Pular para o conteúdo principal
Saúde

'Novembro Azul' por uma outra ótica

Campanhas com foco na masculinidade erram ao ignorar o fato de que não somente homens cisgênero possuem próstata

Publicado em 23/11/2022 às 14:53 - Atualizado em 22/08/2023 às 20:20

Mulheres transsexuais continuam com a próstata mesmo após a transição. (Foto: Reprodução)

Um fundo azul com o desenho de um bigode preto, grosso e com as pontas enroladas. Não é preciso de mais elementos para descrever as clássicas campanhas de "Novembro Azul" que são exploradas pelas marcas e instituições durante o penúltimo mês do ano. Mas o fato é que tal imagem, ligada à masculinidade, não representa todas as pessoas que possuem próstata.

A próstata é uma glândula localizada abaixo da bexiga, na frente do reto e que envolve a parte superior da uretra, canal condutor da urina. Presente apenas nas pessoas que nascem com sistemas biologicamente masculinos, sua função é produzir um líquido que faz parte da composição do sêmen e nutre e protege os espermatozoides.

Durante a vida, algumas pessoas não se identificam com o gênero de nascimento e passam a se reconhecer como do gênero oposto, ou como não-binárias (não se identificam com nenhum dos dois gêneros, associados tradicionalmente aos sexos masculino e feminino). Os indivíduos que se identificam com o gênero oposto ao com o qual nasceram são chamados de transgêneros.

Com isso, mulheres trans, que nasceram com sistemas biológicos masculino e fizeram a transição, possuem a próstata. A professora e ginecologista Camila Toffoli, da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia (Famed/UFU), explica que, mesmo com a cirurgia de redesignação sexual, as mulheres continuam com a glândula. "Algumas pacientes, que não são todas, optam por fazer a neovagina e nessa cirurgia é mantida a próstata", diz.

Dessa forma, é importante que esse grupo de pessoas faça o acompanhamento para a prevenção do câncer de próstata. "A prevenção continua normalmente e deve ser feita, preferencialmente, por meio do exame de toque transretal. Às vezes, pode ser optado o método do PSA, que é uma substância detectada no sangue, mas que, no caso das mulheres trans, pode estar falseada devido ao uso dos bloqueadores hormonais que podem mascarar o resultado", explica Toffoli.

Com as campanhas voltadas à masculinidade, as mulheres trans não possuem acesso amplo a tais informações e, como consequência, acabam não sabendo da necessidade da prevenção. Para a ginecologista, isso reforça a importância de incluir esse debate na sociedade. "Quando você coloca que isso é exclusivo do homem, a mulher trans, por ser mulher, muitas vezes sente que aquilo não pertence a ela e pode negligenciar a prevenção e acabar deixando passar esse câncer de próstata", alerta.

Atualmente, o Ministério da Saúde e a Organização Mundial da Saúde (OMS) não recomendam que seja realizado o rastreio do câncer de próstata em pessoas que não possuem sinais ou sintomas. Apesar disso, alguns profissionais da área recomendam que seja feito o acompanhamento por meio de exames de rotina.

Isso ocorre devido ao fato de que existem benefícios e riscos na realização anual destes exames. Entre os benefícios, destaca-se o diagnóstico precoce da doença, que pode resultar em uma intervenção no estágio inicial, o que aumenta a chance de sucesso no tratamento. "Quando o câncer de próstata é detectado e tratado no início da evolução, a gente tem alta capacidade de cura com os tratamentos médicos atualmente disponíveis. Já quando o diagnóstico é tardio, com o desenvolvimento de uma metástase ou um tumor de grandes proporções, a cirurgia é mais difícil, os danos são maiores e muitas vezes a cura já não é mais possível", compara Toffoli.

E é pensando na prevenção e no acompanhamento da saúde das pessoas trans que a UFU criou um centro especializado nesse atendimento. O Centro de Referência e Assistência Integral para a Saúde Transespecífica (Craist) é um serviço médico que possui uma equipe multidisciplinar de psicólogos, psiquiatras, ginecologistas e endocrinologistas, que fazem o tratamento tanto de saúde mental, quanto hormonal.

Embora tenha sido criado exclusivamente para as pessoas transsexuais, hoje o centro atende também pessoas que se identificam como gênero-fluido (pessoas que costumam transitar entre uma identidade e outra de gênero ao decorrer do tempo) ou queer (todos aqueles que não se encaixam na imposição da heteronormatividade e da cisgeneridade).

A professora Camila Toffoli faz parte do Craist e atua como ginecologista. Ela destaca que o principal serviço oferecido pelo centro é a terapia hormonal para pessoas transsexuais. O tratamento consiste no uso de hormônios para realizar a readequação de gênero em pessoas que desejam passar pelo procedimento. "Em relação às pessoas que nos procuram com essa demanda, a gente faz esse acompanhamento, de forma segura e seguindo os protocolos internacionais", relata.

Toffoli diz, ainda, que o objetivo é realizar o tratamento com o menor risco possível para a saúde das pessoas atendidas. É por isso que, além do acompanhamento psicológico e psiquiátrico durante o procedimento, é feita uma avaliação de saúde global. "A gente oferece serviços de atendimento e prevenção junto ao tratamento hormonal. Então, a gente faz exame ginecológico, coleta a citologia e faz avaliação mamária ou de próstata quando é o caso", afirma.

O Craist funciona não somente como um centro de apoio médico, mas também como um ambiente de acolhimento de pessoas trans. "É um local de escuta qualificada e de validação da condição dessas pessoas, que muitas vezes ficam perdidas por não terem quem entenda quem elas são e as suas necessidades", explica Toffoli.

A docente da Famed ressalta, também, que a importância do centro está no atendimento qualificado e gratuito que é oferecido: "É importante que as pessoas que são atendidas recebam um tratamento para se sentirem adequadas com o gênero ao qual elas sentem pertencer e que esse serviço seja realizado de forma segura, transparente e multidisciplinar."

O Craist está localizado no Hospital de Clínicas da UFU (HC-UFU/Ebserh), endereçado à Avenida Pará, nº 1720, no Bairro Umuarama, em Uberlândia. Para realizar o agendamento de consulta, é necessário comparecer presencialmente no local portando documento de identificação, comprovante de endereço e cartão do Sistema Único de Saúde (SUS), caso possua. Mais informações podem ser obtidas por meio do site da "Rede TRANSformação" ou pelos telefones (34) 3218-2064 ou (34) 3218-2846.

 

Política de uso: A reprodução de textos, fotografias e outros conteúdos publicados pela Diretoria de Comunicação Social da Universidade Federal de Uberlândia (Dirco/UFU) é livre; porém, solicitamos que seja(m) citado(s) o(s) autor(es) e o Portal Comunica UFU.

 

>>> Leia também:

Palavras-chave: novembro azul câncer de próstata Craist

A11y