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Pesquisadores demonstraram a circulação de vírus de animais domésticos em carnívoros selvagens ameaçados de extinção

Estudo analisou a circulação de 12 diferentes vírus em amostras de carnívoros selvagens atropelados em rodovias dos biomas Cerrado e Pantanal durante 2017 a 2023

Publicado em 15/02/2024 às 14:11 - Atualizado em 21/02/2024 às 08:23

Uma diversidade de espécies selvagens foi amostrada na pesquisa, incluindo a Panthera onca (onça-pintada) (foto: Freepik)

Diversas espécies de animais silvestres são susceptíveis a vírus típicos de animais domésticos. A aproximação entre estes grupos, cada vez mais frequente, favorece o compartilhamento de vírus entre as espécies. Os canídeos e os felídeos selvagens são os mais suscetíveis, devido à proximidade genética entre as espécies de animais destes grupos. Portanto, o conhecimento de espécies virais que estão circulando em carnívoros selvagens é fundamental para direcionar ações que previnam o declínio de populações de animais selvagens.

Posto isso, o objetivo do nosso estudo foi investigar a ocorrência de 12 vírus — bocaparvovírus (CBoV), parvovírus (CPV-2), hepadnavírus, coronavírus (CoV), paramixovírus e vírus da cinomose canina (CDV), poxvírus, herpesvírus felino (FHV-1), calicivírus felino (FCV), vírus da imunodeficiência felina (FIV), vírus da leucemia felina (FeLV) e gammaherpesvírus — em carnívoros silvestres vítimas de colisões veiculares nos biomas Pantanal e Cerrado do Mato Grosso do Sul.

Os resultados desta pesquisa foram publicados como artigo de pesquisa na revista Transboundary and Emerging Diseases, em 07/02/2024, intitulada "Occurrence of Typical Domestic Animal Viruses in Wild Carnivorans: An Emerging Threat to the Conservation of Endangered Species".

As amostras biológicas foram coletadas pelo Instituto de Conservação de Animais Silvestres (ICAS) e pelo Projeto Bandeiras e Rodovias. Uma diversidade de espécies selvagens foi amostrada, incluindo: cachorro-do-mato (Cerdocyon thous), lobo-guará (Chrysocyon brachyurus), cachorro-vinagre (Speothos venaticus), raposa-do-campo (Lycalopex vetulus), onça-pintada (Panthera onca), gato-mourisco (Puma yagouroundi), jaguatirica (Leopardus pardalis), gato-palheiro (Leopardus colocolo), zorrilho (Conepatus chinga), lontra (Lontra longicaudis), irara (Eira barbara), quati (Nasua nasua) e mão-pelada (Procyon cancrivorus).

As amostras foram analisadas no Laboratório de Investigação Etiológica Veterinária (LIvE Vet) da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade Federal de Uberlândia (Famev/UFU). Então, foram submetidas aos ensaios de PCR (do inglês, Polymerase Chain Reaction), uma técnica de diagnóstico molecular que consiste na detecção do material genético (DNA ou RNA) de cada um dos vírus. As amostras positivas por PCR passaram por outro teste, o sequenciamento de DNA, ou seja, parte do código genético dos vírus foi determinado para confirmar o diagnóstico inicial. As reações de sequenciamento foram realizadas no Laboratório de Biologia Molecular Aplicada e Sorologia do Departamento de Medicina Veterinária Preventiva e Saúde Animal da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo (USP).

As espécies em que foram encontradas a presença de vírus — cachorro-vinagre, gato-mourisco, jaguatirica e onça-pintada — estão classificadas em algum grau de extinção pela lista de espécies ameaçadas do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Todos compartilham o status "vulnerável", embora a jaguatirica seja considerada como "pouco preocupante" na Amazônia, seu status fora deste bioma é de vulnerabilidade e declínio populacional. O cachorro-vinagre é considerado “em perigo” no Cerrado e “criticamente em perigo” na Mata Atlântica. 

Estas espécies de animais selvagens são relativamente pouco estudadas em termos de patógenos virais, apesar dos vírus causarem declínio de populações. Essa carência de estudos se deve ao fato da difícil captura desses animais, não só por serem selvagens, mas por serem extremamente ariscos e ágeis, além de que são encontrados em número reduzido na natureza.

Foi detectado o material genético do vírus da cinomose canina (CDV) em gato-mourisco, do parvovírus canino (CPV-2) em gato-mourisco, cachorro-vinagre e onça-pintada e o vírus da leucemia felina (FeLV) em jaguatirica, nos biomas Cerrado e Pantanal.

Esses vírus são velhos conhecidos em Medicina Veterinária como importantes causadores de doenças e até fatalidades em cães e gatos. Porém, é possível a prevenção com o uso de vacinas nos animais de companhia. Já para os animais selvagens, seria impossível a captura para a administração de vacinas. Contudo, a vacinação em massa de cães e gatos é a principal forma de impedir que esses vírus causem doenças nos animais de companhia e até mesmo nos animais selvagens, uma vez que o efeito direto de mais animais vacinados é a menor circulação desses vírus nos animais. 

 

Nathana Beatriz Martins é doutoranda em Saúde Animal pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Veterinárias (PPGCV) da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), médica veterinária, com residência em Medicina de Animais Selvagens e mestre em Saúde Animal pela UFU.  

 

Aline Santana da Hora é docente de Doenças Virais de Animais da Faculdade de Medicina Veterinária (Famev/UFU), coordenadora do Laboratório de Investigação Etiológica Veterinária (LIvE Vet). Ela é médica veterinária formada pela Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) e tem mestrado, doutorado e pós-doutorado pela Universidade de São Paulo (USP). Instragram: @livevetufu, @alineda_hora.

 

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Palavras-chave: Animiais vírus pesquisa Ciência Divulgação Científica Leia Cientistas

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