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Luto

Uberlândia perde Cora Pavan Capparelli

Precursora do ensino superior dos cursos de Música e Artes Plásticas no maior município do interior de Minas Gerais faleceu na madrugada desta sexta-feira, aos 95 anos, por complicações decorrentes da Covid-19

Publicado em 12/03/2021 às 13:22 - Atualizado em 22/08/2023 às 20:26

 

Foto do documentário 'Tons de Cora'. (Arquivo pessoal)

Difícil a pauta que me foi dada nesta sexta-feira, 12 de março de 2021: falar sobre a partida de alguém tão especial. Confesso que estou cumprindo a tarefa com dificuldades. Como eu, enquanto jornalista, gostaria de descrever aqui um pouco da delicadeza e firmeza que sempre foram marcas de Cora Pavan Capparelli. Dentre os depoimentos que colhi durante esta manhã, um me tocou profundamente, o de Edmar Ferreti, regente do Coral da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Extremamente emocionada, ela se referiu a Cora como "alguém que começou a célula da música em Uberlândia”.

'Foi uma perda irreparável. Foi a pessoa que implantou a música nesta cidade. Eu estou muito triste. Ela iniciou tudo. O próprio Conservatório de Música nasceu na casa dela; foi assim que ele começou' - Edmar Ferreti, regente do Coral da UFU

 

Despertar da música

Pudera eu, nesta matéria, ter a sensibilidade necessária para narrar a história desta mulher e descrever o amor que ela tinha pela música. Um mundo que ela começou a conhecer logo aos sete anos de idade. “Foi dentro da minha família (...) as pessoas cultivavam muito a música e eu comecei a conviver com nossos  parentes, principalmente, do meu lado paterno. Muitos eram musicistas profissionais ou apenas por diletantismo e eu me senti envolvida com a música e falei com meus pais que queria estudar e aprender a tocar piano. Foram anos e anos de muito trabalho e dedicação”  - trecho retirado da entrevista concedida ao programa "UFU no Plural", exibido pela TV Universitária no dia 28 de maio de 2014.

Imagem de arquivo do programa 'UFU no Plural', exibido pela TVU

Para caminhar pelo seu sonho, Cora  teve que enfrentar, ainda nova, algumas resistências: “Os meus pais chegaram a ter dúvidas se eu aprenderia ou não, porque uma professora falava que eu nunca ia aprender a tocar e eu pedi ao meu pai que não me tirasse das aulas. Eu queria estudar e sempre me dediquei, sempre gostei muito e nunca parei, até hoje”, disse ela à jornalista Frinéia Chaves, a então apresentadora do referido programa.

 

Ir para os grandes centros

E o sonho não parava aqui. Cora queria mais; estudar nos grandes centros. “Tive que fazer uma porção de acordos com meu pai para que ele me concedesse a oportunidade de ir para São Paulo. Estudei muitos anos, me dedicando muito, porque fiz o curso completo de piano e canto, no Curso Dramático e Musical de São Paulo, uma escola muito respeitada”, lembrou, durante a entrevista. E ela conseguiu: foi a primeira mulher diplomada nessa área em Uberlândia, introduzindo as notas que protagonizaram a formação da música na cidade.

'Nunca fui uma artista porque minha vocação se encaminhou para o ensino. Eu sempre quis ensinar as pessoas a tocar. Então, eu consegui realizar esse desejo meu' - Cora Pavam Capparelli - (Foto: Arquivo pessoal)

De volta ao Triângulo Mineiro, começou a lecionar. “Eu sabia que não queria ser uma pessoa que tocasse para mim e amigos. Eu quis ser, na realidade, uma professora que ensinasse, porque eu tinha tido oportunidade de ir para São Paulo e me formar”, contou, em outro trecho da entrevista.

Mais uma imagem de uma das entrevistas concedidas à TV Universitária em maio de 2014

Ali nascia o Conservatório de Música da Cidade. O ano era 1957. “Logo que tive a opção de fazer a doação da escola para o Governo de Minas e, ao mesmo tempo, preparava o projeto de educação do curso superior, que já estavam funcionando em 1961, os cursos de música do conservatório já estavam reconhecidos. Eu consegui fazer a doação em 1969 - em menos de cinco meses eu me preparei para criar a Faculdade de Artes, que já começou com a oportunidade de ser integrada à Universidade Federal de Uberlândia”, explicou a musicista, em mais uma entrevista concedida à TVU em maio de 2014.

Desta forma, Cora Pavan Capparelli é precursora do ensino superior de Música e Artes Plásticas, cursos que depois deram origem à Faculdade de Artes de Uberlândia. Cora era também incentivadora ativa das artes, trazendo para a cidade concertos e apresentações de artistas de renome nacional e internacional.

 

Referências de Cora na federalização da UFU

Em agosto de 2013, o jornalista Marden Rangel concluiu sua especialização em Docência na Educação Superior, pela Faculdade de Educação da Universidade Federal de Uberlândia (Faced/UFU). “Em meu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), intitulado ‘A formação da Universidade Federal de Uberlândia no contexto da história do ensino superior no Brasil’, analisei a criação do ensino superior no Brasil e em Uberlândia e a consequente federalização da UFU", comenta.

De acordo com Rangel, “Dona Cora Pavan Capparelli teve uma importância imensurável na educação, nas artes, na cultura e na história de nossa cidade; ela foi vanguardista, ao fazer parte de um seleto grupo de pessoas que se empenhou em tornar Uberlândia uma referência em tais áreas”.

Ele ressalta que uma das primeiras empreitadas no sentido de Uberlândia oferecer ensino superior foi a criação do Conservatório Musical, por Cora Pavan Capparelli. “Ela fundou o Conservatório como a primeira escola superior de Uberlândia, porque foi uma escola já autorizada pelo Ministério da Educação e que funcionou a partir de 13 de julho de 1957”. Conforme pesquisas realizadas pelo jornalista, “na época, várias dificuldades foram enfrentadas; inclusive, com a questão do Conservatório ser ou não uma escola de nível superior”. 

Rangel informa que a musicista relatou a ele que diversas pessoas influentes se juntaram nesta empreitada, tais como o maestro Camargo Guarnieri. "Em 1975, o reconhecimento ocorreu e o Conservatório, fundado em 1957, foi declarado como a primeira escola de nível superior fundada em Uberlândia", sublinha.

Visita do ministro da Educação e Cultura Clóvis Salgado, em 1960. Da esquerda para a direita: Dr. Vittório Capparelli, Cora Pavan Capparelli, ministro Clóvis Salgado e esposa

No TCC do jornalista, ele mostra que "Dona Cora" - como a chama carinhosamente - foi fundadora e diretora da Faculdade de Artes de Uberlândia, uma das faculdades isoladas criadas na cidade nos anos de 1950 e 1960. “Rondon Pacheco, então chefe da Casa Civil, teve a ideia de fundar uma universidade reunindo as faculdades já existentes. Surgia então a Universidade de Uberlândia (UnU), criada pelo decreto-lei federal 762, de 14 de agosto de 1969, pelo presidente Costa e Silva. Se o documento era federal, a UnU se originou como uma instituição federal, neste caso, constituída por cinco instituições de ensino superior – Faculdade de Artes de Uberlândia; Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Uberlândia; Faculdade de Direito de Uberlândia; Faculdade de Ciências Econômicas de Uberlândia e Faculdade Federal de Engenharia de Uberlândia. Em seguida, foram incorporadas à UnU as faculdades de Odontologia, de Medicina Veterinária, de Educação Física e de Medicina e Cirurgia."

'Dona Cora Pavan Capparelli fez parte destas turmas heroicas. Com sua visão vanguardista, desempenhou fundamental importância para o desenvolvimento da educação, das artes e, de um modo geral, do desenvolvimento de Uberlândia e da região. Ao se despedir de nós, deixa-nos um legado de conquistas memoráveis e merecedor de nossa total admiração' - Marden Rangel, jornalista

 

Lançado em 2014, produzido pela Close Comunicação e assinado pela jornalista Nara Sbreebow, o vídeo-documentário “Tons de Cora” narra a fantástica história desta mulher tão marcante no maior município do interior de Minas Gerais - veja no canal da Prefeitura de Uberlândia no YouTube. Cora Pavan Capparelli faleceu aos 30 minutos desta sexta-feira (14/03). Ela lutava há aproximadamente duas semanas contra a Covid-19, em casa, e ficou internada por apenas três dias no Hospital Santa Genoveva. Faleceu aos 95 anos e deixa três filhos, oito netos e 11 bisnetos.

 

Depoimentos

'Dona Cora Pavan Capparelli permanecerá em nossos corações como referência da música em Uberlândia. Ela não mediu esforços para a implementação do hoje conhecido Conservatório Estadual de Música, que leva seu nome e que foi também o embrião do curso de Música da UFU. Frutos de um projeto pessoal que, aos poucos, se tornou um grande legado para a cultura em Uberlândia e região: o Conservatório é uma escola pública de Música que acolhe mais de 4 mil estudantes ao ano e o curso de Música da UFU oferece habilitações em 12 instrumentos, as formações em Canto e em Música Popular, além do Mestrado em Música. Dona Cora nos deixa em um momento extremamente doloroso e sua passagem se soma às mais de 270 mil mortes pela Covid-19 no Brasil. Fiquemos com a saudade e que saibamos usufruir dos frutos de seu legado.' - Alexandre Molina, diretor de Cultura e professor do curso de Dança da UFU

'Perdemos nesta data nossa querida Cora Pavan de Oliveira Capparelli, pioneira do curso de Música da UFU. Quando da fundação do Conservatório de Música, foi autorizado o funcionamento de um curso de Música, em nível superior, sendo o primeiro deste nível a funcionar na cidade. Dona Cora teve grande importância quando da junção das faculdades isoladas para a formação da Universidade de Uberlândia, o que propiciou, em maio de 1978, a criação da UFU. Ela era assídua nas atividades artísticas da UFU, tendo sido homenageada quando da celebração dos 50 e dos 60 anos do curso de Música. É importante ressaltar que a Dona Coral sempre foi uma pessoa de grande gentileza e sensibilidade no trato pessoal, possuidora de enorme talento musical, contribuindo, portanto, para a música, para as artes, para a cultura em nossa cidade e, certamente, em nossa universidade. Ficam registrados nossos sentimentos por esta perda, extensivos a toda a família.' - Valder Steffen, reitor

 

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Palavras-chave: Cora Pavan Capparelli morte luto homenagem

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