Publicado em 17/02/2023 às 08:49 - Atualizado em 22/08/2023 às 16:38
Série Mulheres e Meninas na Ciência apresenta pesquisadoras da UFU, como a jovem Thamylle Lara Barbosa Magalhães (Foto: Marco Cavalcanti)
Como nasce uma cientista? No caso de Thamylle Lara Barbosa Magalhães, escolas com atividades de pesquisa e mulheres inspiradoras pelo caminho a levaram até a Escola Técnica de Saúde (Estes) da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e a projetos de pesquisa e extensão.
Ela é aluna do curso Técnico em Saúde Bucal (TSB), que forma profissionais para atuar no atendimento odontológico com orientação do cirurgião dentista, compor equipes de saúde e colaborar em pesquisas. Também faz parte da equipe do projeto Mulheres Mil, que promove educação profissional e tecnológica para mulheres que cumprem pena na Penitenciária Pimenta da Veiga, em Uberlândia (MG). Borda, pratica esportes e, aos 20 anos de idade, tem no currículo experiência profissional e acadêmica.
Em entrevista ao portal Comunica UFU, na série Mulheres e Meninas na Ciência, Magalhães conta como o curso técnico é oportuno para conhecer a carreira que pretende trilhar por toda a vida e como estudar algo tão familiar como um dente pode surpreender. Ela fala ainda sobre o que aprende entrevistando mulheres presidiárias e planeja um futuro em que seu conhecimento científico esteja a serviço das crianças que mais precisam.
Quem é você na plataforma Lattes?
Meu nome é Thamylle, eu tenho 20 anos, sou aluna da Estes/UFU e faço Técnico em Saúde Bucal. Entrei, agora, para o segundo período. Faço parte do projeto Mulheres Mil, junto com a [professora] Juliana Faquim. Pretendo continuar na UFU, no caso, fazer a faculdade de Odontologia, participar do vestibular e tudo mais.
E quem é você além do Lattes?
Eu trabalho junto com a minha mãe. Sou bordadeira. A gente tem uma página no Instagram (@coisas.daclau). A gente trabalha com [produtos para] puerpério e faz bodies [tipo de roupa para bebês] personalizados. Eu já fiz teatro durante quatro anos na Trupe de Truões, fiz vôlei durante quatro anos, fiz natação durante um ano [ambos no Campus Educação Física da UFU]. Eu formei, graças a Deus, no ensino médio na [Escola Estadual] Hortêncio Diniz daqui de Uberlândia. Sempre estudei em escola pública. Fiz Senac [Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial], como Jovem Aprendiz na Drogasil. Fiz Senai [Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial], [curso de] Controle de Qualidade na Indústria. E acho que é só isso mesmo.
Só? Com 20 anos você já fez tudo isso!
Ah, e eu fiz uma iniciação científica de ensino médio também, aqui, na UFU, com a professora Marciana Gonçalves Farinha, da Psicologia. A gente participava da edição de artigos da revista científica. Eu estava no segundo ano, passando para o terceiro.
No currículo, Magalhães tem iniciação científica no ensino médio, cursos no Senac e Senai, além de esportes e bordado (Foto: Marco Cavalcanti)
Como era a sua relação com a ciência quando você era criança?
Eu amava os projetos científicos da escola! Eu amava falar sobre os planetas, sobre tratamento da água… A gente tinha muito trabalho sobre tratamento da água [risos]! Tinha trabalhos sobre os países, sobre as pessoas na rua… Mas, quando tinha trabalho sobre tratamento da água, a gente dava nosso melhor, decorava texto, só porque a gente gostava de falar sobre o assunto.
Você sempre estudou na Hortêncio Diniz?
Eu estudei na [Escola Municipal] Orlanda Neves Strack, que é a do meu bairro, e depois passei para o ensino médio na Hortêncio Diniz. Na Hortêncio Diniz, infelizmente, eu não tive tanto tempo assim, porque a pandemia aconteceu e fiz ensino médio remoto. Só o primeiro ano que eu aproveitei.
Qual foi a primeira vez que passou pela sua cabeça a ideia de ser uma pesquisadora científica?
Eu tenho pessoas, que eu tenho de inspiração. A minha irmã é formada, aqui, na UFU, em Direito, e ela sempre fez muito projeto assim. Eu tenho uma tia que está na Enfermagem, aqui na Estes também. E como eu já tinha participado dessa iniciação científica na adolescência, então, eu já despertava uma certa curiosidade, essa vontade de querer participar. Aí a Juliana [Faquim] apareceu com o projeto Mulheres Mil [de formação profissional para mulheres presas] e eu fiquei extremamente interessada, porque é um mundo totalmente diferente, é uma pesquisa totalmente diferente, é uma coisa que não está no seu dia a dia, e acaba que eu criei totalmente a vontade de poder participar.
E como está sendo a sua participação no Mulheres Mil?
Muito incrível, porque a gente conhece um outro lado do mundo. E a gente não sabe esse outro lado. Eu conheci mulheres, lá, maravilhosas! Só que, aqui fora, “elas são horríveis”, a humanidade julga dessa forma. Só que quando você conhece, parece que é outra pessoa, que você não imagina que fez aquilo. É uma experiência totalmente diferente.
Como são suas atividades dentro do projeto?
A gente faz uma entrevista, com todas as presidiárias, onde a gente conhece o lado delas. A gente pergunta sobre o que ela quer ser aqui fora, o que ela pensa em fazer quando sair, se ela quer participar do projeto profissionalizante, que no caso é o que a gente proporciona. Eu participo da parte das entrevistas e também do curso profissionalizante. A gente pergunta sobre sexualidade, se ela é LGBTQIA+, ou se ela é hétero, se ela tem visita, se tem filho e, assim, a gente vai conhecendo a pessoa. Só que são perguntas extremamente difíceis de perguntar. E você se pergunta: e agora, o que eu posso fazer por ela?
Além de tudo que você já nos contou, tem alguma outra história que você já vivenciou como cientista e que quando conta todo mundo acha interessante? Poderia nos contar também?
Eu falo para minha mãe toda vez que eu chego em casa: cada dia a gente vai entendendo mais a boca. A gente não imagina quão fundo é! Esses dias atrás, eu tinha conversado com a minha mãe que eu tinha ido a uma clínica, para fazer um teste para emprego, e eu participei de uma cirurgia para retirar o [dente do] siso. E eu nunca tinha participado. A gente só vê pela internet, ou quando os professores mostram. Eu fiquei extremamente assustada, porque a gente não imagina o tamanho do dente original, né? Aí, na hora em que eu vi, eu fiquei: meu Deus, que tamanho de dente! A minha mãe ficou rindo demais de mim porque eu fiquei assustada com o tamanho do dente.
Uma coisa que é tão familiar e ao mesmo tempo tão estranha!
Exatamente! E a dentista falou: “você não precisa ficar assustada, porque é normal”. E eu: não tem como ser normal, olha o tamanho desse dente [risos]!
Você comentou que pretende fazer o curso de graduação em Odontologia. Como você imagina seu futuro?
Eu tenho muita vontade de fazer Odontologia, mas eu comecei o TSB para ter certeza se eu queria mesmo fazer Odontologia. Eu imagino muito Odontopediatria, porque eu sou apaixonada por criança, e eu imagino muito estar nesse ramo ajudando as crianças da sociedade em postinhos, nas UAIs [Unidades de Atendimento Integrado]... Eu acabo criando essa expectativa a mais. Então, se eu tiver duas formações, eu acredito que eu vou ajudar bem mais, tanto na área de Odontopediatria quanto na área de TSB.
Do que precisamos para ter mais mulheres e meninas na ciência?
Eu acho que empatia, porque a gente é muito julgada. Eu, mulher preta, jovem, estudante e tudo mais, eu imagino que a gente precisa ter sororidade. Ter respeito também. Eu vejo muita discriminação, porque o homem não aceita a mulher chegando no poder, ou ela chegando no topo, lá em cima. Então, eu diria que incentivar também, tanto que a Estes não tem tantos estudantes assim por conta de divulgação. O meu curso só tem mulher. Essa parte da divulgação é importante porque tem tanta gente que fica desmotivada depois que sai do ensino médio, que acaba que não vê uma expectativa de vida, que só quer entrar num supermercado, trabalhar todos os dias e receber um salário mínimo, uma folga por semana. Então, o incentivo é muito importante.
No Laboratório da Estes/UFU, estudantes praticam com o Bob Simulador de Paciente (Foto: Marco Cavalcanti)
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