcanti | Arte: Thamires Dantas)

 

Curiosidade e comunicação andaram lado a lado ao longo da vida da professora Camilla Nganga, da Faculdade de Ciências Contábeis da Universidade Federal de Uberlândia (Facic/UFU). Seu desejo de conhecer sempre mais se manifestou de forma prática ao longo da graduação, quando ela mergulhou em novas experiências para aproveitar as diferentes oportunidades. “A universidade propicia isso. É também o porquê eu escolhi a carreira acadêmica e quis ser professora, justamente pela variedade de possibilidades”, destaca a docente.

Embora a ciência não tenha sido um plano em sua vida, ela se tornou um caminho natural e promissor. “A Camilla cientista, Camilla pesquisadora, é uma reflexão muito recente. A gente tem um entendimento comum ao se pensar ciência, com a pessoa dentro de um laboratório, trabalhando no microscópio, de jaleco branco”, comenta. Com o tempo, no entanto, ela encontrou o seu espaço como pesquisadora nas ciências sociais aplicadas, longe dos microscópios e próxima à produção de conhecimento. 

 As possibilidades começaram a se apresentar durante sua graduação no curso de Ciências Contábeis na UFU, em 2007. Naquela época, como aluna, Nganga não se limitava às paredes da sala de aula. Toda a universidade era um espaço para conquistar. “Eu cheguei com uma vontade imensa de fazer tudo o que fosse possível, aproveitar ao máximo esse espaço, já que eu queria tanto”, recorda. Estagiária na Pró-reitoria de Extensão e Cultura (Proexc), participante em projetos de inovação, integrante do Diretório Acadêmico dos Estudantes (DCE), jogadora de vôlei… a lista de atividades de Nganga, como graduanda, é longa. 

“Ainda na graduação eu iniciei as contribuições no Neab, o Núcleo de Estudos Afro-brasileiros. Hoje, como professora, eu mantenho esse vínculo que começou quando eu era muito jovem. Muito do meu crescimento pessoal, além do profissional e acadêmico, veio da universidade”, afirma a pesquisadora. Ao finalizar a graduação e se inserir no mercado de trabalho, ela conta que entendeu que a carreira acadêmica era sua escolha.

 

Professora Camilla Nganga
As ciências contábeis despertou o entusiasmo para Nganga se tornar uma pesquisadora. (Foto: Maria Eduarda Amorim)

 

As decisões na academia estão conectadas à sua vida pessoal. “Eu tenho uma coisa de gostar muito de pessoas, até tem a ver com as escolhas que eu fiz de pesquisa na minha área. Eu quero entender sobre as experiências dos alunos, dos professores, e como isso pode contribuir para mudanças positivas na área de ciências contábeis”, explica Nganga. A curiosidade, presente em sua vida desde a infância, e o anseio por conhecer novas histórias tornam sua vida parte do que a motiva como pesquisadora. “Eu acho que tem uma contribuição científica quando a gente começa a acessar a trajetória e as experiências das pessoas”, finaliza.

Não foi apenas durante a graduação que a pesquisadora aproveitou as possibilidades que a universidade oferece. “Eu tenho a atuação como pesquisadora, como professora, tutora do PET [Programa de Educação Tutorial] de Ciências Contábeis. Ainda faço parte do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros, que é uma dimensão muito importante [em que comecei a] ter uma consciência maior da minha pessoa enquanto mulher negra na sociedade. É uma coisa que preciso destacar”, compartilha a docente. Há quatro anos, ela representa a Facic no Comitê de Ética e no Comitê de Internacionalização da UFU, “e mais muitas outras coisas”, acrescenta. 

Na entrevista para a série “Mulheres e Meninas na Ciência", Camilla Nganga compartilhou um pouco mais sobre como construiu sua trajetória como pesquisadora por meio das possibilidades encontradas na ciência. 

 

Ainda na infância, você pensava em se tornar pesquisadora?

A escolha pela carreira científica, ser pesquisadora, professora da universidade hoje, não foi nada exatamente planejada. Quando eu lembro da minha infância, o que me vem à cabeça é a curiosidade e a indagação. São características que me acompanham desde sempre. 

Eu acho que eu carrego isso até hoje, esse senso de querer saber mais, querer entender o porquê das coisas. Não necessariamente só sobre a minha área; pensando na vida e na sociedade de uma forma geral. É uma característica que eu já tinha de criança que me acompanhou, e eu acho que ciência é isso: descobrir novos conhecimentos, trazer novas perspectivas, buscar soluções para os problemas que existem.

Pensando anos atrás, eu nunca tinha pensado em ser pesquisadora. 

 

O que levou você a decidir cursar Ciências Contábeis?

Eu fiz um curso técnico, era um curso antigo, nem sei se tem mais. A gente fazia no ensino médio para iniciar na vida profissional. Quando eu estava no segundo ano, eu fiz esse curso lá na Icasu [Instituição Cristã de Assistência Social de Uberlândia], na área administrativa, e eu tinha aula de contabilidade.

Eu gostava muito dessa aula, da professora, a forma como ela trazia os conteúdos para a sala de aula. Eu falei: “Nossa, que interessante, quero muito fazer esse curso. É essa a escolha que eu vou fazer no meu vestibular”. Terminando o ensino médio, fiquei prestando o vestibular [por] dois anos, e entrei na Contábeis. 

Eu nunca esqueci o nome dessa professora, professora Isabela. Eu sempre brinco que quando eu entrei no curso, eu levei um susto que eu falei: “Nossa, não tem a ver com o que eu vi lá na Icasu, era totalmente diferente. Mas felizmente eu gostei”.

 

Professora Camilla Nganga
Na Ciências Contábeis, ela encontrou a oportunidade para transformar a educação. (Foto: Marco Cavalcanti)

Uma coisa que é muito marcante na minha trajetória, eu lembro de passar pela universidade e pensar: “um dia eu vou estudar aqui, eu quero muito estudar aqui”. Era uma vontade muito grande. Quando eu passei no vestibular, foi uma alegria para mim e para a minha família. Cheguei com uma vontade imensa de fazer tudo o que fosse possível, aproveitar ao máximo desse espaço, já que eu queria tanto.

 

Como é a Camilla como cientista no Lattes?

Terminando a faculdade, eu trabalhei em escritório de contabilidade [e empresas de Uberlândia]. Nesse caminho, realmente entendi que a carreira acadêmica era o que eu gostaria de seguir como escolha profissional. Eu fiz um MBA na minha área  e uma especialização em docência na educação superior na Faculdade de Educação [da UFU]. Veio a oportunidade de fazer o mestrado, e aí foi o momento da escolha: se eu gostaria de seguir trabalhando ou se eu iria para o mestrado. Desde então, eu tenho me debruçado muito nesse desenvolvimento como pesquisadora, como cientista. 

A minha área de pesquisa é a educação dentro da nossa área de contabilidade. Pensar como a pós-graduação contribui para esse desenvolvimento profissional docente das pessoas que eventualmente virão a ser professoras do curso, com o olhar para a diversidade, com o olhar para a questão das mulheres. 

No mestrado, eu trabalhei mais com a parte de tecnologias na educação. No doutorado, eu mergulhei mais nessa perspectiva de se pensar as contribuições dos programas de pós-graduação no desenvolvimento docente, seja para pesquisa, para o ensino, mas com foco na experiência, na vivência das mulheres da área de contabilidade.

 

Camilla Nganga na neve nos EUA
Durante o doutorado, Nganga foi pesquisadora visitante na Universidade de Minnesota, nos Estados Unidos. (Foto: Acervo Pessoal - Camilla Nganga)

Eu tenho trabalhado em diferentes vertentes. Uma grande área é pensar a formação docente. Tenho muito gosto pelas pesquisas com os recortes de gênero e raça. Sempre falo: “A contabilidade é uma ciência social aplicada, ela é feita para e por pessoas”, então, acho muito interessante compreender as experiências das pessoas da área. As discussões sobre raça são discussões mais tímidas, mas com a vivência no Neab, eu tenho começado também a tentar fazer o movimento de trazer essas discussões para a área de ciências contábeis. 

 

E fora do Lattes, quais são os seus interesses?

Eu acho que viajar é o meu grande hobbie, e a experiência do intercâmbio mostra como a gente é muito pequeno no mundo. Estou sempre viajando e pensando na próxima. Todo mundo que me conhece sabe que eu gosto muito de atividade física também, porque eu joguei vôlei. Ir para o pilates, ir para a academia, além das questões de saúde.

 

Camilla Nganga em viagem em Porto
'Eu já viajei bastante, mas tem muito para viajar. Quanta coisa não é explorada, quanta coisa a gente não conhece', comenta Nganga. (Foto: acervo pessoal - Camilla Nganga)

É um hobbie até para desconectar um pouco da universidade. A gente fala com muita alegria sobre as atividades da produção de conhecimento científico, mas não é romantizado, é uma carga de trabalho muito intensa. Eu entendo que a gente precisa pensar em formas de dar valor e prioridade às outras dimensões da vida também. No caso, têm minhas atividades religiosas, a minha família, o meu marido, a minha cachorra. Sempre [com] atenção de ter momentos de qualidade com as pessoas fora da UFU.

 

Você tem alguma experiência marcante que tenha vivido como pesquisadora?

Acho que uma delas é a experiência do Pint of Science em 2023. Era um evento em uma cervejaria, e eu tinha que falar sobre o meu campo de pesquisa, mulheres na contabilidade. Achei bem interessante a provocação que o evento fez de pensarmos o que a gente tem feito em termos de divulgação científica, principalmente no conhecimento científico produzido dentro da universidade.

Uma outra experiência bem interessante, também em 2023, foi a oportunidade que eu tive de participar, em Brasília, do Datathon. É uma maratona de dados que a Escola Nacional de Administração Pública promove. Não eram só pessoas cientistas, eram servidores de carreira, pessoas dos movimentos sociais, pessoas do terceiro setor. Quando eu cheguei, eu pensei: “Como é que eu vou contribuir?”

Tinham alguns desafios propostos, e com essa equipe foi criado o “Observatório da Presença Negra no Serviço Público". Nossa equipe foi vencedora dessa maratona, então, foi muito gratificante fazer uma coisa completamente fora da minha zona de conforto e ainda olhar e pensar: mesmo fora, as minhas habilidades de cientista, de pesquisadora, são habilidades muito relevantes. 

 

Ao longo da sua trajetória, como você percebeu a presença de mulheres e meninas na ciência?

A área de contabilidade tem recebido um número expressivo de mulheres. Quando eu estudei, acho que já tinha uma sala equilibrada na graduação. No mestrado a gente ficou em um número menor e no doutorado também. Então mostra essa segmentação vertical, na medida em que eu subi, digamos, de posto.

E quando a gente faz os recortes, pensando como uma mulher negra, os números vão diminuindo ainda mais. A pós-graduação, eu diria, é o principal espaço de produção de conhecimento científico. Quando eu olho para a pós, são poucas as estudantes negras no mestrado e no doutorado, e o número é ainda menor quando a gente olha para as posições docentes.

Eu consigo talvez contar nos dedos de uma mão quem são as professoras negras que eu conheço que atuam nos cursos de mestrado e doutorado em ciências contábeis. Se a gente fizer outro recorte pelas mulheres pretas, esse número vai ser ainda menor, então mostra que a gente ainda tem um caminho a seguir.

 

Camilla Nganga, em frente à placa de formandos
A graduação em Ciências Contábeis marcou o primeiro passo na carreira acadêmica de Nganga. (Foto: Maria Eduarda Amorim

Hoje eu vejo, como professora, que eu tenho muito mais alunas do que quando eu era aluna e tinha as minhas colegas de sala. Eu acho esse movimento bem interessante. A minha área ainda é muito masculinizada; dependendo da subárea, com uma presença muito forte de homens.

Acho que tem um caminho para seguir, não só em termos de números. Como é que a gente muda um pouco da cultura para que essas mulheres se sintam, de fato, em seus lugares. Eu estou na contábeis e este é o meu lugar. Não adianta ter um número maior de mulheres se as estruturas de machismo, de preconceito, são as mesmas.

 

Na sua opinião, o que é necessário para que mais pesquisadoras ocupem seus espaços?

As instituições, de uma forma geral, precisam se responsabilizar e, consequentemente, se comprometer a desenhar ações que verdadeiramente tragam essas mulheres às suas mais diversas profissões, e que elas permaneçam pensando a ciência. Esses interlocutores precisam abrir essas questões como sendo de suas responsabilidades também.

Quando a gente pensa em questões relacionadas ao racismo, ao machismo, à presença de mulheres, à presença de mulheres negras, não são problemas individuais. A gente está falando de problemas que têm raízes na própria estrutura, na forma como a sociedade e como o país se desenvolveram.

 

 

Política de uso: A reprodução de textos, fotografias e outros, fotografias e outros conteúdos publicados pela Diretoria de Comunicação Social da Universidade (Dirco/UFU) é livre; porém, solicitamos que seja(m) citado(s) o(s) autor(es) e o Portal Comunica UFU.

 

>>> Leia também:

 

Palavras-chave: Dia Internacional Das Mulheres e Meninas na Ciência Série Mulheres e Meninas na Ciência Ciências Contábeis Faculdade de Ciências Contábeis Série Mulheres e Meninas na Ciência

A11y