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Ciência

Método da UFU que detecta câncer de mama pelo sangue é patenteado e publicado em periódico internacional

Leia a entrevista das pesquisadoras do grupo Bionut para o Comunica UFU

Publicado em 20/10/2022 às 12:42 - Atualizado em 22/08/2023 às 16:39

 

Alinne Silva explica como citômetro de fluxo identifica a presença ou a ausência de células tumorais circulantes. (Foto: Milton Santos)

Uma equipe de cientistas da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) trabalha, há mais de uma década, na investigação de biomarcadores presentes no sangue que podem trazer novas respostas sobre o câncer de mama. A principal delas é a descoberta da doença ainda no seu início, a tempo de evitar a metástase, que é quando as células cancerígenas atingem outras partes do corpo.

Esse diagnóstico precoce é possível por meio da biópsia líquida, desenvolvida na UFU. De forma menos invasiva que em outros exames, nessa biópsia líquida, o sangue é coletado e passa por uma centrífuga que separa as suas partes. Depois, as pesquisadoras observam as células separadas em um citômetro de fluxo para identificar a presença ou a ausência de células tumorais. 

O estudo é orientado pela professora Yara Cristina de Paiva Maia, coordenadora do Grupo de Pesquisa em Biologia Molecular e Nutrição (Bionut), e foi coorientado pelo professor Luiz Ricardo Goulart Filho, que faleceu há um ano. Também integram a equipe as biomédicas Alinne Tatiane Faria Silva, pós-doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde (PPGCSaúde); Letícia Lopes Dantas Santos, doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Genética e Bioquímica (PPGGB); e Izabella Cristina Costa Ferreira, doutoranda no PPGCSaúde; a enfermeira Lara de Andrade Marques, doutoranda no PPGCSaúde; e a graduanda Emanuelle Lorrayne Ferreira, do curso de Biotecnologia e do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação (Pibiti).

O portal Comunica UFU entrevistou o grupo de pesquisadoras, que nos explicam o funcionamento da biópsia líquida e a expectativa de que esse exame chegue até o Sistema Único de Saúde (SUS). Confira.

 

Durante o "Outubro Rosa", muito se fala sobre a importância das pessoas observarem suas mamas e fazerem o autoexame. Mas vocês, cientistas que trabalham com o desenvolvimento de formas de detecção do câncer, expliquem, por favor: quais exames são realmente eficazes para prevenir a doença, principalmente as formas mais graves?

Marques: A mamografia é um exame radiológico feito nas mamas. Possui alta resolução e fornece imagens detalhadas capazes de identificar precocemente o câncer de mama, antes mesmo que a mulher tenha sintomas. O Ministério da Saúde recomenda que mulheres entre 50 e 69 anos façam o exame a cada dois anos. Essa periodicidade deve ser avaliada pelo médico responsável por cada caso, analisando se há histórico familiar ou alguma outra especificidade.

O ultrassom das mamas é um exame de imagem que permite detectar lesões presentes nas mamas, especialmente nas mamas mais jovens e densas. Com o exame é possível visualizar nódulos, cistos, secreções nos mamilos, espessamento do tecido mamário e outras alterações. Esse exame é recomendado especialmente para mulheres jovens e gestantes, e como exame complementar a mamografia.

O exame clínico das mamas é aquele realizado por um profissional de saúde treinado e autorizado para avaliar as mamas. Pode ser um médico ou uma enfermeira, onde são utilizadas as técnicas de inspeção e palpação das mamas e linfonodos.

Já o autoexame das mamas é recomendado para que a mulher possa conhecer o seu corpo e conseguir identificar se algo está diferente do habitual. Não existe uma técnica específica. A mulher deve palpar as mamas em situações corriqueiras do dia a dia, como, por exemplo, no banho e ao acordar. Lembrando que o autoexame das mamas não substitui o exame clínico realizado por profissional capacitado e nem os exames de imagem (mamografia e ultrassonografia).

 

Agora, falando sobre a pesquisa de vocês: o que são as plataformas biotecnológicas para biópsia líquida do câncer de mama que vocês desenvolveram?

Silva: Sabemos que as células tumorais se separam do tumor e vão para a corrente sanguínea, mesmo no início da doença, e ainda não há um consenso de como identificar essas células. Assim, a plataforma biotecnológica é um novo método que utiliza técnicas, já amplamente utilizadas em diversas pesquisas na área da saúde, com o foco na descoberta de marcadores de células tumorais, com o objetivo de melhorar o diagnóstico e o tratamento do câncer de mama, o que possibilitará a diminuição da mortalidade e morbidade das mulheres acometidas por essa doença.

 

Quais as vantagens desse novo tipo de biópsia? 

Silva: As vantagens desse novo tipo de biópsia é que ela é realizada através da coleta do sangue, tornando-a muito mais rápida e menos invasiva do que os procedimentos realizados atualmente para o diagnóstico. Além disso, possibilita acompanhar o tratamento em tempo real.

 

Como foram realizados os testes?

Maia: Após a coleta do sangue das mulheres, esse sangue era centrifugado, processo que separa as suas partes. Adicionavam-se reagentes que marcavam as proteínas nas células tumorais e essas células eram contadas e identificadas em um equipamento denominado citômetro de fluxo. Dessa forma, é possível identificar a presença ou ausência de células tumorais através de um conjunto específico de proteínas, o que chamamos de painel de marcadores. Com esse método conseguimos classificar corretamente (acima de 80%) as mulheres que não apresentavam alterações na mama, mulheres diagnosticadas com doença benigna da mama e mulheres diagnosticadas com câncer de mama. Além disso, conseguimos classificar aquelas que passaram pelo tratamento e aquelas que não haviam recebido tratamento ainda. O estudo foi desenvolvido no Laboratório de Nanobiotecnologia Prof. Luiz Ricardo Goulart Filho da UFU e os testes foram realizados em pacientes do ambulatório de Mastologia do Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia (HC-UFU), sob gestão da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh).

Laboratório de Nanobiotecnologia, onde são feitos os testes, recebe nome em homenagem ao cientista Luiz Ricardo Goulart Filho. (Foto: Milton Santos)

 

Contem um pouco sobre o processo da pesquisa: quando começou e quem esteve envolvido?  Quais as fontes de financiamento?

Maia: O estudo começou no meu doutorado, em 2007, com a avaliação de biomarcadores para o câncer de mama. Biomarcadores são indicadores moleculares que medem a severidade ou presença de alguma doença. Em 2012, já como professora da UFU, eu comecei a orientar a Alinne [Silva] na iniciação científica e ela persistiu com a mesma linha no mestrado e doutorado. O estudo foi desenvolvido no HC-UFU. As amostras de sangue e tecidos de pacientes com doença benigna da mama ou com câncer de mama submetidos ou não à quimioterapia foram coletadas nestes últimos 10 anos. Hoje temos um método para o diagnóstico e o monitoramento do tratamento de pacientes com câncer de mama, baseados na presença ou ausência das proteínas que encontramos nos nossos estudos, que ainda se encontram em fase de validação. Temos parcerias nacionais e internacionais. Temos financiamento do Universal Fapemig, Universal CNPq e Capes (bolsa de mestrado e doutorado). O grupo que hoje está envolvido com o projeto e que estão aqui conosco hoje: Alinne Silva, Letícia Santos, Izabella Ferreira, Lara Marques e Emanuelle Ferreira. Agradecemos a todas as pacientes que aceitaram participar da pesquisa. Agradecemos o trabalho da equipe BioNut, composta por uma equipe multiprofissional.

 

Qual a importância dessa pesquisa para a ciência e para a sociedade?

Ferreira: Os biomarcadores tumorais circulantes, que são referidos como “biópsia líquida”, têm grande importância no rastreamento precoce e não-invasivo do câncer. A pesquisa pode possibilitar, então, a detecção do câncer de mama em estadiamentos iniciais e sem causar dor à paciente. Além disso, permitiria acompanhar a doença em tempo real, para avaliar, por exemplo, a progressão tumoral ou resposta ao tratamento. Tudo isso por um método menos invasivo e sem a dor de uma biópsia convencional, garantindo maior qualidade de vida para as mulheres. Portanto, essa pesquisa traz uma ferramenta inovadora adicional que pode ser acrescentada no acompanhamento da paciente e na rotina clínica.

 

Vocês já têm algumas conquistas que validam o sucesso da pesquisa. Falem sobre as publicações, a patente...

Maia: Em 22 de dezembro de 2020, foi depositada a patente “Método, Painel e Kit para o Diagnóstico e Monitoramento do Tratamento de Pacientes com Câncer de Mama” no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) e, em 05 de julho de 2022, o pedido de patente foi publicado nacionalmente. No dia 10 de outubro de 2022, publicamos o artigo “A Novel Detection Method of Breast Cancer through a Simple Panel of Biomarkers” no periódico científico International Journal of Molecular Sciences, na seção especial de biópsia líquida. Esse periódico é de acesso aberto e possui um alto fator de impacto (6.2). Participaram do estudo um total de 110 mulheres.

 

O que deve acontecer a partir de agora?

Maia: As nossas pesquisas continuam, com alunos investigando outros biomarcadores na corrente sanguínea. Nosso grupo de pesquisa Biologia Molecular e Nutrição (BioNut) é multiprofissional, pois é importante que a pesquisa sobre uma doença tão complexa como o câncer de mama abranja muitos aspectos, como clínicos, nutricionais e moleculares.

No nosso Hospital de Clínicas, quando uma mulher é indicada para biópsia por suspeita de câncer de mama, pode ser incluída em nossa pesquisa. Assim, caso aceite participar, será acompanhada ao longo do tratamento em momentos-chave, como antes e após cirurgias. Além disso, para os casos com estadiamento mais avançado, temos o acompanhamento das pacientes inseridas no programa de cuidados paliativos do Hospital do Câncer [Setor de Oncologia do HC-UFU].

Atualmente, estamos avaliando o sangue de pacientes em cuidados paliativos (casos avançados) e pacientes que acabaram de ter diagnóstico de câncer em estadiamento inicial (casos iniciais), comparando e observando as diferenças moleculares.

Nosso plano para o futuro é construirmos, com a Faculdade de Computação (Facom/UFU), um software que auxilie a equipe médica na tomada de decisões e avaliação do prognóstico para pacientes com câncer avançado.

 

Existe alguma previsão de que o teste chegue até a população no Sistema Único de Saúde (SUS)?

Maia: Desejamos que o teste chegue o quanto antes para a população. Porém, há um caminho a ser seguido para que isso aconteça. Atualmente, contamos com a parceria de uma empresa e estamos em fase de validação dos dados (confirmação dos resultados em um número maior de pacientes). A seguir, solicitaremos autorização das agências reguladoras para incluir a metodologia na prática clínica e poder, futuramente, ser distribuída no Sistema Único de Saúde (SUS).

 

Yara Maia, Alinne Silva, Lara Marques, Letícia Santos, Emanuelle Ferreira e Izabella Ferreira são pesquisadoras Bionut. (Foto: Milton Santos)


 

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Palavras-chave: Ciência câncer Câncer de mama Outubro Rosa

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