Publicado em 28/09/2023 às 11:32 - Atualizado em 02/10/2023 às 11:56
As proteínas extraídas do feijão-bravo e do olho-de-boi, duas plantas típicas da caatinga e cerrado brasileiros, apresentaram resultados promissores no combate ao coronavírus. Segundo a pesquisa, as formas proteicas das plantas, as lectinas, presentes nessas espécies demonstram inibir infecções, já no início, por diferentes variantes da Sars-CoV-2.
É o que explica uma das autoras do artigo “Lectinas de ligação à manose como potentes antivirais contra Sars-CoV-2”, publicado em setembro de 2023, Victória Riquena Grosche, doutoranda no Programa de Pós-graduação em Microbiologia do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp) e pesquisadora do Laboratório de Pesquisa em Antivirais (Lapav) do Instituto de Ciências Biomédicas (Icbim/UFU). “São duas proteínas diferentes e dois princípios ativos de cada planta, o ConBR e o DVL, que são chamadas de ligantes de manose”, revela Grosche.
As ligantes de manose também são parte importante do sistema imunológico do ser humano, pois auxiliam na neutralização de microrganismos patogênicos. A manose é um tipo de açúcar encontrado em muitas moléculas do nosso corpo e também em alguns vírus, como o da covid. O que a pesquisa demonstra é que as ligantes de manose das proteínas vegetais interagem com as microproteínas presentes na Sars, as glicoproteínas spike, impedindo que elas se conectem ao receptor celular.
Mas este processo só é possível após uma longa jornada, que começa lá na Universidade Federal do Cariri (UFCA), uma das parceiras do projeto. As plantas Canavalia brasiliensis e Dioclea violacea, popularmente conhecidas como, feijão-bravo-do-ceará e olho-de-boi, antes de chegarem à fase de testagem, são coletadas na natureza e passam pelo processo de purificação em laboratório, que é o isolamento químico das proteínas vegetais, as já citadas lectinas.
Após a extração, essas proteínas são enviadas em formato de pó ao Lapav, assim começando a testagem. Essa testagem é feita em laboratório de biossegurança nível dois, que são aqueles de diagnóstico no qual utilizam algumas barreiras de contenção, como equipamentos de proteção individual, segurança biológica e organização estrutural do ambiente. Nesse procedimento é feito o teste com um modelo viral, que não é completo, para avaliar a entrada da Sars-CoV-2 nas células com as lectinas.
Outro importante passo é dado após essa triagem. Em colaboração com pesquisadores da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho” (Unesp) de São José do Rio Preto e da Universidade de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto, os testes passaram a ser realizados nos laboratórios de biossegurança nível três, que são aqueles em que o vírus é usado em sua forma completa. Nesses laboratórios, Victória Grosche também testou as variantes Gama e Ômicron, que no período da pesquisa eram as mutações mais frequentes no Brasil.
Você pode estar se perguntando agora o porquê de usarem essas plantas para este tipo de estudo, mas te explicamos. Podemos encontrar na literatura científica existente sobre a purificação de lectinas vegetais estudos sobre as potencialidades do feijão-bravo, por exemplo, desde de 1979. O Centro de Ciências Agrárias e da Biodiversidade da Universidade Federal do Cariri (CCAB/UFCA) é o laboratório referência e especializado nesse tipo de procedimento.
Mesmo a extração das lectinas dessas plantas não sendo inédita, a investigação ainda não havia explorado os efeitos dessas lectinas no vírus da covid. E para Grosche, o trabalho desenvolvido exclusivamente no Brasil, é motivo de alegria. “São plantas brasileiras, pesquisadores brasileiros e centros de pesquisa no Brasil.”
As testagens na UFU que começaram entre fevereiro e março de 2022, sendo finalizadas em dezembro do mesmo ano, agora iniciam outra etapa. Por ser uma pesquisa base que sugere a potência das proteínas vegetais no combate ao coronavírus, o intuito é que essas lectinas possam ser usadas em medicamentos antivirais no futuro. “Sabemos que o Sars- CoV-2 veio para ficar, como uma nova gripe, e quanto mais nos vacinamos, mais protegidos estamos” diz Grosche.
Com o financiamento das agências de fomento, como a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), Grosche vê com entusiasmo essa descoberta que agora passará para a testagem de outros vírus ainda não catalogados.
“Levanto a bandeira para mostrar o quanto nosso país tem uma diversidade vegetal absurda e é uma tela em branco para buscar milhares de compostos com atividades antivirais, antimicrobianas e/ou antitumorais, afirma a pesquisadora”
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Palavras-chave: #Ciência
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