Pular para o conteúdo principal
Leia Cientistas

Medindo o invisível

Como usar um 'ruído' para medir a largura de um feixe de laser menor que um pixel

Publicado em 19/09/2025 às 10:39 - Atualizado em 30/09/2025 às 07:42

Speckle é o padrão de pontos brilhantes e escuros, com aparência granulada, que surge ao se apontar uma caneta laser para uma parede ou superfície irregular. (Imagem: Freepik)

 

Você já parou para pensar no tamanho de um feixe de laser? Nós os  encontramos em todos os lugares: nos leitores de código de barras, em cirurgias médicas e nas telecomunicações. Em muitas dessas tecnologias, o sucesso  depende do quão estreito e preciso esse feixe de luz consegue ser. No meu Trabalho de Conclusão de Curso em Física de Materiais na Universidade Federal de Uberlândia (UFU), mergulhei exatamente nesse desafio: como medir algo tão pequeno, como o feixe de laser, com extrema precisão? 

Os métodos tradicionais para medir a largura de um feixe de laser, como usar câmeras ou dispositivos que "fatiam" o feixe, enfrentam um grande obstáculo.  Imagine tentar medir a espessura de um fio de cabelo usando uma régua com  marcações apenas em centímetros. É quase impossível. Da mesma forma, quando um feixe de laser é mais estreito que o tamanho de um único pixel do sensor da  câmera, a medição direta se torna inviável. Além disso, sistemas que usam partes mecânicas para fazer a medição podem sofrer com vibrações e desalinhamentos. 

E então vem a solução que nasceu de um fenômeno que pode parecer, à  primeira vista, um mero "ruído" óptico: o laser speckle. Sabe aquele padrão de  pontos brilhantes e escuros, com aparência granulada, que surge quando você  aponta uma caneta laser para uma parede ou superfície irregular? Aquilo é o  speckle. Embora seja aleatório, esse padrão carrega informações valiosíssimas  sobre o feixe de luz que o criou.

 

Padrão laser speckle
Este é o padrão laser speckle. O que parece ser apenas um conjunto aleatório de manchas de luz, na verdade, carrega a informação precisa sobre o feixe de laser que o criou

 

Durante minha pesquisa, sob orientação do professor Gustavo Foresto Brito de Almeida, do Instituto de Física da UFU, explorei uma relação fascinante: quanto menor a largura do feixe de laser ao atingir uma superfície difusora (como uma fita mágica),  maiores se tornam os "grãos" de luz (regiões claras) no padrão speckle resultante. A partir dessa relação inversa, desenvolvemos um método completamente novo de medida da largura de feixes laser utilizando esse tipo de imagem produzida por ele. 

A montagem é relativamente simples: um laser, uma superfície difusora e  uma câmera. Ao invés de tentar fotografar o feixe incidindo diretamente no sensor da câmera, nós capturamos o padrão speckle que ele gera ao ser espalhado pela superfície difusora. Depois, com a ajuda de um software que desenvolvemos, analisamos o tamanho médio desses grãos de luz na imagem. Usando uma equação que relaciona o tamanho do grão à largura do feixe, conseguimos então calcular a medida com altíssima precisão. 

E os resultados foram animadores. Para validar o método, comparamos nossas medições com as de técnicas tradicionais e os valores foram praticamente idênticos. O verdadeiro salto veio quando testamos o sistema com um feixe extremamente focalizado por uma lente de microscópio objetiva com ampliação de 40x. Conseguimos medir uma largura (diâmetro) de feixe de apenas (3.74±0.04) micrômetros. Para se ter uma ideia, isso é quase 40 vezes mais estreito que um fio de cabelo.

 

Gráfico
A curva em 'V' mostra o feixe de laser sendo focalizado até o menor tamanho que ele poderia assumir. O ponto mais baixo da curva representa nossa medição de (1.87±0.02) micrômetros – um valor menor que um valor menor que um único pixel da câmera

 

O mais impressionante é que o pixel da câmera que usamos tem 4,8  micrômetros de lado. Ou seja, o método permitiu medir com precisão um feixe de luz que era menor que um único ponto do sensor, superando uma barreira  fundamental das técnicas de imagem direta. Além disso, como o sistema é estático e não possui partes móveis, ele é mais estável e preciso. 

Essa capacidade de medir feixes tão pequenos abre portas para avanços em diversas áreas. Pense em micro usinagem a laser para fabricar circuitos eletrônicos  ainda menores, no desenvolvimento de "pinças ópticas" capazes de manipular células individuais para pesquisa biomédica, ou na criação de microscópios com resolução ainda maior. 

A ciência é feita de passos como este: olhar para algo considerado como um "problema", como o espalhamento de luz laser que dá origem ao padrão speckle, e enxergá-lo como uma solução. 

Fico feliz em compartilhar que, além do meu trabalho com o professor Gustavo Almeida ter sido publicado na  revista científica Optics and Lasers in Engineering, o potencial desta técnica levou  ao seu depósito de patente junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial  (INPI), sob o registro BR 10 2025 002088 2. Essa é mais uma prova de que a pesquisa  desenvolvida aqui na UFU tem o poder de gerar inovação e romper fronteiras tecnológicas, sendo reconhecida pela comunidade científica internacional. 

 

*Erasmo Carlos Bessa Junior é bacharel em Física de Materiais pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e mestrando em Física no Instituto de Física/UFU.  Desenvolveu esta pesquisa durante a graduação, com foco em metrologia óptica e processamento de imagens. Instagram: @erasmocbjr.


 

A seção "Leia Cientistas" reúne textos de divulgação científica escritos por pesquisadores da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). São produzidos por professores, técnicos e/ou estudantes de diferentes áreas do conhecimento. A publicação é feita pela Divisão de Divulgação Científica da Diretoria de Comunicação Social (Dirco/UFU), mas os textos são de responsabilidade do(s) autor(es) e não representam, necessariamente, a opinião da UFU e/ou da Dirco. Quer enviar seu texto? Acesse: www.comunica.ufu.br/divulgacao. Se você já enviou o seu texto, aguarde que ele deve ser publicado nos próximos dias.

 

* Defendeu TCC agora? Divulgue sua pesquisa na seção ‘Leia Cientistas’

 

Política de uso: A reprodução de textos, fotografias e outros conteúdos publicados pela Diretoria de Comunicação Social da Universidade Federal de Uberlândia (Dirco/UFU) é livre; porém, solicitamos que seja(m) citado(s) o(s) autor(es) e o Portal Comunica UFU.

 

Palavras-chave: Laser Divulgação Científica Ciência

A11y