Publicado em 25/07/2022 às 09:38 - Atualizado em 22/08/2023 às 16:39
‘Muitos pacientes relatam que as cólicas menstruais intensas são vistas como frescura’, conta a ginecologista Mileide Sousa. (Foto: Unsplash)
“Depois de sentir muita dor desde a menarca [primeira menstruação], minha história com a endometriose começou assim, a caminho de uma lan house em Araguari (MG)”, relembra Thuanne Silva, 26, como quem conta uma piada, com um sorriso no rosto e uma gargalhada prestes a sair de sua boca.
A estudante de Jornalismo e graduada em História pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), que na época tinha entre 13 e 14 anos, largou a bicicleta em uma esquina no caminho de volta para casa. Sobreviver às duas estacas que a perfuravam no abdômen — analogia que, segundo Silva, melhor descreveria a sensação — parecia mais vantajoso que terminar o trajeto.
Vencida pelo cansaço e o aperto na região da barriga, a menina sentou-se no meio fio e colocou para fora tudo o que tinha no estômago.
“Você está grávida?”, perguntou o médico assim que viu a jovem pálida chegar ao hospital da cidade. Silva,que se contorcia de dor e era levada pelo pai corredores adentro, não imaginava que, após uma ultrassonografia, a palavra endometriose resumiria todas as lâminas que a perfuravam por dentro, e a gravidez – que na época parecia um fato absurdo – surgiria como uma possível preocupação.
Para entender essa história, é preciso saber que o endométrio é o tecido que se forma na parede do útero. É nele onde o óvulo fecundado se fixa, e, se caso isso não acontecer, o tecido se degenera e é expelido na forma da menstruação. Quando esse tecido faz o caminho inverso, não indo para a vagina, ele se aloja no interior dos ovários ou na cavidade abdominal. O endométrio fora do útero continua se multiplicando e, por consequência, gera inflamações, a endometriose.
“Eu não sabia o que era e, depois, a primeira coisa que me veio em mente foi em relação à fertilidade", relembra a estudante.
Solo infértil?
De acordo com a Sociedade Americana de Medicina Reprodutiva (ASRM), a endometriose é dividida nas seguintes classificações: grau um, dois, três e quatro. A ginecologista do Hospital das Clínicas da UFU, Mileide Sousa, explica que quanto maior o grau, mais grave se encontra a doença e maiores são as áreas inflamadas.
Além das inflamações severas, problemas anatômicos provocados por espessamentos do tecido endometrial, que causam deformações, são as principais causas da perda de fertilidade em casos de endometriose em graus mais elevados.
“Os órgãos acabam ficando em posições não funcionais, acarretando problemas na ação das trompas, no encontro entre óvulo e espermatozóide etc.”, conta a médica.
Por outro lado, ter a doença, independente do estágio, não é sinônimo de infertilidade, sendo necessário analisar clinicamente cada caso.
Frescura
Frescura é a palavra que as fontes que contaram suas experiências para essa reportagem, ouviram em algum momento quando descreviam as dores sentidas antes do diagnóstico da endometriose. O que para muitos é visto como apenas uma “dorzinha”, fez Thuanne largar sua bicicleta no caminho para casa na adolescência e vomitar de dor em uma rua de Araguari.
A frescura, entranhada na sociedade quando se refere a qualquer traço feminino, contribui para que o diagnóstico de endometriose seja mais demorado, fazendo com que inúmeras pessoas que possuem útero convivam com insuportáveis dores até procurarem de fato atendimento médico.
“A cólica intensa é vista como normal, como frescura e um ‘piti’ por parte desses pacientes, o que não deve acontecer. Sentir dor em excesso não é normal!”, afirma Sousa.
Dentre os sintomas, dor durante as relações sexuais, dor para urinar, sangue na urina, diarréia e dor para evacuar, comumente são confundidos com outras patologias, contudo, podem ser indícios de inflamação endometrial.
Além disso, pacientes que possuem endometriose, normalmente adquirem postura curvada devido à dor e maior tensão nos músculos da região abdominal, como afirma a fisioterapeuta e professora do curso de Fisioterapia da UFU, Ana Paula Resende. Durante o tratamento, é possível que o profissional suspeite da doença e encaminhe o indivíduo para o atendimento ginecológico – responsável pelo diagnóstico da endometriose.
Contudo, existem casos em que, mesmo após o tratamento ou a cirurgia, pacientes continuam sentindo dores e incômodos na região, devido ao padrão de contração que permanece na musculatura. E é nesse momento que a fisioterapia entra, realizando o manejo dessas dores e fornecendo melhor qualidade de vida a essas pessoas.
'Eu criei uma técnica para tentar barrar as dores'
Ignorar. Esse foi o plano da estudante de jornalismo para lidar com as dores da endometriose por mais de 10 anos e, por incrível que pareça, é a técnica que muitas vítimas utilizam ao longo da vida devido à normalização da dor. Por causa da dificuldade de encontrar um anticoncepcional que a fizesse parar de menstruar e, consequentemente, bloquear a doença, Silva criou uma guerra fria com as fortes cólicas que a atormentava de mês a mês.
Em uma dessas situações, a jovem apresentava um seminário no campus Santa Mônica, da UFU. Uma pontada no abdômen a desafiava mais uma vez para o campo de batalha. Com um sorriso de canto de rosto e a maestria adquirida ao longo do tempo de parecer plena, mesmo que sentisse que algo a perfurava por dentro, Silva ignorou a rival. Outra pontada veio, ignorou novamente. Mais uma, dessa vez acompanhada do suor frio. Ignorou. A última foi impossível de resistir.
“Tive várias experiências assim, no fim eu simplesmente dormia para fazer as dores passarem. Só recentemente encontrei um remédio realmente eficaz”, relata a graduanda.
Fim da batalha?
As mensagens subiam uma após a outra. “Só quem tem endometriose entende o que a gente passa”, dizia Silva para uma amiga no aplicativo de conversas. As duas, que há anos conviviam com a doença, trocavam experiências e técnicas desenvolvidas para tentar diminuir os sintomas. Foi em uma dessas mensagens que a aparente salvação de Thuanne brotou em sua vida, mais de dez anos depois da menarca. Cento e vinte meses convivendo com fortes dores.
O número de uma médica em Uberlândia (MG) estava alí, bem na sua frente, era só ligar. Minutos depois a consulta estava marcada. Dias mais tarde os exames haviam sido feitos e o remédio comprado.
A pequena cápsula escorregou até o estômago da estudante e de lá os efeitos começaram. Não havia mais estacas no abdômen, não havia mais situações desesperadoras de dores e mal-estar, tudo isso dez anos depois.
A ginecologista explica, porém, que este não é um caso isolado. Por ser uma doença ainda em processo de estudo, não existe um remédio ou anticoncepcional que iniba os sintomas da doença, sendo necessário uma análise particular de cada situação.
Teste. Essa é a definição do tratamento para bloquear a formação de tecido endometrial fora do útero. Enquanto algumas pessoas terão seus problemas resolvidos com o primeiro medicamento recomendado, outras podem conseguir o feito somente anos mais tarde – como aconteceu com Silva. Por outro lado, existem aqueles que precisarão passar por processos cirúrgicos para remover os pontos de inflamação – tudo depende do grau em que a endometriose se encontra.
“As medicações demandam um tempo de até três meses para poder fazer efeito. Caso o paciente não possa esperar, começamos a pensar no tratamento cirúrgico”, conta Sousa.
Técnicas realmente eficazes
Ao contrário da “técnica” criada por Silva, que prolongou suas dores por mais de 10 anos, a fisioterapeuta Resende explica que algumas práticas podem contribuir para reduzir as dores sentidas na endometriose. Ela recomenda quatro exercícios sem contra-indicações para que sejam realizados em casa por pessoas que ocasionalmente possuam inflamações endometriais.
“Não aceite a normalização da dor por parte de nenhum profissional. Se isso acontecer, procure outro”, afirma a professora.
É importante ressaltar que em casos de suspeita de endometriose o ideal é procurar um médico ginecologista. Sentir dor não é normal.
O exercício alonga a musculatura da parte interna da coxa e a parte posterior da coluna. Ao uni-lo à respiração, é possível trabalhar o relaxamento do períneo. Puxe o ar e, ao soltar, tente relaxar os músculos da pelve. Evite fazer a prática em superfícies macias. Realize o exercício entre 30 segundos a 1 minuto. (Foto: Milton Santos)
O exercício alonga os músculos internos dos glúteos, intercalando entre o lado direito e esquerdo. Imagine o relaxamento da região ao soltar o ar. Realize a técnica entre 30 segundos a 1 minuto. (Foto: Milton Santos)
Exercício para alongar a musculatura interna da coxa e do assoalho pélvico. É importante manter o controle da respiração durante a técnica. Permaneça na posição por 30 segundos a 1 minuto. (Foto: Milton Santos)
Técnica alternativa para o exercício anterior. Ele também alonga a musculatura adutora da coxa e das costas. Permaneça na posição entre 30 segundos a 1 minuto. (Foto: Milton Santos)
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Palavras-chave: endometriose ginecologia Medicina fisioterapia
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