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Graduação

'Eu chorei muitas vezes porque eu queria estar na aulas, mas sem acessibilidade'

UFU comemora pela primeira vez a graduação de uma pessoa surda em Direito; Márcia Ferreira Porto quebra barreira histórica ao concluir bacharelado

Publicado em 28/07/2025 às 08:28 - Atualizado em 08/08/2025 às 15:33

Marcia foi uma das formandas que participou da semana de colação de grau 2024/2. (Foto: Jussara Coelho)

 

Márcia Ferreira Porto tornou-se a primeira pessoa surda a se formar no curso de bacharelado em Direito pela Faculdade de Direito "Prof. Jacy de Assis", da Universidade Federal de Uberlândia (Fadir/UFU), após 65 anos de existência da instituição.

 

O desafio da inclusão no ensino superior

O ensino no Brasil para pessoas surdas ainda representa um grande desafio a ser superado pelas instituições de ensino. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 5% da população brasileira apresenta algum nível de surdez, o que representa mais de 10 milhões de pessoas. Deste total, 2,7 milhões apresentam surdez profunda.

Os dados revelam uma realidade preocupante: apenas 0,5% das pessoas com ensino superior no Brasil são surdas, representando cerca de 7% da população total de deficientes auditivos no país.

Segundo a Divisão de Acessibilidade e Inclusão da UFU (Dacin), entre 2020 e 2024, 404 estudantes se autodeclararam com algum tipo de deficiência. Entre elas, 13 apresentam deficiência auditiva.  

 

A trajetória de superação de Márcia

Márcia Ferreira ingressou na UFU em 2020, mas teve o curso interrompido pela pandemia da Covid-19. Segundo ela, realizou a prova do Enem em 2019 apenas para conhecer sua nota da redação em nível nacional e ficou surpresa com a aprovação:

"Aconteceu tudo muito rápido. Eu não estava 'pronta' para entrar na UFU como aquele aluno que fica com a pastinha pronta. Então fui correr atrás de documentos e da parte burocrática", relata.

 

Desafios do ensino remoto

Os primeiros períodos foram particularmente desafiadores para Márcia. O ensino remoto, imposto pela pandemia, criou obstáculos adicionais:

"Na minha casa, meu irmão não conhecia os sistemas de aulas remotas, assim como os professores, que tinham poucos conhecimentos", conta Márcia.

 

O papel fundamental dos intérpretes

Um dos principais obstáculos enfrentados foi a escassez de intérpretes de Libras. Márcia relata dificuldades em palestras e aulas quando os profissionais já estavam acompanhando outros estudantes. Apesar disso, ela destaca o apoio recebido dos colegas de turma e professores durante toda a graduação.

Nathália Scalabrine, intérprete da Dacin e uma das profissionais que auxiliou Márcia durante a graduação, considera a formatura uma realização profissional:

"Chegar nessa etapa final com tanta maestria da aluna me deixou extremamente grata e feliz. Nosso trabalho desde o início surtiu bons frutos. Foram cinco anos de participação integral em sala, palestras, estágios, seminários e provas".

Além da relação profissional, Nathália destaca o vínculo afetivo criado: "Nós participamos de ensaios da bateria Meritíssima, acompanhamos jogos das olimpíadas na torcida, com tinta, uniformes e tudo mais do mundo universitário".

 

Perspectiva institucional

Para Luciana Zacharias, diretora da Fadir, a conclusão do curso por Márcia representa uma grande vitória e a abertura de discussões importantes sobre o acesso à educação de qualidade. "A graduação da Márcia sinaliza que é possível promover o direito à educação e a dignidade da pessoa humana sem estigmas, preconceitos ou distinções".

A Fadir completa 65 anos em 2025 e, ao longo de sua história, vem contribuindo para a formação de diversos estudantes com deficiências físicas, auditivas e visuais, além de receber pessoas com transtornos do espectro autista.

Zacharias reconhece que, embora a Lei de Cotas tenha favorecido o ingresso de pessoas com deficiência, bem como as políticas de inclusão promovidas pela Universidade, esse grupo ainda é minoritário.

Entre os principais desafios estão:

  • Falta de recursos para adaptação de espaços físicos
  • Necessidade de mais tecnologias assistivas
  • Treinamentos e capacitações para docentes
  • Disponibilização de profissionais de suporte especializados

 

Próximos passos e legado

Após a colação de grau no dia 19 de julho de 2024, Márcia não pretende parar. Seus próximos objetivos incluem a pós-graduação e a aprovação na prova da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). "Eu pretendo pegar a bandeira da inclusão e sair por aí incentivando a todos. Pessoas em geral irão perceber que PCDs, com todas as dificuldades, conseguem, então elas também podem", afirma.

A graduação de Marcia representa um marco para a história da FADIR e da luta a favor da acessibilidade dentro do ambiente do ensino superior. Assim como o resultado de leis de cotas e incentivos que trazem cada vez mais pluralidade à universidade. 



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Palavras-chave: Fadir acessibilidade Formatura

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