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Como o design gráfico pode ser uma importante ferramenta para a divulgação científica?

Discente do curso de Design da UFU desenvolve método para transformar pesquisas acadêmicas em peças visuais acessíveis

Publicado em 18/12/2023 às 14:29 - Atualizado em 21/12/2023 às 10:17

Aiko: “É urgente a necessidade de se construir uma ponte que una o saber científico às comunidades” (Foto: Marco Cavalcanti)

No meio acadêmico, é comum nos depararmos com artigos científicos que a mesma página precise ser lida várias e várias vezes para ser entendida. Se é assim com aqueles que estão dentro dos muros da universidade, imagina com aqueles que nunca completaram o ensino médio! A ciência, apesar de ter estado em alta nos temas de discussões principalmente durante a pandemia de covid-19, ainda possui uma grande distância da população. É urgente a necessidade de se construir uma ponte que una o saber científico às comunidades. E essa foi a motivação que deu início ao meu projeto do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) na graduação em Design da Universidade Federal de Uberlândia (UFU).

Já pensou transformar um artigo científico de várias páginas em um infográfico para qualquer público? Nesse TCC, o objetivo principal foi o desenvolvimento de um método que tornasse viável essa tradução de conteúdos, democratizando, assim, o acesso à ciência para a sociedade. Traçando um caminho delineado pela jornada da divulgação científica brasileira, com seus primeiros registros através da vinda da família real portuguesa para o país em 1808, juntamente com a criação de museus e divulgação de artigos em jornais da época, a pesquisa analisa os grandes feitos e as iniciativas de propagar esse conhecimento à sociedade. Ou seja, a preocupação de transmitir o conhecimento sempre esteve ali. Só, ainda, não alcançava a massa populacional.

Além disso, há todos os benefícios que não são usufruídos pelos indivíduos pela falta de contato próximo e constante com a ciência. Uma comunidade que enxerga a ciência como essencial para a tomada de decisões políticas, sociais, ambientais, econômicas e culturais, composta por cidadãos seguros de suas escolhas amparados pela ciência é uma comunidade em constante progresso desenvolvimentista e com integrantes conscientes de democracia, valores e bem-estar coletivo. 

Para se ter uma base de referência para o projeto, foram escolhidos dois casos para estudo: o Instituto Serrapilheira e a revista Mundo Estranho. Desde o início de minha carreira na divulgação científica, a comunicação visual do Serrapilheira já enchia meus olhos: sempre ilustrações ricas em detalhes e combinações de cores; a flexibilidade da identidade visual sendo trabalhada em várias mídias diferentes; a comunicação clara e informacional. Já a revista Mundo Estranho fez parte da infância e adolescência de parte da população brasileira, com seu jeito descontraído de responder as perguntas mais inusitadas dos leitores de uma forma científica e atraente, com infográficos de página a página.

Viviane Aiko apresentando o TCC
Foram escolhidos dois casos para estudo: o Instituto Serrapilheira e a revista Mundo Estranho (foto: Marco Cavalcanti)

Através de nove passos, o método desenvolvido vem com o objetivo de ser acessível e aplicado a todos os públicos, objetivando que aquele que o possuir consiga realizar o processo de transformar uma pesquisa em uma peça gráfica, com orientação e segurança. Como se prospecta um acesso de diferentes pessoas e para diferentes fins, nem todos que tiverem interesse em usá-lo conhecerão ferramentas e softwares de design. Tendo em vista isso, ao longo da pesquisa são explicitados em dicas diversos bancos de imagens, ilustrações, tipografias e softwares gratuitos que estão disponíveis para quem possuir acesso à internet, facilitando o processo para aqueles que não dominam os programas de design gráfico e diminuindo uma barreira.

Os passos são: 1) Levantamento de pontos principais, onde a leitura completa do artigo é feita com anotações e fichamento dos pontos principais; 2) palavras-chave, passo no qual, a partir do fichamento, são levantadas as principais palavra sobre a pesquisa,  3) painel semântico, que é a formação de um painel com referências visuais geradas a partir das palavras-chave; 4) simplificação do conteúdo, voltando ao fichamento e analisando o que deve aparecer ou não no infográfico, filtrando o conteúdo; 5) definição de tipografia, fase de levantamento de tipografias que combine com a visualidade e reforcem o tom da mensagem a ser transmitida; 6) definição da paleta de cores, onde ocorre a escolha das cores que estarão presentes no projeto, complementando os demais elementos; 7) escolhendo um estilo, fase em que são analisadas as escolhas tipográficas, mensagem e cores e um estilo é escolhido que harmonize todos os elementos e converse com o público; 8) diagramação, etapa na qual ocorre o planejamento da organização visual dos textos, imagens e ilustrações que compõem a peça e 9) refinamento, olhando a peça final de forma crítica e refinando-a até onde se deseja. Após, a junção de todas as etapas resulta na geração de um infográfico da pesquisa escolhida.

Ilustração
O método desenvolvido tem nove passos (Ilustração: Viviane Aiko)

Para aplicação do método e verificação de sua eficácia, foram escolhidas 3 pesquisas realizadas na UFU de diferentes temas para serem transformadas em infográficos: a primeira, possui o título "Qualidade do leite: uma revisão sobre os métodos analíticos empregados e tendências", de Kamila Nunes Maia, do Instituto de Química, fala sobre os sistemas de controle da qualidade do leite e sua importância para a saúde humana; a segunda, intitulada "Produção de chapas de aglomerado a partir do bagaço de cana-de-açúcar prensado usando cola a base de fécula de mandioca, arroz e breu: um caso de design do material", de Henrique Andrade do curso de Design, exibe a criação de um novo material sustentável tendo como compositor principal o bagaço de cana-de-açúcar; e a terceira, "Fluxos migratórios: compreendendo o fenômeno Dekassegui nipo-brasileiro (1908-2015)", é da área de Relações Internacionais e produzida por Hugo Heiske Harigaya, abordando os fluxos migratórios e focando na comunidade nipo-brasileira de 1908 a 2015. Todas foram retiradas do repositório da UFU.

Após a definição das pesquisas, os passos do método são seguidos e aplicados no processo de criação. Um desafio notado inicialmente foi o de simplificar os conteúdos científicos, pois exige-se muita atenção e cuidado para não retirar nenhum termo importante ou deixar a informação confusa para o leitor. Para isso, é interessante unir-se a alguém que já está acostumado a fazer essa transição de linguagem, como um jornalista ou alguém com formação em Letras, o que ficou encaixado na conclusão como uma perspectiva. No entanto, verificou-se que o método minimiza a dificuldade ao dividir em etapas e dar "pausas" do mesmo tema, intercalando por vezes os passos focados em leitura com um passo de criação, sendo seguido de uma volta a um passo de escrita, por exemplo. Esses momentos de troca de foco permitem que o processo seja menos cansativo e dão maior liberdade para a mente explorar diferentes pontos.

Ao final da aplicação do método completo, os três infográficos estão prontos. Para o exemplo apresentado no TCC, o público-alvo escolhido foi o adolescente por possibilitar maior liberdade criativa e flexibilidade nos exemplos, mas isso não impede que os passos sejam usados para diferentes públicos e com diferentes fins. Um princípio que foi seguido desde o início é a adaptabilidade da aplicação no processo, flexionando para as diversas situações e contextos. A seguir, as peças gráficas que resultam do método aplicado às pesquisas:

Infográfico
O resultado dos infográficos é uma versão reduzida e objetiva da pesquisa completa (Infográfico: Viviane Aiko)
Infográfico
O método pode gerar infográficos para diversos formatos (Infográfico: Viviane Aiko)
Infográfico
Um desafio notado inicialmente foi o de simplificar os conteúdos científicos (Infográfico: Viviane Aiko)

O resultado dos infográficos é uma versão reduzida e objetiva da pesquisa completa. Pontos estratégicos são mantidos, como linhas do tempo e processos explicados, e os elementos de design – cores, tipografias, diagramação, imagens, ilustrações, texturas – reforçam a mensagem que deve ser transmitida: informacional na Pesquisa 1, processual na Pesquisa 2 e histórico na Pesquisa 3. As pesquisas de mais de 35 páginas foram sintetizadas no tamanho de uma tela, com as informações consideradas mais importantes para o público-alvo deste exemplo.

Concluindo a pesquisa, é perceptível como o design gráfico, alinhado à divulgação científica, potencializa os resultados de alcance e disseminação da informação. Através dos passos que orientam o processo, torna-se viável que várias pessoas de inúmeras áreas consigam divulgar pesquisas de forma mais atraente e eficaz, trazendo os cientistas e pesquisadores a pensar como o público-alvo e entender sobre suas percepções e vivências, aproximando-os. Além disso, o método pode gerar infográficos para diversos formatos: telas de TV, cartazes pela cidade, telas de celulares, panfletos distribuídos em hospitais, cartilhas entregues às escolas, entre outros digitais e impressos.

Para o futuro, vê-se a possibilidade da união de profissionais de várias áreas para aperfeiçoamento do método, oficinas para aplicação e implantação do material produzido em escolas, ONGs e projetos sociais, onde a sociedade está. Essa perspectiva está alinhada ao processo de design, que sempre trabalha dentro de uma multidisciplinaridade de profissionais que somam no projeto final e com um fim que impacte diretamente a população.

Sozinho, o método desenvolvido não irá acabar com a desinformação e a distância entre ciência e sociedade. Para se ter o alcance necessário e atingir todas as populações, ações governamentais são necessárias para trabalho em conjunto, como a implementação de propostas que envolvam divulgação científica ligadas às políticas públicas. Mas abre portas para o uso do design – não apenas o gráfico –, sendo uma semente plantada para colher frutos em trabalhos que busquem o mesmo objetivo: democratizar o acesso à ciência. Ciência é cotidiano. Ciência é política. Ciência é desenvolvimento. Ciência é conhecimento. Troca-se a palavra "Ciência" por "Design" em qualquer uma das frases e elas não perdem o sentido. Por isso, o design é intrínseco à ciência. Eureka! 


*Viviane Aiko Toyoda Gomes é graduada em Design, realizou Iniciação Científica investigando o design gráfico do movimento punk nos fanzines paulistas da década de 1980, foi estagiária por dois anos da Divisão de Divulgação Científica da Diretoria de Comunicação Social da UFU e participou da produção de três edições do Pint of Science Uberlândia. Instagram: https://www.instagram.com/vivianeaiko/

 

A seção "Leia Cientistas" reúne textos de divulgação científica escritos por pesquisadores da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). São produzidos por professores, técnicos e/ou estudantes de diferentes áreas do conhecimento. A publicação é feita pela Divisão de Divulgação Científica da Diretoria de Comunicação Social (Dirco/UFU), mas os textos são de responsabilidade do(s) autor(es) e não representam, necessariamente, a opinião da UFU e/ou da Dirco. Quer enviar seu texto? Acesse: www.comunica.ufu.br/divulgacao. Se você já enviou o seu texto, aguarde que ele deve ser publicado nos próximos dias.

 

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