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Série Mulheres e Meninas na Ciência

Professora, mãe e mulher: uma singular ‘colcha de retalhos’

Pesquisadora relata os desafios da maternidade na universidade

Publicado em 16/02/2024 às 09:32 - Atualizado em 01/03/2024 às 10:49

Almeida precisou compreender os desafios da maternidade solo para criar o projeto 'Materniência'. (Foto: Marco Cavalcanti)

 

“Quem é Mara Rúbia?”, perguntei.

“Mara Rúbia Pinto Almeida é filha de uma mãe solo. Uma menina preta que, por ser preta, enfrentou alguns desafios e que vem tendo que provar que consegue, que chega, que é possível. E hoje, aquela menina foi se transformando nessa mulher preta: mãe do Enzo, professora da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos (PPGEL)”, respondeu a pesquisadora.

Almeida é um daqueles casos em que o tecer da vida vai, ponto a ponto, compondo uma bela imagem. A pesquisadora iniciou sua carreira acadêmica unindo sua experiência como atleta ao curso de Educação Física. Mas, sendo intérprete da Língua Brasileiras de Sinais (Libras) desde os 13 anos, como educadora física, teve contato com as inúmeras incoerências em relação à presença dos surdos nos esportes.

E foi com a Libras que a pesquisadora entrou de vez no mundo da alfabetização. Graduou-se em Pedagogia e encontrou no mestrado em História o lugar para expressar as experiências de pessoas surdas. “Nunca deixei de estar em volta da educação, ou daquilo que eu gostaria de fazer, que era o meu desejo, mas fui costurando ali a minha colcha de retalho”, afirma Almeida.

Ao se tornar mãe, ela não só vivenciou a falta de leis e estruturas que permitiriam a continuidade profissional, como também enfrentou a falta de apoio entre colegas que avaliavam a situação da mesma maneira: universidade/pesquisa/profissão não é lugar de maternidade.

Em resposta, a professora concebeu o "Materniência" que, como o próprio nome diz, conecta maternidade a ciência, como uma rede de apoio entre mães que pesquisam e fazem ciência no universo acadêmico.  

“Quando chega 2023, preciso e quero reunir algumas mães, quero saber onde e como estão e entender quem são essas mulheres, seja na graduação ou na pós-graduação. Com o grupo, eu consigo implantar ações que reconheçam que essas pessoas estão aqui e que elas contribuem, e que não sejam ignoradas, mas que tenham auxílio conforme sua demanda.”, relata a professora.

E hoje no especial “Mulheres e meninas na Ciência” você conhece um pouco mais sobre ela, Mara Rúbia, mulher preta, mãe, pesquisadora e professora que continua costurando sua própria colcha de retalhos.

 

Foto colorida posada com mulher e menino pretos; ao fundo, uma árvore de Natal
Para a pesquisadora, ainda que o percurso universitário seja lento, vale a insistência e a ressignificação de cada momento. (Foto: Arquivo pessoal)

 

Quem é você na plataforma Lattes?

Sou mais uma professora, pesquisadora, que está colocando a sua produção como qualquer outra e que existe ali por trás, sem que ninguém conheça. Uma mulher, agora uma mãe, que é pesquisadora e que continua buscando uma sociedade melhor, um mundo melhor.

 

E quem é você além do Lattes?

Uma sonhadora. A pesquisa vai além do registro, eu acho que nesse momento aqui [da entrevista] está acontecendo uma pesquisa e eu não estou ali mencionando “fulano de tal”. Então, fora do ar, eu sou uma pessoa em construção que, a todo momento, revendo os seus conceitos e reconstruindo a percepção de mundo além da produção acadêmica. Um ser com sonhos, com perspectivas e com propósitos.

 

Como era a sua relação com a ciência, quando você era criança?

Acho que a docência está na alma, pois eu cresci brincando com escolinha e falo que o meu irmão foi meu primeiro aluno. Eu o alfabetizei sem didática nenhuma e, quando ele chegou na escola, já sabia ler. Então, não pensava nessa dimensão de ensino, pesquisa e extensão. E aí, nesse caminhar de só brincar de escolinha, eu vou e falo “Opa! Pera aí!” Este brincar de escolinha tem uma amplitude, que eu não sabia que era a pesquisa.

 

Você tem alguma boa história que já vivenciou como cientista e que, quando conta, todo mundo acha interessante? Poderia nos contar também?

Conciliar a demanda do doutorado, enquanto eu precisava dedicar minha pesquisa e dar conta de cumprir os créditos das disciplinas obrigatórias, precisando dar conta da docência, que eu continuava sem afastamento, e ainda conciliar a maternidade. Isso aconteceu em 2022, e dar conta dessa escrita sabendo que você tem outra demanda, que não tem quem pega o filho na escola naquele momento. Tive que conversar com os professores para sair 30 minutos adiantada, porque eu não tinha quem buscasse meu filho, e foram compreensivos comigo. Se eu não tivesse essa compreensão, não teria conseguido. Foi por isso que falei: "Nossa, eu sobrevivi em 2022!"

 

Por fim, qual mensagem você pode deixar para quem tem interesse em pesquisa, mas não sabe como iniciar?

A entrada não é fácil, a permanência também não. Mas precisamos estar no lugar onde a gente deseja ficar e tentar ultrapassar e ressignificar. Para todas as janelas que são fechadas temos a possibilidade de abrir uma porta. Se a porta fechar, a gente consegue uma brechinha em uma janela. E é esse o percurso, às vezes: é moroso e demorado, às vezes a gente estaciona, às vezes andamos lentamente. Mas estamos seguindo e precisamos seguir. Siga, independente dos tropeços das pedras do caminho.

 

 

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