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Ciência

7 fatos que precisamos saber sobre a hanseníase neste século

Médica da UFU explica como mitos em torno da doença atrapalham diagnóstico precoce

Publicado em 10/01/2020 às 13:35 - Atualizado em 22/08/2023 às 16:52

 

Estamos no “Janeiro Roxo”, mês de conscientização sobre a hanseníase, uma das doenças mais antigas do mundo e rodeada de mitos sem sentido para a ciência em 2020. Mas o Brasil é o segundo país com mais casos de hanseníase no mundo, atrás apenas da Índia, o que significa que precisamos falar sobre essa doença. Um dos seis centros de referência nacional é sediado na Universidade Federal de Uberlândia (UFU), tem 20 anos de atuação e nos ajuda a entender a hanseníase.

 

1. A hanseníase é uma doença de nervos

O Mycobacterium leprae danifica os nervos periféricos. (Foto: Alexandre Santos)

“A bactéria que causa hanseníase [Mycobacterium leprae] gosta do nervo periférico. Não do sistema nervoso central. Não leva à convulsão, nem à dor de cabeça, nem ao acidente vascular cerebral (AVC), que as pessoas chamam de derrame. É do sistema nervoso periférico, que inerva vasos, glândulas, pelos, bem como nervo sensitivo e motor”, explica a médica Isabela Maria Bernardes Goulart, que é professora da Faculdade de Medicina (Famed/UFU) e coordenadora do Centro de Referência Nacional em Dermatologia Sanitária e Hanseníase do Hospital de Clínicas de Uberlândia (Credesh/HCU/UFU). 

 

2. Os sintomas podem variar muito e nem sempre são manchas

Palpação do nervo fibular superficial e sural. (Fotos: Arquivo da pesquisadora)

Pode ser uma parte da pele que deixa de suar, fica muito seca ou o pelo pode diminuir ou cair. Ou pode haver uma mudança na sensibilidade: dormência, formigamento ou sensação de coceira. Algumas pessoas têm mancha, outras não. “Já tive pacientes que tiraram a calça no provador de roupa porque estavam com formigamento no joelho e achavam que tinha formiga andando na perna. Outros chegavam para mim e diziam que tinha bichinho andando no rosto”, conta Goulart. “Uma vez um tratorista chegou e me disse: ‘olha, doutora, eu suo minha perna inteira quando estou dirigindo, mas nessa área não gruda o pó da poeira’. Isso pode ser hanseníase. A população tem que estar atenta. Divulga-se que a hanseníase é só dormência, ausência de dor e/ou coceira. Isso não é verdade! Quando a dor nas pernas está relacionada a um problema de varizes, a pessoa refere melhora ao deitar-se. Quando a dor é de nervo periférico, mesmo no repouso, o paciente refere dor nas pernas, sensação de queimação, que o leva inclusive a querer colocar gelo nessa área ou tomar banho gelado”. 

 

3. Diagnóstico de hanseníase depende de atenção profissional

Professora Isabela Goulart coordena o Credesh/HCU/UFU. (Foto: Alexandre Santos)

A hanseníase não é uma doença apenas da dermatologia, mas sim de várias especialidades médicas, como a clínica médica, infectologia, neurologia, reumatologia, medicina da família e comunidade, e outras especialidades, como otorrinolaringologia, oftalmologia e ortopedia. A médica da UFU exemplifica que uma obstrução nasal crônica com mau cheiro comumente é tratada como sinusite, mas, caso haja dormência, pode ser hanseníase. “Tem que fazer uma história e anamnese bem feitas. Só o médico com visão mais holística, que tem consciência que a hanseníase é um agravo endêmico e sabe da necessidade de uma escuta e uma investigação mais aprofundada das queixas dos pacientes, é que consegue fazer uma suspeita ou fechar um diagnóstico precoce da hanseníase”, diz. Quem tiver algum sintoma deve procurar o serviço de saúde mais próximo da sua casa e fazer o exame clínico, com palpação de nervos, observação da pele e testes de sensibilidade. Caso o médico suspeite de hanseníase e não tenha à disposição exames e medicamentos, deve encaminhar o paciente para centros de referência municipais, estaduais ou como o Credesh, onde são feitos outros exames, como biópsia, baciloscopia e eletroneuromiografia. 

 

4. Pessoas com hanseníase convivem normalmente em sociedade

O tratamento, como feito no Credesh, evita transmissão. (Foto: Marco Cavalcanti)

Uma mulher com hanseníase pode amamentar seu filho, desde que ela esteja em tratamento contra a doença. “A gente fica pensando que hanseníase não está na comunidade, que está distante de nós, que só acontece com os outros, e isso não é verdade! A hanseníase, por ser uma doença infecciosa causada por uma bactéria, pode acometer qualquer pessoa, adulto ou criança. Eu atendo várias pessoas trabalhando em vários lugares e tratando de hanseníase”, diz Goulart, que trabalha com essa especialidade há 35 anos. A médica lembra que a política de isolamento compulsório indiscriminado, adotada nos anos 1930, provou-se totalmente ineficiente e só fez aumentar o número de casos. “Para conseguirmos um mundo sem hanseníase, precisamos descortinar, isto é, discutir, informar, enfrentar, olhar com carinho e cuidado, para fazer diagnóstico precoce”, defende. A transmissão do bacilo acontece principalmente por vias respiratórias, porém, a maioria da população tem resistência parcial e nem todas as formas clínicas transmitem, apenas as mais graves - que chegaram a esse ponto justamente por falta de diagnóstico oportuno e tratamento. As crianças, em geral, não deveriam adoecer, pois a hanseníase tem um tempo de incubação longo e, se elas adoecem, é porque existe um caso próximo a elas transmitindo desde a primeira infância.

 

5. Quem tem hanseníase precisa contar para a família

Os contatos familiares fazem exames e aprendem sobre a doença. (Foto: Freepik)

O programa de controle da hanseníase é voltado também para os familiares do paciente, que são chamados de contatos. Para fechar a cadeia de transmissão, é necessário colocar as pessoas que conviveram com o doente antes do tratamento em um programa de vigilância anual por no mínimo cinco anos, pois, por ser contato, as chances de adoecer aumentam. “Portanto, esse é o nosso grupo de risco, os contatos familiares do portador de hanseníase, que no Credesh fazem exames clínicos minuciosos, sorologia para detectar anticorpos contra o bacilo da hanseníase e, se necessário, passam por exames dos nervos, tais como eletroneuromiografia e ultrassonografia, além de testes moleculares para detecção de DNA do bacilo em pele. Nesse período vamos estreitando os laços com a família, eliminando preconceitos, reforçando novos conceitos e educando para a hanseníase visando ao diagnóstico precoce”, relata Goulart.

 

6. Pacientes com deformidades por hanseníase são cada vez mais raros

Apenas os casos sem tratamento evoluem para formas mais graves multibacilares, que deixam sequelas como garras de mãos, pés caídos, paralisia facial, úlceras em pernas e pés, e podem atingir órgãos internos. “Infelizmente, apesar de todos os esforços de capacitação de profissionais, ainda temos mais de 10% de casos novos com sequelas decorrentes da dificuldade em obter o diagnóstico de hanseníase na rede de saúde e da falta de informação sobre o que é hanseníase, uma vez que essa doença não tem sido prioridade nas diversas gestões de saúde e não é colocada em evidência pela imprensa”, lamenta a coordenadora do Credesh. 

 

7. A hanseníase pode ter cura

Esquemas de poliquimioterapia. (Imagem: Arquivo da pesquisadora)

“Com a poliquimioterapia - PQT (rifampicina, dapsona e clofazimina), o tratamento que hoje existe, a maioria dos pacientes se cura dentro do tempo previsto de seis meses, 12 meses, até 24 meses. Alguns pacientes vão precisar de tratamento por um tempo maior e, às vezes, até de outras drogas já disponíveis, como ofloxacina e minociclina. Essa bactéria (M. leprae) quer sobreviver a qualquer custo e, por isso, está ficando resistente, como está acontecendo com a bactéria que causa tuberculose”, afirma Goulart. O tratamento feito com antibióticos da PQT é fornecido gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Mas, segundo a professora da UFU, o Ministério da Saúde precisa liberar novas drogas para tratar o bacilo de Hansen, tais como claritromicina, moxifloxacina e levofloxacina.

 

Extra: uma notícia ruim e uma boa para Uberlândia e região

A notícia ruim é que a hanseníase é uma doença endêmica na nossa região. Em 2019 foram notificados 210 casos. Desses, oito foram em menores de 15 anos, indicador sentinela que mostra que a endemia ainda está recente e ativa por aqui. A boa notícia é que a região conta com o Credesh, órgão ligado ao Hospital de Clínicas de Uberlândia (HCU/UFU) e que é referência para quatro Superintendências Regionais de Saúde - Uberlândia, Uberaba, Ituiutaba e Patos de Minas -, referência estadual para Minas Gerais e nacional. Atualmente, o Credesh tem 41 profissionais de diferentes áreas e atende 85 municípios pactuados pelo SUS. Para mais informações sobre o Credesh, ligue (34) 3229-1311 ou 3239-1312, envie e-mail para credesh@hc.ufu.br ou acesse www.credesh.ufu.br.

 

Participe da Semana Mundial de Luta contra o preconceito pela Hanseníase: www.eventos.ufu.br/janeiroroxo2020

 

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Palavras-chave: Medicina Hanseníase saúde Ciência Divulgação Científica Janeiro Roxo

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