Publicado em 30/07/2024 às 15:17 - Atualizado em 31/07/2024 às 12:55
A Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio 92) aconteceu na cidade do Rio de Janeiro, em 1992. Ali, foi adotado o tratado internacional que instituiu a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (CQNUMC), como base para uma resposta global ao problema da mudança climática, promulgado no Brasil por meio do Decreto Federal nº 2.652/1998. Seu objetivo é alcançar a estabilização das concentrações de gases de efeito estufa (GEE) na atmosfera num nível que impeça uma interferência antrópica perigosa no sistema climático e apoiar, com financiamento adicional, países em desenvolvimento a se adaptarem aos impactos inevitáveis da mudança climática, reconhecendo que a maior parcela das emissões globais — históricas e atuais — de gases de efeito estufa (GEE) é originária dos países desenvolvidos.
A Rio 92 foi também palco do início da cooperação Brasil e União Europeia (UE) sobre meio ambiente, quando foi lançado o Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais do Brasil (PPG7). Nele, os países do G7, junto com a Comissão Europeia e a Holanda, desembolsaram 428 milhões de dólares voltados à preservação ambiental no Brasil, na Floresta Amazônica e na Mata Atlântica, permitindo a estruturação das principais políticas ambientais atuais, tais como: o Sistema Nacional de Unidades de Conservação, Programa de Áreas Protegidas da Amazônia e o Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia (PPCDAm).
De tal maneira, foi possível de pela primeira vez reunir e coordenar uma série de instrumentos públicos para o controle e a prevenção do desmatamento na Amazônia Legal, financiando simultaneamente políticas e ações de fiscalização e de conservação, alcançado uma redução de 83% do desmatamento entre 2004 e 2012, mantendo o desmatamento abaixo de 8 mil km² até 2018.
A principal motivação por trás da redução do desmatamento na Amazônia Legal diz respeito às políticas globais para o enfrentamento da mudança do clima. Isto pois, negociava-se simultaneamente no âmbito da CQNUMC, uma estratégia de enfrentamento à mudança do clima que, a partir de 2008, passou a fornecer incentivos positivos para os países em desenvolvimento reduzirem o volume de emissões de GEE provenientes do desmatamento e da degradação florestal, o chamado Programa REDD+.
Por meio do REDD+, países em desenvolvimento que apresentem reduções verificadas de emissões e/ou aumento de estoques de carbono florestal tornam-se elegíveis a receber pagamentos por resultados (PPR) de diversas fontes internacionais, em particular do Fundo Verde para o Clima e de doações internacionais, que não geram direitos de emissão pelos doadores (compensação). Inclusive, o Acordo de Paris, aprovado em 2015 e promulgado no Brasil por meio do Decreto n° 9.073/2017, encoraja as Partes a adotarem medidas para implementar e apoiar, por meio de PPR, atividades de REDD+.
Assim, o Brasil vem recebendo PPR de resultados de REDD+ na Amazônia Legal por meio do Fundo Amazônia desde 2009, majoritariamente provenientes dos governos da Alemanha e da Noruega, somando atualmente um apoio total de R$ 1.8 bilhão e um desembolso de R$ 1.5 bi para a implementação de políticas ambientais e a promoção do desenvolvimento sustentável, com particular atenção para povos indígenas, comunidades tradicionais e agricultores familiares. Estima-se que o Fundo pode angariar até R$ 6,4 bilhões, quando as promessas de doações dos Estados Unidos da América, Japão, Reino Unido, Suíça e também da UE se efetivarem.
Mas e o Cerrado?
Acontece que, embora significativo, o volume de pagamento efetuado é bastante inferior ao resultado total de REDD+ verificados pela CQNUMC (Figura 1). Essa realidade é especialmente dramática para o bioma Cerrado, que soma um resultado de quase 2 bilhões de toneladas de CO2eq de REDD+ entre 2011 e 2020 não remunerados, alcançados, entre outros, pela implementação desde 2010 de 03 (três) fases do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento e das Queimadas no Bioma Cerrado (PPCerrado). Assim, ficam ausentes de recursos e prejudicados os esforços de prevenção e controle de desmatamento no bioma, que ainda apresenta alarmantes taxas de desmatamento, em especial a partir de 2019, superando os 10 mil km² em 2022 e em 2023.
Paralelamente, em 2023, a UE aprovou o Regulamento para Produtos Livres de Desmatamento, conhecido como European Union Deforestation-Free Regulation (EUDR). O EUDR objetiva proibir a importação e o comércio, no bloco europeu, de produtos derivados de algumas commodities — gado, soja, palma de dendê (oil palm), café, cacau, madeira e borracha — provenientes de áreas desmatadas, legal ou ilegal, após 31 de dezembro de 2019. A legislação passa a vigorar a partir de dezembro de 2024 e promete inaugurar um novo capítulo nas relações Brasil-UE, pois, para muitos, é unilateral, extraterritorial e impacta negativamente o Brasil, que considera recorrer à Organização Mundial do Comércio (OMC).
Compreende-se, portanto, que o bioma Cerrado está duplamente ameaçado na medida em que políticas e recursos públicos incentivam a conversão de sua vegetação em sistemas produtivos, agrícolas — em especial para a produção de grãos e gado — em detrimento de sua conservação, ao mesmo tempo em que sofre com a concentração de recursos e esforços internacionais no bioma Amazônico, embora detenha igualmente grandes estoques de carbono, rica diversidade faunísticas e florísticas, e de povos, culturas e saberes, além de alimentar importantes bacias hidrográficas, responsáveis pela segurança alimentar, hídrica e energética nacional.
Assim, chegamos a duas recomendações de policy alinhadas com o Acordo de Paris. Para a UE, recomendamos a incorporação do Cerrado no Diálogo de Alto Nível sobre Clima e Meio Ambiente entre Brasil e União Europeia, em particular, por meio do PPR de REDD+. Para o governo federal, estados do Cerrado, além do Grupo de Trabalho do Cerrado na Frente Parlamentar Ambientalista do Congresso Nacional, recomendamos o fortalecimento e a coordenação de políticas de prevenção e controle do desmatamento no bioma, inclusive por meio da instituição de um fundo próprio.
*João Pedro Gurgel e Silva é bacharel e mestrando em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Uberlândia (linkedin.com/in/jpgurgelsilva | lattes.cnpq.br/0550866223730069). Esse relatório foi produzido junto de Nina Nery de Oliveira e do professor Thauan Santos, no âmbito do “GT Energia, Mudanças Climáticas e Desenvolvimento Sustentável” do Módulo Jean Monnet FECAP, com apoio da Comissão Europeia, a partir do Programa Erasmus+, e está disponível para leitura na íntegra em: https://europa.fecap.br/wp-content/uploads/2024/02/Report-3_ProtecaoVeg_eixo5_v2.pdf
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Palavras-chave: Leia Cientistas Cerrado meio ambiente Amazônia
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