Publicado em 25/04/2024 às 10:13 - Atualizado em 06/05/2024 às 08:24
Traços e cores únicas. Uma obra criada através de outra arte: da música. Uma fachada com mais de 700 metros quadrados de pintura indígena brasileira. Tudo isso do outro lado do oceano, no velho continente, numa das exposições internacionais de arte mais antigas do mundo, a Bienal de Veneza. O tema da edição deste ano é “Stranieri Ovunque – Foreigners Everywhere”, que em tradução livre significa “estrangeiros por toda a parte”, e a primeira obra de arte que o público visitante aprecia quando chega ao pavilhão central do evento é a pintura de "um povo que já foi tratado como estrangeiro no próprio território", como diz uma das artistas responsáveis por aquele trabalho.
Começou no último sábado, 20, a 60ª edição da Bienal de Veneza, na Itália, que ficará exposta ao público até o dia 24 de novembro. O evento, que traz destaque este ano para a arte e artistas de diversos lugares do mundo, apresenta uma pintura do Movimento dos Artistas Huni Kuin (Mahku) logo na fachada do prédio central de exposições, Pavilhão Giardini. O grupo fundado por Ibã Huni Kuin conta com a participação de Kássia Borges, que é professora do curso de Artes Visuais do Instituto de Artes da Universidade Federal de Uberlândia (Iarte/UFU) e integrou a equipe de produção da pintura.
A docente é artista profissional e participa de salões de arte desde 1989. Originária do povo Karaja, e integrante do grupo Mahku, de origem Huni Kuin, ela afirma que ter uma arte indígena na fachada de um dos prédios da bienal é uma reparação histórica: “Nunca fizeram um painel deste tamanho na fachada. É a primeira vez que a cor e a arte indígena estão na fachada da Bienal de Veneza.”
A pintura
Acelino Tuin, Pedro Mana, Ibã Huni Kuin, Itamar Rios e Cleiber Bane são os nomes que, ao lado da Kássia Borges, levaram dois meses para pintar os mais de 700 metros quadrados da fachada do prédio. Por se tratar de uma exposição que fala sobre o estrangeirismo, os traços e cores da pintura contam a história do mito do Kapewë Pukeni, que significa “jacaré-ponte”. Este mito conta a história de travessia dos antigos Huni Kuin, que resolveram descobrir outras terras, outras tecnologias, e usavam o jacaré como ponte de travessia.
O processo de criação da obra conta com a execução de um ritual Huni Kuin, comandando por Ibã. Ele entoa músicas sagradas do Nixi Pae, que é Ayahuasca, e o grupo pinta o que escuta na música. “A gente achou que o canto [do Kapewë Pukeni] seria muito importante para fazer essa pintura, já que a Bienal de Veneza está tratando do estrangeirismo e os indígenas também representam esse estrangeirismo, porque os indígenas também são estrangeiros em suas próprias terras, em seu próprio território. Com a chegada dos europeus, os indígenas foram expulsos das suas terras e a gente é tratado como estrangeiro na nossa própria terra”, explica Kássia. Além dessa música, o grupo também pintou o canto de cura das águas, uma vez que Veneza é uma cidade onde as ruas são rios.
Bienal de Veneza
A 60ª edição da Bienal de Veneza aglomera obras e artistas do mundo todo. Além disso, esta é a primeira vez que o evento conta com a curadoria de um brasileiro, o diretor de arte do Museu de Arte de São Paulo (Masp), Adriano Pedrosa. O curador convidou vários artistas brasileiros, negros, LGBT+ e indígenas para exporem na bienal e a professora Kássia Borges avalia esses pontos como algo muito importante. “Isso é muito significativo para o mundo, muito significativo para o Brasil. É a primeira vez que isso acontece! Se a gente for pensar bem, sobre a questão da arte no Brasil, inclusive, ela ainda vem buscando [referências] nos europeus. Então, ele fazendo esta curadoria com artistas tão diferentes dessa estética europeia, está sendo muito, muito ímpar”, exclama a artista e docente da UFU.
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Palavras-chave: IARTE Povos Indígenas Bienal arte
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