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Leia Cientistas

'Kit-covid' e universitários brasileiros: pesquisa analisa a automedicação durante a pandemia

Estudo realizado por pesquisadores da UFU e da Uniube constatou os percentuais de estudantes que utilizaram corticoides, azitromicina, ivermectina e hidroxicloroquina

Publicado em 17/05/2024 às 14:31 - Atualizado em 07/06/2024 às 08:43

Foto: Banco de imagens

A automedicação ocorre quando um indivíduo consome medicamentos por vontade própria e sem buscar orientação de profissionais da saúde para aliviar sintomas. Essa prática pode gerar riscos para a saúde, como as reações adversas, as intoxicações e o mascaramento de sintomas por efeito dos medicamentos, dificultando o diagnóstico das doenças. 

Considerando os perigos dessa prática, nosso estudo intitulado “Análise epidemiológica da automedicação do kit-covid por estudantes universitários, durante a pandemia de covid-19, no Brasil” teve como objetivo analisar o perfil dos discentes da educação superior que realizaram a automedicação com o chamado “kit-covid”, conjunto de medicamentos que foram utilizados inapropriadamente para prevenir e tratar a infecção. Os resultados da pesquisa foram publicados em março de 2024 em artigo original na revista científica Saúde & Meio Ambiente: Revista Interdisciplinar.  

Nós escolhemos essa temática devido aos múltiplos fatores que poderiam levar universitários ao consumo do “kit-covid”. Além do medo da infecção, estudantes enfrentaram o estresse associado ao ensino remoto, com sobrecarga de tarefas para reposição de atividades e a ansiedade gerada pelo volume de fake news e demais informações não comprovadas cientificamente.  

Para realizarmos essa análise, desenvolvemos um projeto de pesquisa sobre automedicação que foi aprovado pelo Comitê de Ética da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). A partir disso, construímos um instrumento de coleta de dados pelo Google Forms para coletar dados sobre automedicação e consumo dos fármacos do kit-covid pelos alunos. 

Enquanto desenvolvemos o projeto, percebemos que a maior parte dos estudos sobre automedicação eram realizados com cursos da área da saúde e eram restritos às universidades existentes em alguns municípios. De outro modo, buscamos alcançar alunos de diversos cursos e que vivem em diferentes regiões brasileiras, através do envio do formulário de pesquisa por meio das coordenações de cursos universitários de instituições brasileiras existentes em diferentes estados, durante o mês de janeiro de 2022. Apesar disso, não conseguimos respostas de estudantes universitários da região Centro-Oeste do país. 

Posteriormente, calculamos as prevalências da automedicação do “kit-covid”, considerando o sexo, a faixa etária e o curso acadêmico, além de aplicar testes estatísticos de associação e probabilidade para compreender a relação dessas variáveis com o comportamento de automedicação. Por fim, realizamos a discussão de nossos resultados através da comparação com informações de outros artigos da literatura científica. 

Detectamos que 14,32% dos participantes do estudo utilizaram o “kit-covid”. Entre os estudantes que realizaram essa automedicação, registramos a predominância de discentes do sexo feminino (60%) e de pessoas da faixa etária de 20 a 24 anos (58%). 

É possível que a predominância das mulheres seja influenciada, por exemplo, pela sobrecarga de tarefas domésticas e a maior preocupação com a saúde individual e da família. Já a preponderância dos jovens pode ser compreendida pela juventude ser considerada um período de maior exposição a situações de risco. 

Além disso, alguns de nossos achados mais curiosos foram que estudantes com comorbidades têm chance 2,324 vezes maior de utilizar o “kit-covid”. Essas correlações podem ser compreendidas pela utilização dos mesmos medicamentos para tratar outras enfermidades, não relacionadas à covid-19. 

No conjunto dos remédios compreendidos no “kit-covid”, detectamos que corticoides, azitromicina, ivermectina e hidroxicloroquina foram utilizados por 44,8%, 29,9%, 22,4% e 3% dos discentes, respectivamente. 

A maior utilização de corticoides, como dexametasona, pode estar relacionada aos benefícios clínicos evidenciados no tratamento de pacientes com covid-19 grave a partir da combinação dessa classe de medicamentos com outros fármacos. No entanto, o uso desses medicamentos foi contraindicado nos quadros leves da infecção, pois não foi observada redução na mortalidade. 

Apesar de trabalhos com informações científicas bem consolidadas apontarem que o uso desses fármacos não trouxe benefícios para a melhoria dos sintomas da covid-19, percebemos que a persistência da automedicação do kit pode ter sido influenciada pela crença em estudos com erros metodológicos e foi facilitada pela obtenção dos fármacos em sites de farmácias ilegais.  

Além do risco de efeitos indesejáveis à saúde, outros estudos alertaram que o consumo do kit provocou desabastecimento e escassez no estoque, por exemplo, de cloroquina, o que pode prejudicar o tratamento de pacientes com doenças reumatológicas, que precisam comprar o medicamento para sua finalidade específica. 

Nosso estudo contribui, portanto, para evitar a negligência com a automedicação tanto na contemporaneidade quanto em períodos de pandemia e incentivar o desenvolvimento de medidas para desestimular essa prática, além de estimular a investigação e o fornecimento de dados já bem consolidados por pesquisas científicas. 

Por fim, reforçamos a ineficácia da cloroquina, hidroxicloroquina, azitromicina, ivermectina, vitaminas e outros medicamentos para prevenção e tratamento da covid-19, assim como evidenciado em outros estudos. 

 

*Nikolas Lisboa Coda Dias é discente do curso de Medicina da UFU.  

**Maria Eduarda Puga Rezende é discente do curso de Odontologia da UFU.  

***Lívia Danielle de Oliveira Pereira é graduada em Fisioterapia pela UFU. 

****Beatriz Guerra Santos é graduada em Farmácia pela Faculdade Presidente Antônio Carlos de Uberlândia e é discente de Psicologia da Universidade de Uberaba (Uniube). 

*****Stefan Vilges de Oliveira é docente do Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Medicina (Famed/UFU).  

******Wallisen Tadashi Hattori é docente do Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Medicina (Famed/UFU).  

 

A seção "Leia Cientistas" reúne textos de divulgação científica escritos por pesquisadores da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). São produzidos por professores, técnicos e/ou estudantes de diferentes áreas do conhecimento. A publicação é feita pela Divisão de Divulgação Científica da Diretoria de Comunicação Social (Dirco/UFU), mas os textos são de responsabilidade do(s) autor(es) e não representam, necessariamente, a opinião da UFU e/ou da Dirco. Quer enviar seu texto? Acesse: www.comunica.ufu.br/divulgacao. Se você já enviou o seu texto, aguarde que ele deve ser publicado nos próximos dias. 

 

 

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Palavras-chave: automedicação estudantes cloroquina ivermectina COVID-19 pesquisa Ciência Leia Cientistas

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