‘Ser economista é contribuir para a sociedade’

Doutora em Ciências Econômicas, Graciele Sousa é técnica administrativa e exerce o cargo de economista no Cepes. (Foto: Marco Cavalcanti)

Nesta série de entrevistas que homenageia meninas e mulheres cientistas, entrevistamos a economista Graciele de Fátima Sousa. Após cursar a graduação e o mestrado em Ciências Econômicas na Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Graciele ingressou na instituição, em 2016, como economista do Centro de Estudos, Pesquisas e Projeto Econômico-Sociais (Cepes), órgão vinculado ao Instituto de Economia e Relações Internacionais (IERI/UFU).

Doutora em Ciências Econômicas pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Graciele foi uma das ganhadoras, em 2021, do Prêmio Brasil de Economia, promovido pelo Conselho Federal de Economia.

A servidora vê a Economia como uma área promotora de justiça social. “A gente busca entender quais são os problemas econômicos, sociais e políticos e assim é possível fazer projetos, elaborar políticas que visem a solucionar essas questões e promover um país mais homogêneo, mais justo, mais igualitário”, resume a economista.

Na entrevista, concedida em 8 de março, Dia Internacional da Mulher, a pesquisadora fala da profissão, mas também da equidade de gênero: “Somos preparadas para fazer nossas atividades tanto quanto nossos colegas homens”. Confira:

Graciele vê a Economia como uma área promotora de justiça social. (Foto: Marco Cavalcanti)

Quem é você na Plataforma Lattes?

Sou graduada e mestre em Economia pela UFU e também fiz doutorado em Ciências Econômicas pela Unicamp. Atualmente, atuo como pesquisadora economista no Cepes, que é um centro de pesquisa vinculado ao Instituto de Economia e Relações Internacionais. É um centro de pesquisas no qual temos várias temáticas na área da Economia. Hoje atuo na linha de pesquisa “Preços”. Então sou, hoje, na Plataforma Lattes, uma pesquisadora que desenvolve pesquisas mensais de preços, indicadores econômicos, como o Índice de Preços ao Consumidor (IPC), de Uberlândia. Também continuo trabalhando na minha pesquisa, na área de Economia Industrial, assunto da minha dissertação e da minha tese de doutorado.

E quem é você fora da Plataforma Lattes?

Não tenho redes sociais (risos), então fica difícil me conhecer. Sou mais do contato pessoal, mesmo. Sou uma pessoa bem tranquila, acho que responsável demais. Fora do meu horário de trabalho como pesquisadora, prefiro não discutir sobre temas econômicos e, sim, outros temas aleatórios, porque é importante ter o conhecimento de outras áreas. Gosto muito de fotografia, por exemplo. Sempre quando posso, tiro algumas fotos, e vou montando meu book de fotos bem aleatórias. Sou bem eclética. Faço aulas de piano. Tento tocar piano. Tento. Às vezes, não sou muito bem-sucedida. Mas eu tento ter conhecimento em outras áreas.

Têm outros “hobbies”, para além da Economia. Porque a Economia é uma área muito ampla, muito plural e que envolve muitos campos de atuação e muitas temáticas. É preciso conhecer História, Ciência Política, teorias econômicas e também ter conhecimento matemático. E sem falar que as pessoas sempre veem Economia como algo complexo, difícil, meio pesado. Então, às vezes, acho importante a gente ter uma válvula de escape e ir para outras áreas, para a parte cultural. Para dar uma relaxada para poder trabalhar com mais calma quando estou como economista.

Fotografia é um dos hobbies da economista. (Foto: Marco Cavalcanti)

Como surgiu a ideia de ser economista?

Sinceramente, não lembro qual foi o motivo que me levou a fazer a graduação em Economia. Mas eu lembro o que me motivou a continuar na graduação e seguir na pós-graduação e trabalhar como pesquisadora na área. Como eu disse, a Ciência Econômica é uma área muito completa, muito plural, ao contrário do que muitas pessoas pensam. Acreditam que a economia é só números, matemática, finanças, aplicações financeiras… Não! A economia envolve isso, mas também envolve a questão de você saber História, saber Ciência Política, porque a Economia é uma Ciência Social Aplicada, é uma ciência que visa a estudar os processos econômicos e a sua relação com a dinâmica da sociedade.

A Economia é uma área que pode ser um instrumento para melhorar socialmente a vida das pessoas. A gente busca entender quais são os problemas econômicos, sociais e políticos e, assim, é possível fazer projetos, elaborar políticas que visem a solucionar essas questões e promover um país mais homogêneo, mais justo, mais igualitário. Quando eu percebi isso e, inclusive após uma fala de uma das grandes referências na área da Economia, que é a Maria da Conceição Tavares, eu percebi que ser economista é dar uma contribuição para que se tenha um desenvolvimento do país.

Quando eu percebo que todos os dias a minha pesquisa, os artigos que eu faço, podem contribuir, de alguma forma, para  a melhoria da sociedade, eu acho muito importante. É isso que me motiva. Eu busco dar essa contribuição para a sociedade. Às vezes, é um tijolinho só nesse muro de contribuições, de melhorias, mas eu busco fazer a minha parte como economista nesse lado social.

Eu soube que você ganhou um prêmio do Conselho Federal de Economia…

Em 2021, um artigo que escrevi sobre os 70 anos da regulamentação da profissão de economista foi contemplado como o melhor artigo na categoria "Artigo Temático", do Prêmio Brasil de Economia. Foi um artigo que escrevi com interesse de conhecer mais sobre a minha própria profissão.  É engraçado que eu já tinha concluído o doutorado, feito mestrado, graduação e eu, realmente, não sabia qual tinha sido a história da regulamentação da profissão, como é que tinha surgido esse curso de Ciência Econômica no Brasil, que hoje é chamado de Ciência Econômica, de Economia, mas bem lá no início era Economia Política. Então, era bem interessante isso.

Eu tinha interesse em conhecer um pouco mais a história e ver como é que está na atualidade. Quantos cursos de Economia que nós temos, qual é o perfil dos nossos estudantes, dos profissionais que se formam. Então, escrevi esse artigo sobre os 70 anos e ele foi um artigo contemplado como melhor artigo na edição de 2021.

Eu, obviamente, me senti lisonjeada, porque quando você faz um trabalho, você tem como objetivo mostrar, contribuir para a sociedade. Mostrar qual a importância dos conhecimentos científicos, e não para ganhar prêmios. Quando tem esse reconhecimento, você fala “Nossa, legal, estou fazendo um trabalho correto, estou no caminho certo, que bom que está tendo esse reconhecimento, principalmente de mulheres pesquisadoras”.

O que é difícil na carreira de economista?

É que a economia é um campo muito amplo. Então, tem várias linhas, vários campos de atuação. E o economista tem uma visão do todo. Só que, ao longo da sua vida, vai se especializando em algumas áreas. E quando você fala que é economista para uma pessoa, aí a pessoa quer saber sobre economia, mas, às vezes, ela quer saber um tema específico que não é a sua especialidade. Então você fala do geral, mas não pode ser muito específico e dar mais detalhes, porque corre o risco de falar algo que já mudou, porque a economia é atualidade. Querendo ou não, tem a história, mas tem a atualidade, tem a conjuntura econômica, tem que seguir isso.

Eu fico, às vezes, chateada quando me perguntam alguma coisa que não domino. Mas vou dar uma resposta com base no geral que eu conheço. Então, sempre quando me perguntam algo que eu não domino, eu falo o que eu sei em geral, mas também sempre indico: “tem esse centro de pesquisa que foca nisso”, “tem um economista que trabalha com isso; então, é melhor você falar com ele”. A gente indica quem são os especialistas da área.

Você tem que lidar com essas expectativas das outras pessoas…

Isso! Porque [economia] é muito amplo. Se perguntar sobre a minha área — trabalho com economia industrial e trabalho na linha de preços, com inflação — tem um pouco de conjuntura econômica, macroeconomia, mas eu não trabalho com investimentos, com aplicações financeiras. Então, às vezes, as pessoas me perguntam “Qual é a melhor aplicação financeira? Bolsas de valores? Qual é melhor?” Eu sei no geral, mas não domino como um especialista em finanças domina.

Tocar piano é uma 'válvula de escape' encontrada por Graciele. (Foto: Marco Cavalcanti)

Ser mulher e economista. Tem um desafio nisso?

Tem desafios. Tem desafios para qualquer mulher em qualquer área. Ainda mais em um país de raízes no patriarcado. Hoje, eu atuo em um setor em que a maioria de meus colegas são homens. Olhando o grupo de economistas do Cepes, somos eu e mais outras duas economistas. O resto é dominado por homens. Isso em um universo de 10 economistas. Só que a gente tem outros cargos aqui que também são homens. São cargos administrativos de pessoas que atuam como pesquisadoras de preços. Nós temos a maioria homens. Temos duas mulheres e o restante são todos homens. É um universo que tem uns 23 servidores e cinco mulheres.

Você destacaria algum aspecto específico dessa situação de ter poucas mulheres como colega de trabalho?

De maneira geral, eu sou — e minhas colegas também, eu acredito, que se sintam — respeitada(s) pelos nossos colegas homens, pela maioria deles. A gente trabalha em um cenário de respeito, de conquistas, mas tem desafios. A gente observa que na área de Ciência Econômica, nos últimos tempos, as mulheres vêm ganhando visibilidade, vêm conquistando mais espaço no setor e atuando como pesquisadoras. Nós temos qualificações, habilidades, temos as competências e a gente tem um lugar de destaque na nossa área e somos preparadas para fazer nossas atividades, nosso trabalho, tanto quanto nossos colegas homens. Mas tem desafios. Acho que é um cenário de conquista ser mulher na minha área. Mas também é um cenário de desafios, de luta pela equidade de gênero. E isso não é restrito à economia. É para todas as áreas ainda. As mulheres conquistaram muito espaço no mercado de trabalho, mas tem muito ainda a se fazer. Principalmente, nesse ponto de equidade de gênero.

Você já pesquisou e pesquisa a relação da inovação e o sucesso de pequenas e médias empresas. A inovação é essencial para um empreendimento?

Comecei a graduação já fazendo iniciação científica. E lá eu trabalhava com pesquisas na área de Economia Regional. No mestrado, eu comecei a trabalhar na área de organizações industriais e estudo industrial, e uma das temáticas era micro, pequenas e médias empresas, com foco mais no comércio exterior. Dei sequência a essa pesquisa na minha tese lá na Unicamp. A gente trabalhava com microdados, identificando qual era o desempenho exportador das empresas, o que leva uma empresa a exportar mais, por que exportam ou não. No Cepes, eu não trabalho especialmente com economia industrial. Eu trabalho só na linha de preços, fazendo uma pesquisa do Índice de Preços ao Consumidor de Uberlândia, que é feito há mais de 40 anos pelo Cepes. Mas eu ainda continuo fazendo artigos, juntamente com a professora Marisa Botelho, nessa área de Economia Industrial com foco em micro, pequenas e médias empresas.

Recentemente, a gente fez um projeto, financiado pela Fapemig, que focava olhar a sobrevivência das empresas micro e pequenas no cenário brasileiro, quais são os fatores que levavam essas empresas a sobreviverem. E aí a gente deu sequência a essa pesquisa, agora olhando isso, essa relação de micro, pequenas e médias empresas, taxas de sobrevivência e inovação. É uma pesquisa que a gente está fazendo ainda. Mas os dados iniciais a gente já tem. As empresas que inovam têm uma taxa de sobrevivência maior que as empresas que não inovam. Então, realmente fazer inovação de produto, de processo, é importante para a taxa de sobrevivência das empresas, para sua manutenção e para ela ganhar mais espaço no mercado.

Você fez graduação, mestrado, passou no concurso para a UFU e fez doutorado. Você já está planejando o próximo degrau na sua carreira?

Eu deixei de fazer planos, há muito tempo na minha vida. Porque a gente planeja e vem um destino, o mundo, e muda tudo. Então, eu vivo cada dia, pensando no dia de hoje. Não planejo muito não, porque pode ser que não dê certo, e aí a decepção é maior. Então, não crio expectativas.

A princípio, tenho isso em mente, em continuar trabalhando com pesquisas, em ser pesquisadora na área de Economia. Acho que dediquei muito tempo da minha vida a isso. Foram 10 anos estudando, se qualificando. Inclusive, durante toda a minha vida de estudante, sempre estudando em escolas, em universidades públicas. Então, acho que eu preciso, agora, devolver um pouco, retribuir um pouco para a sociedade. Sociedade que sustenta, que financia essa universidade pública, essas escolas públicas. Preciso agora fazer minhas pesquisas para que meu conhecimento seja levado para a sociedade, para que se transforme em algo, promova uma melhoria na vida das pessoas. Tanto uma pesquisa no campo industrial, que leva informações em nível de empresas e também para as pessoas, quando a gente trabalha aqui no Cepes, fazendo essa pesquisa mensal de preços, divulgando indicadores econômicos. Estamos falando qual a inflação da cidade, qual é o custo de vida aqui da cidade de Uberlândia, qual o seu poder aquisitivo.

A gente está levando informações econômicas importantes para a família já poder, com base nesse valor, nesse indicador de inflação, organizar o seu planejamento financeiro, o seu orçamento, lutar por aumentos salariais com base na inflação que a gente está calculando e divulgando todo mês. Então, a minha pesquisa, trabalhar nessa pesquisa do Cepes, é uma retribuição à sociedade. A gente faz isso para a população de Uberlândia ter conhecimentos e informações econômicas e para se organizar e ter uma melhoria na sua própria vida.

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