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Ciência

Como a maior usina hidrelétrica do mundo pode afetar a velocidade da Terra?

Fatores internos e externos ao planeta impactam na rotação do globo

Publicado em 25/05/2023 às 10:48 - Atualizado em 05/09/2023 às 18:47

Concentração de massa pode ser uma das justificativas de alteração da rotação. (Foto: Pexels)

Imagine que o homem, tão diminuto frente ao universo, mas tão avançado intelectualmente e tecnologicamente, fosse capaz de alterar a velocidade ou a rotação de um planeta. Recentemente, voltou a circular nas redes sociais que a maior hidrelétrica do mundo, a usina de Três Gargantas, localizada na China, estaria afetando a rotação da Terra. Isso porque a gigante chinesa reserva cerca de 39,3 quilômetros cúbicos de água, que podem chegar a 175 metros de altura.

A história começou por causa de uma publicação feita pela Administração Nacional da Aeronáutica e Espaço, dos Estados Unidos, a Nasa, em 2005. Os estudos apontam que um terremoto que aconteceu na Indonésia e causou um dos maiores tsunamis já documentados afetou a rotação do planeta, diminuindo o período do dia em menos de três microssegundos e deslocando o Polo Norte em dois centímetros. No mesmo artigo, os pesquisadores comparam o desastre com a barragem de Três Gargantas, a qual também poderia causar uma diminuição na rotação do planeta.

Isso porque, de acordo com as leis da Física, quando se altera a conformação da massa de um corpo, o seu repouso ou movimento também é alterado. Mas, será que realmente é possível alterar a rotação da Terra por intervenção humana ou natural? Antes de respondermos, é preciso entender como essa rotação funciona.

 

A rotação da Terra

A rotação é um tipo de movimento e ocorre, por exemplo, quando um objeto tridimensional esférico gira em torno de uma linha invisível dentro de seu centro, chamado de eixo. No caso da Terra, uma linha imaginária que atravessa o centro indo de um polo a outro.

Entretanto, a Terra não é uma esfera perfeita. Além disso, existem vários mecanismos que fazem com que a rotação dela não seja regular, como o torque gravitacional exercido pela Lua e o Sol, deslocamentos de matéria em diferentes partes do planeta e outros mecanismos de excitação.

Nós, humanos, utilizamos a rotação da Terra para medir nosso tempo. Conforme o planeta gira ao redor do seu próprio eixo, ela dá uma volta em torno de si próprio em 23 horas, 56 minutos e quatro segundos, chamado de Dia Sideral. Porém, a Terra, além de ter o movimento rotacional, também gira ao redor do Sol, se movendo no espaço. Se tomarmos como ponto de referência duas passagens sucessivas pelo mesmo ponto do Sol, daí teremos o Dia Solar, de 24 horas.

Verdadeiramente, o tempo depende do ponto de referência. (Foto: Pexels)

De acordo com Altair Gomes Júnior, professor do Instituto de Física da Universidade Federal de Uberlândia (Infis/UFU), isso acontece porque, conforme a Terra rotaciona, ela também se move e o Sol volta a nascer pouco depois da Terra ter dado uma volta ao redor do próprio eixo.

Já o ano é o intervalo que leva para a Terra dar uma volta ao redor do Sol. Um ano dura cerca de 365,25 dias solares. Para ajustar esse tempo a mais dos 365 dias, existem os anos bissextos, onde, a cada quatro anos, há um dia a mais para compensar.

 

Tudo nos afeta

Não é só o girar da Terra, seja no seu próprio eixo (rotação) ou em torno do Sol (translação), que afeta nosso dia a dia. O famoso eixo do planeta está inclinado cerca de 23,5 graus. A consequência dessa inclinação é a variação da posição aparente do Sol ao longo do ano. “Durante o verão, o Sol fica a uma altura mais elevada e permanece acima do horizonte por mais tempo. Isso faz com que o clima no verão seja, em geral, mais quente. Já no inverno, o Sol fica a uma altura mais baixa e permanece acima do horizonte por menos tempo. A iluminação solar é menor e faz mais frio”, explica Gomes Júnior.

Globos terrestres são inclinados para também simularem o eixo da Terra. (Foto: Pexels)

Essa rotação do planeta acontece a cerca de 1.666 Km/h. Se ele gira tão rápido assim, por que não sentimos? Porque a Terra possui uma quantidade significativa de massa e essa massa gera força gravitacional que nos mantém presos à superfície. “A situação é parecida quando a gente amarra uma pedra em um barbante e faz o movimento para a pedra girar. A força causada pelo barbante não deixa a pedra sair voando. No caso da gravidade a situação é semelhante. A diferença é que a força gravitacional age mesmo que não estejamos amarrados à Terra”, exemplifica o físico.

 

Afinal, é possível mudarmos a rotação da Terra?

Tendo em vista como funciona a rotação do planeta, sua relação com o Sol e a inclinação do eixo, existem duas formas de alterar a velocidade da Terra, que podem ser por fatores externos ou internos. O fator externo mais importante é o efeito causado pela Lua. Como a Terra não é uma esfera perfeita, a força gravitacional do satélite causa torques sobre a Terra, desacelerando-a lentamente. Outro fator são as centenas de meteoritos que atingem a Terra todos os dias.

A gravidade da Lua, além de causar as marés, também é a principal causa de alteração na rotação da Terra. (Foto: Pexels)

Já internamente, o que pode alterar a velocidade de rotação do planeta é a alteração de distribuição de massa. “Um exemplo clássico disso é o experimento onde uma pessoa senta em um banco giratório com os braços esticados. Se ela não se mexer enquanto gira, a velocidade de rotação será constante, mas se ela encolher os braços, a velocidade de rotação aumentará. Esse é o Princípio da Conservação do Momento Angular”, detalha Gomes Júnior.

Desse modo, tanto causas naturais, como terremotos e maremotos, como causas humanas que modifiquem a distribuição de massa podem, sim, causar variação na rotação da Terra. Porém, o professor destaca que esses efeitos são imperceptíveis ao nosso cotidiano.

O Serviço Internacional de Sistemas de Referência e Rotação da Terra (Iers) é associado à União Astronômica Internacional e é responsável por medir as variações de velocidade da rotação da Terra. A variação normalmente é de um milésimo de segundo em um dia. De tempos em tempos, essa diferença atinge um segundo; é quando o Iers sugere uma adição ou remoção de um segundo do nosso relógio, conhecido como segundo bissexto. Desde a criação do serviço, cerca de 27 segundos já foram adicionados, sendo o último no fim de 2016.

 

O núcleo da Terra também está girando!

A Terra é um grande ímã com linhas de indução que vão de norte a sul. De acordo com Vinicius Roffato, professor do curso de Engenharia de Agrimensura e Cartográfica da UFU, um dos grandes desafios hoje é descobrir a origem do campo magnético terrestre. “Até o momento, existem evidências de que o núcleo da Terra possui uma grande quantidade de ferro imantado. Tem-se a hipótese de que a existência de correntes elétricas circundantes seja oriunda desse ferro, pois a Terra é altamente condutora. Mas ainda não se tem certeza da origem de tais correntes e de como foram originadas, abrindo, portanto, um campo de pesquisa para aqueles interessados”, explica.

De qualquer forma, esse campo magnético tem um papel fundamental na proteção da Terra contra partículas provenientes do Sol que vêm em direção à superfície terrestre. “Outro aspecto interessante é a questão da navegação ou levantamentos geodésicos/topográficos feitos por meio da bússola. Na maioria dos lugares na superfície da Terra, a bússola não aponta exatamente para o norte geodésico. É uma quantidade que incomoda os navegadores há séculos, principalmente porque varia com a localização geográfica”, aponta Roffato. 

Variação no campo magnético da Terra pode, inclusive, inverter os ponteiros das bússolas. (Foto: Pexels)

Por ser constituído por ferro sólido revertido por um manto semissólido, o núcleo da Terra também está girando, impulsionado pelo campo magnético. Uma pesquisa publicada na revista Nature Geoscience, em janeiro deste ano, feita por Yi Yang e Xiaodong Song, da Universidade de Pequim, aponta que, em determinados momentos da história da Terra, o núcleo não apenas mudou sua direção como pode ter parado por alguns instantes. Porém, isso não é algo cataclísmico.

“Se a rotação do núcleo muda de velocidade, então, também haveria mudança da velocidade de rotação da crosta terrestre, mas esses dois corpos possuem uma certa independência. Mesmo que o núcleo mude de direção, isso não quer dizer que a Terra como um todo começará a girar no sentido contrário”, finaliza Gomes Júnior.

Gostou do assunto? Já parou para pensar o que aconteceria se um meteorito caísse na sua casa? Por que alguns países parecem maiores nos mapas? Ou como funcionam os anéis ao redor dos planetas? Já falamos sobre isso e muito mais no Comunica Ciência.

 

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Palavras-chave: Curiosidade Rotação da Terra Física Engenharia de Agrimensura e Cartográfica Rotação Translação

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