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Ciência

Educação de mulheres presas abre caminhos para o futuro

Projeto da UFU é premiado por trabalho sobre hortas e recebe financiamento para produção de bioabsorventes

Publicado em 08/02/2023 às 13:35 - Atualizado em 22/08/2023 às 16:38

Livro 'Plantando liberdade para além das grades' foi impresso e entregue às mulheres da Penitenciária Pimenta da Veiga e está disponível para download gratuito. (Foto: Marco Cavalcanti)

 

“Se eu voltar a estudar e arrumar um emprego, o juiz devolve meu filho para mim”, disse uma das 120 mulheres que cumprem pena de reclusão na Penitenciária Pimenta da Veiga, em Uberlândia (MG), à professora Juliana Faquim, da Escola Técnica de Saúde da Universidade Federal de Uberlândia (Estes/UFU). Era uma manhã de segunda-feira, dia em que acontecem os encontros do Projeto Mulheres Mil. 

O projeto da UFU faz parte do Programa Nacional Mulheres Mil, instituído em 2011 pela Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica do Ministério da Educação (Setec/MEC). O objetivo é ofertar educação profissional e tecnológica a mulheres em situação de vulnerabilidade socioeconômica. Depois de participar de uma reunião no MEC sobre o programa, em 2017, Faquim trouxe a proposta para Uberlândia, com foco em mulheres que estão presas.

Quando procurou a Penitenciária Pimenta da Veiga, a equipe da unidade correspondeu com o interesse. “Lá tem muito projeto para homem. Para mulher, não. As mulheres presas, e é uma realidade não só em Uberlândia, mas no país inteiro, elas são abandonadas. Homem tem fila de visita; mulher não tem. As sacolinhas do homem, onde vão produtos de higiene que a família manda, sempre chegam. Para as mulheres, nem todas as famílias mandam”, afirma Faquim. 

Após aprovação da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública de Minas Gerais, em 2019, o projeto começou em Uberlândia. A primeira ação foi a produção de hortas, plantas medicinais e aromáticas e contou com a participação de detentos homens, que capinaram a área da unidade prisional e prepararam os canteiros. O início do curso foi marcado para 20 de março de 2020 — quando tudo teve que parar por causa da pandemia de covid-19.

Foram dois anos de suspensão das visitas aos presídios. Em trabalho remoto, a equipe da UFU produziu o livro “Plantando liberdade para além das grades”, organizado por Faquim e pelo professor João Carlos de Oliveira, também da Estes/UFU, pela professora Sany Karla Machado, da Faculdade de Gestão e Negócios (Fagen/UFU), pelas alunas Thaisa Rodrigues Nascimento de Oliveira, de Nutrição; Giovanna Mendonça Ivancko, de Saúde Coletiva; Karen Regina Silva Costa, de Geografia; e pela colaboradora Júlia Palmeira Macedo. 

“Plantando liberdade para além das grades” explica formas de plantar, colher e preparar hortaliças, plantas alimentícias não convencionais (pancs) e plantas medicinais, aromáticas e condimentares. Os exemplares foram impressos, com apoio da Pró-Reitoria de Extensão e Cultura (Proexc/UFU), e distribuídos às mulheres da penitenciária. Também está disponível gratuitamente em formato digital (acesse aqui). 

No meio do ano passado, quando as visitas ao presídio foram liberadas novamente, a Penitenciária Pimenta da Veiga entrou em contato com Faquim e chamou os pesquisadores da UFU para retornarem à unidade. “As mulheres estavam muito ansiosas. Teve tentativa de suicídio lá. E eles pediram o mais rápido possível. Falei: vamos!”, relembra a professora.

Foi retomado o eixo da educação profissional, com curso de design de sobrancelhas e aulas sobre empreendedorismo. “Quando elas saem de lá, elas dificilmente têm a carteira assinada. Então, vão procurar profissões mais autônomas mesmo, vão vender alguma coisa, lingerie, bijuterias, vão fazer bolo… Então, a parte de empreendedorismo é muito importante para esse público”, diz Faquim.

Há ainda módulos sobre saúde da mulher, infecções sexualmente transmissíveis, mulher e gênero na sociedade e uma atividade relacionada à psicologia, em que as mulheres fazem o Mapa da Vida. “Elas recontam a história de vida através de várias formas: desenho, texto, falas... Elas contam a história de antes da prisão, como ela é hoje e como elas prospectam a vida no futuro. É uma linha do tempo.”

 

Além da formação profissional, há módulos sobre saúde, atividades relacionadas à psicologia, entre outras ações. (Foto enviada pelo Projeto Mulheres Mil)

 

A próxima capacitação profissional será a confecção de bioabsorventes. A proposta foi aprovada na chamada da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) de apoio a projetos de extensão em interface com a pesquisa. Serão comprados tecidos, máquinas de costura e outros materiais e equipamentos.

Além da formação em corte e costura, a produção de bioabsorventes vai ajudar no enfrentamento da pobreza menstrual que atinge, também, as mulheres que estão presas. Segundo Faquim, o estado provê absorventes, mas a quantidade nem sempre é suficiente, principalmente para quem não recebe ajuda da família.

O projeto Mulheres Mil, da UFU, foi um dos 20 trabalhos que receberam o "Prêmio Eleutério Rodrigues Neto" — entre 6.564 resumos enviados e 5.578 trabalhos apresentados — durante o 13º Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva, realizado em Salvador, em novembro do ano passado. Outros estudantes e profissionais da UFU interessados em participar das próximas ações podem procurar a professora Faquim.

“Tem muita demanda. A maioria dessas mulheres é negra, periférica e pobre. Mais de 80% dos motivos que levaram à prisão estão relacionados ao tráfico de drogas; a maioria não estava envolvida diretamente, mas seus companheiros estavam. Boa parte delas é a primeira vez. E elas falam: ‘Eu não tenho oportunidade. Às vezes, a gente vai procurar um emprego e é muito difícil uma pessoa assinar a carteira de uma egressa do sistema prisional’. E acaba que elas não têm oportunidade e voltam de novo para o crime”, explica Faquim. 

A professora defende que o caminho para melhorar a vida das mulheres presas, necessariamente, passa pelo acesso à educação. “A gente faz uma pergunta num dos questionários que é ‘o que você espera para o futuro?’. As palavras que mais aparecem: ‘ter uma profissão para poder ter minha família de volta, para eu poder ter meu filho de volta’. Elas têm essa consciência de que a educação é um caminho para elas. É o que a gente mais pode fazer como universidade.”

 

 

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