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Geografia

Desigualdade em dobro: UFU analisa condições socioespaciais urbanas vividas pelas mulheres negras em Uberlândia

Dados do censo auxiliam Laboratório de Planejamento Urbano

Publicado em 31/07/2025 às 17:37 - Atualizado em 05/08/2025 às 15:02

Os membros do grupo integram diversidade de trajetórias e perspectivas de pesquisa ao projeto. (Foto: Samantha Alves)

 

A interseccionalidade é uma ferramenta analítica segundo a qual uma pessoa não é oprimida por apenas um fator isolado dos que constituem a sua identidade, mas sim por todos os fatores, e assim sofre com diferentes formas de opressão que se cruzam e se reforçam mutuamente. Ela oferece uma perspectiva contemporânea para analisar a condição das identidades e desigualdades nos ambientes urbanos.

Nessa perspectiva, o grupo de pesquisa “A cor da cidade: interseccionalidade e urbanização contemporânea” foi idealizado por pesquisadores do Laboratório de Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal de Uberlândia (Lapur/UFU), que identificaram o tema na diversidade que eles mesmos representam, como disse Luara Oliva, doutoranda em Geografia na linha de pesquisa de dinâmicas territoriais. “No próprio laboratório nosso, a gente vê esse recorte [interseccionalidade], então, como que a gente vai levar esse conceito da interseccionalidade para analisar a cidade? E daí veio essa vontade nossa de estudar esses processos na cidade, pegando essa base do IBGE e identificando quem são os sujeitos que ocupam determinadas áreas. E aí as análises que a gente fez foram justamente de avaliar as periferias, as favelas, olhando essa cor, essa raça, o gênero.”

Ao falar sobre a criação do grupo, Oliva expressa a importância da pesquisa para aprofundamento em algumas lacunas da área de estudo da geografia e do planejamento urbano. “Um desafio na geografia, hoje, é conseguir avaliar como os fenômenos sociais, os processos urbanos, têm acontecido na contemporaneidade, e a interseccionalidade vai dar para a gente uma análise mais aprofundada para avaliar a segregação urbana, a fragmentação, os processos de gentrificação e tantos outros assim.” 

Outra idealizadora do projeto e doutoranda em Geografia, Latifa Filetto, cita a filósofa Judith Butler ao mencionar o dilema das ‘vidas que importam’, evidenciando como a pesquisa possibilita a visibilidade e reconhecimento das mulheres negras na sociedade. “Uma mulher negra que está na cidade começa a se sentir materializada, porque têm muitas resistências que acabam sendo invisibilizadas pelo fato de que elas não se sentem importantes, não se sentem vivíveis”.

Filetto já era familiarizada com a interseccionalidade por abordar a perspectiva em seu projeto de mestrado e compartilha seus pensamentos sobre o grupo de pesquisa: “Quando a gente pensou no projeto, a gente não tinha a dimensão do quão grandioso ele era, porque todo mundo que ouve falar se interessa, acha muito legal. Porque parece que todo mundo pensa na necessidade de falar sobre isso, mas ninguém executa, né?”. 

Compreendendo a abrangência e a profundidade do tema a ser pesquisado e discutido, os idealizadores, juntamente com o professor orientador da pesquisa Hélio Carlos Miranda de Oliveira, separaram seus encontros em dois propósitos diferentes. A fim de integrar todas as necessidades reconhecidas para o desenvolvimento da pesquisa, o grupo se encontra para elaborar a pesquisa e para estudar autores e conceitos referentes à interseccionalidade e ao urbanismo. A pesquisa é estabelecida a partir de questionamentos iniciais que os pesquisadores desejam responder, porém, ao longo do processo, Filetto diz que cada vez mais dúvidas surgem e que é exatamente isso que movimenta a ciência. 

 

Como é uma reunião do grupo

Na sexta-feira (11/7), o grupo de pesquisa se reuniu durante o período da tarde para analisar alguns dados do censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e construir o recorte com que pretendem trabalhar. A principal questão discutida nesta reunião foi o recorte das áreas físicas, ou seja, se o grupo pretendia trabalhar utilizando os dados por bairros ou por áreas setoriais. Diversos fatores foram considerados durante o debate, como a divisão dos setores, que contemplavam 400 domicílios cada e que não necessariamente acompanham a divisão dos bairros; os dados mais complexos do censo do IBGE que foram disponibilizados para apenas alguns bairros; a generalização de vivências e dados pela leitura por bairro, que não conceitua o espaço inteiro e suas variações; e os dados por áreas setoriais que ainda não foram liberados. Após um debate pontual, o grupo definiu trabalhar com os dados por setores.

Em seguida, uma questão levantada por uma das pesquisadoras deu início a uma conversa com o propósito de centralizar o intuito da pesquisa, porque os dados do censo do IBGE são todos autodeclaratórios. Como a pesquisa não é sobre heteroidentificação, esses devem ser considerados “ao pé da letra”, sem considerar possíveis equívocos, como ‘pessoas pretas que não se consideram pretas’ e ‘pessoas brancas que não se consideram brancas’.

Os pesquisadores, após avaliarem todos os dados disponíveis do IBGE que “conversavam” com o tema da pesquisa, decidiram analisar as variáveis entre o censo de 2010 e o censo de 2022, inicialmente trabalhando com a observação da mobilidade preta e parda na cidade de Uberlândia. O professor orientador comentou a decisão de analisar e comparar essa grande quantidade de dados, que podem não ser o que o grupo procura: “apenas vamos saber se a análise nos interessa depois de conhecê-la”.

Definido este primeiro recorte, os doutorandos começaram a desenvolver um mapa para facilitar a visualização dessa movimentação. A pesquisadora Luara Oliva tratou os dados do censo e configurou-os em seu computador para construir dois mapas capazes de fomentar os questionamentos sobre essa mobilidade da população preta e parda e as desigualdades socioespaciais vividas por eles.

 

Mapas desenvolvidos durante a reunião do grupo de pesquisa na sexta-feira (11/7) com os dados do censo de 2022 do IBGE. (Arquivo: Luara Martins Oliva - 2025)
Mapas desenvolvidos durante a reunião do grupo de pesquisa na sexta-feira (11/7) com os dados do censo de 2022 do IBGE. (Arquivo: Luara Martins Oliva - 2025)

 

O Mapa 1 e o Mapa 2 mostram os domicílios de responsabilidade de homens pretos, homens pardos, mulheres pretas e mulheres pardas, respectivamente. Os pesquisadores perceberam que os setores mais avermelhados no mapa — setores com a maior quantidade de domicílios de responsabilidade de pessoas pretas e pardas — localizavam-se em áreas periféricas e de qualidade de vida reduzida, em comparação com os setores brancos — em que nenhuma pessoa responsável por moradias se autodeclarou preta ou parda. Essas concepções possibilitadas pelos mapas conduziram mais questionamentos a respeito da desigualdade socioespacial vivida pelas pessoas autodeclaradas pretas e pardas, principalmente ao utilizar da análise interseccional para pensar nas condições experienciadas pelas mulheres pretas e pardas.

Filetto destaca como a produção desses infográficos na geografia facilita a compreensão da população sobre dados mais complexos e fortalece o impacto da informação.  “Como é importante falar o óbvio. Parece claro, as mulheres negras moram na periferia da cidade. Mas, então, quando você vê isso ilustrado, quando você vê o que é a experiência da periferia, o que tem dentro dessa experiência? O que torna isso específico, torna importante de ser estudado?”. 

 

Importância da pesquisa para a sociedade

A importância da pesquisa é reafirmada e articulada pelas mulheres negras que idealizaram o grupo. Oliva afirma que “a produção de diagnósticos a partir da pesquisa poderá ser utilizada para proposição de políticas públicas no contexto da cidade, e inclusive na própria universidade, para incentivar que mais trabalhos tenham esse viés interseccional". É importante entender quem são os sujeitos que ocupam determinadas localidades da cidade e por que eles ocupam essas localidades”. A pesquisa vai além da análise e pode agregar diversas áreas do conhecimento e da construção social, gerando impacto municipal e acadêmico.

“Sobre as áreas periféricas onde estão mulheres negras, a gente percebe cada vez mais que não são áreas de preocupação da geografia e o que a gente tem mobilizado é isso, procurar formas de buscar esses espaços que são invisíveis e torná-los visíveis da forma que a gente consegue.” Filetto destaca como a perspectiva da interseccionalidade permite que os estudos sobre o planejamento urbano contemplem verdadeiramente as desigualdades socioespaciais contemporâneas.

 

A iniciativa se destaca pela pesquisa mútua e pela cooperação geral entre os participantes. (Foto: Samantha Alves)
A iniciativa se destaca pela pesquisa mútua e pela cooperação geral entre os participantes. (Foto: Samantha Alves)

 

O grupo se reúne toda sexta-feira, a partir das 14h, no Bloco 1H do Campus Santa Mônica. Em algumas sextas-feiras, a reunião é do grupo de estudos, que se aprofunda na parte empírica do tema e é aberta para participação geral de interessados. Nas sexta-feiras seguintes, a reunião é do grupo de pesquisa, que costuma ser frequentada pelos pesquisadores para desenvolver o projeto proposto. Para participar do grupo de pesquisa é necessário participar do grupo de estudos.

 

Mais informações sobre a pesquisa podem ser encontradas no Portal de Eventos da UFU.

 

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Palavras-chave: Geografia IGBE Mulheres planejamento urbano

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