Publicado em 18/07/2023 às 16:11 - Atualizado em 22/12/2023 às 09:34
Antes de explorar este tema, é importante defini-lo, pois só fui me dar conta do que significava um mês antes de ter sido diagnosticado como portador deste transtorno. Confesso que antes disso eu só sabia o significado da sigla, evidenciando que este é um transtorno negligenciado e pouco conhecido, tanto pela sociedade quanto pela comunidade acadêmica, embora estima-se que mais de 2 milhões de brasileiros tenham o transtorno, segundo o Ministério da Saúde.
O TDAH é o Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade. É um distúrbio neurobiológico/psicossocial ligado a fatores genéticos, fisiológicos, sociais e vivenciais caracterizado por sintomas como falta de atenção, inquietação e impulsividade. Aparece na infância e pode acompanhar o indivíduo por toda a vida adulta em mais da metade dos casos. É um dos transtornos mais comuns em crianças e adolescentes e sua prevalência é de 3 a 5% das crianças, independente de fatores sociais e econômicos.
Os portadores de TDAH têm uma diminuição de atividade do sistema nervoso, principalmente na região frontal, e suas conexões com o resto do cérebro que, segundo algumas teorias, seria causada por problemas na captação de neurotransmissores como a dopamina e a noradrenalina, responsáveis pela transmissão de mensagens entre as células cerebrais.
Em crianças, há sinais como desatenção, distração, agitação incontrolável, ansiedade, impulsividade e tagarelice. Sintomas do TDAH podem ser facilmente confundidos como má criação, manha, ansiedade ou medo e, muitas vezes, a criança é tratada como inconveniente no meio social e em ambiente escolar, no qual também, devido à hiperatividade e dificuldade de concentração e compreensão das instruções, torna-se irritadiça e exibe um desempenho ruim quando comparado aos colegas de sala. A impulsividade pode ser perigosa, pois a criança pode fazer alguma coisa arriscada sem pensar nas consequências, demandando cuidado redobrado dos pais e responsáveis.
Como já foi mencionado, mais da metade das crianças (cerca de 60%) com TDAH também sofrem consequências na idade adulta, cujos sintomas são um pouco diferentes, mas é muito comum a hiperatividade, impulsividade, falta de foco e atenção, desorganização e procrastinação.
Isto tudo afeta a capacidade de planejamento, execução de tarefas, organização, manejo do tempo, memória de trabalho, regulação emocional, iniciação de tarefas e persistência. Nos adultos, esse comprometimento frequentemente aparece como dificuldade em terminar tarefas no prazo determinado, atrasos frequentes, esquecimento de tarefas planejadas, falta de foco, etc. Muitas vezes, são considerados como “preguiçosos”, “desinteressados”, “desleixados” e tudo isso os afeta quanto à autoconfiança e autoestima, ocasionando sérios desdobramentos, seja no convívio social, familiar, acadêmico e psíquico.
Um dos maiores prejuízos acumulados na vida do adulto com TDAH está na necessidade frequente da troca de estímulos, se traduzindo em baixo desempenho profissional, troca incessante de empregos, problemas familiares, términos abruptos de relacionamentos, distúrbios do sono, dificuldade em terminar cursos universitários, insucesso profissional e falta de controle financeiro.
O diagnóstico de TDAH é clínico e multidisciplinar e se baseia em um tripé de sintomas básicos, como desatenção, impulsividade e hiperatividade. Ele deve ser realizado por um profissional (psiquiatra, neurologista, terapeuta ocupacional ou psicólogo) adequadamente treinado, o qual conheça os sintomas, o curso de evolução da síndrome, os padrões normais do desenvolvimento humano e a diferença entre esse e outros transtornos. A avaliação diagnóstica deve sempre envolver os pais ou responsáveis, os membros da família que convivem com a criança e a escola. No caso de adultos, a família e o cônjuge devem participar do processo diagnóstico, contribuindo com informações.
Especialmente na idade adulta, este diagnóstico é um desafio, pois pode ser confundido ou estar associado a outros transtornos psiquiátricos, como transtorno desafiador opositor, transtorno de conduta, dificuldades de aprendizagem (atrasos em leitura, ortografia, matemática, escrita, dentre outras), transtorno de humor bipolar, transtorno de personalidade antissocial, transtorno de ansiedade, abuso de substâncias psicoativas (álcool e outras drogas) e transtorno de tiques.
No ambiente acadêmico, seja entre servidores ou alunos, esses desdobramentos podem ter sérias consequências, tanto no rendimento quanto nos aspectos sociais, principalmente quando há casos não diagnosticados ou sem tratamento adequado.
Embora ainda seja um transtorno negligenciado, cada vez mais membros da comunidade acadêmica, principalmente alunos, têm apresentado laudos com diagnóstico de TDAH. Isto é imprescindível para que haja uma atenção diferenciada em relação a eles, tanto por parte dos docentes e das equipes de atendimento psicossocial, quanto dos colegas, pois é um transtorno que, por ser ainda pouco conhecido, é alvo de preconceitos devido ao baixo rendimento acadêmico do indivíduo, procrastinação, dificuldade de concentração e no término de tarefas, dificuldade de convívio social, impulsividade, agressividade, abuso de drogas e álcool. Por causa disso, muitas vezes desistem no meio do caminho, aumentando os índices de evasão escolar.
Se for um servidor, é ainda mais complicado, pois muitas vezes não tem compreensão e apoio do restante da equipe e nem da instituição e tem que recorrer a uma estratégia que considere a licença médica por desenvolverem outros transtornos, como ansiedade, síndrome do pânico e a Síndrome do Esgotamento Profissional (Burnout).
O diagnóstico, tratamento e manejo desse transtorno abre novas possibilidades de enfrentar uma disfunção cerebral hereditária que é penosa para o indivíduo, mas há estratégias que ensinam o portador a enfrentar esse problema e percorrer esse caminho com mais foco e tranquilidade, reduzindo as consequências, ao menos, para as mesmas proporções que qualquer indivíduo sem TDAH. Dentre elas, deve-se considerar tanto o tratamento farmacológico quanto a terapia cognitivo-comportamental.
Rememorando minha vida acadêmica, consegui desvendar muitas inquietações e dificuldades expostas nesse texto, pois só soube que sou portador de TDAH após quase meio século de vida, sem tratamento ou intervenção adequada. Não havia nome ou diagnóstico para isto até há pouco tempo. Consegui desenvolver estratégias para lidar com a situação, principalmente considerando a organização e rotina de estudos e trabalho, mas as dificuldades foram enormes.
Tudo é possível mas, quando diagnosticado precocemente, há possibilidades de que os portadores desse transtorno possam ter sucesso e melhor qualidade de vida, principalmente no ambiente acadêmico, objeto desta discussão. E nós, docentes, temos um papel importante neste processo de minimização dessas dificuldades, juntamente com o tratamento medicamentoso e terapias necessárias. Mas, é preciso que haja a sensibilização de toda a comunidade acadêmica responsável pela formação do discente e de profissionais qualificados para que a intervenção tenha sucesso.
Em 2021 foi sancionada a Lei Federal 14.254 que dispõe sobre o acompanhamento integral para os educandos com dislexia ou TDAH ou outro transtorno de aprendizagem que compreende a identificação precoce do transtorno, o encaminhamento do educando para diagnóstico, o apoio educacional na rede de ensino, bem como o apoio terapêutico especializado na rede de saúde.
O poder público deve desenvolver e manter programa de acompanhamento integral para estes educandos e os sistemas de ensino devem garantir aos professores da educação básica amplo acesso à informação, inclusive quanto aos encaminhamentos possíveis para atendimento multissetorial e formação continuada para capacitá-los para a identificação precoce dos sinais relacionados aos transtornos de aprendizagem ou ao TDAH, bem como para o atendimento educacional escolar dos educandos. Embora esta lei tenha sido direcionada especialmente à educação básica, é imprescindível que a academia também possa participar deste processo, pois a melhoria do conhecimento sobre este transtorno é diretamente proporcional à chance de sucesso de um atendimento mais específico e humanizado para o aluno.
Conhecer, diagnosticar e tratar o TDAH é essencial, mas é igualmente importante compartilhar a informação com os professores, amigos, colegas de sala ou de trabalho, chefia, cônjuge, namorado(a) e pessoas de convívio próximo para que haja mais empatia, harmonia e, através de novas abordagens e quebra de paradigmas, o preconceito e o descaso não venham intensificar ainda mais as inquietações nas relações interpessoais, escolares e profissionais a que o portador é submetido. Isso é inclusão e certamente proporcionará uma melhoria na qualidade de vida de todos, diminuirá a evasão escolar e contribuirá de maneira significativa no melhoramento e fortalecimento do ensino superior.
*Guilherme Garcia da Silveira é professor no Instituto de Ciências Exatas e Naturais do Pontal da Universidade Federal de Uberlândia (Icenp/UFU).
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