Publicado em 22/11/2021 às 14:05 - Atualizado em 22/08/2023 às 16:51
Os efeitos das margens das estradas sobre a vegetação natural podem ser variados e impactantes. Muitas vezes a abertura dessas vias em meio às florestas, cerrados e campos fazem com que as bordas da vegetação produzam mudanças nas condições abióticas (temperatura, umidade, etc.) e bióticas (espécies animais interagentes, espécies vegetais nativas e possíveis invasoras) resultantes dos novos limites artificiais na vegetação que são criados por uma estrada.
Sabe-se que os efeitos de borda podem ter influências diretas e indiretas variáveis sobre a biota (conjunto de organismos, animais, plantas, microorganismos, etc.), que podem ser característicos de cada espécie e também do local. A abertura de uma estrada pode afetar o deslocamento dos animais, a visitação por abelhas às flores, as aves que dispersam sementes, e assim por diante.
No entanto, os efeitos de borda para a maioria das espécies de plantas e a maioria de seus respectivos componentes reprodutivos (as flores, frutos, sementes) ainda não foram avaliados, especialmente para plantas anemocóricas (dependentes do vento), que podem influenciar diretamente a estrutura do ecossistema.
Não sabemos, por exemplo, como a abertura de uma estrada no cerrado afetaria a dispersão e fixação de sementes aladas (com "asinhas") que as ajudam a se dispersar pelo vento. Elas irão mais longe? Mas cairão em um solo propício à sua germinação e ao crescimento de uma nova planta? Os polinizadores vão encontar mais facilmente ou com maior dificuldade as flores de plantas de borda do que de interior de mata?
Pensando nisso, a professora Helena Maura Torezan-Silingardi, do Instituto de Biologia da Universidade Federal de Uberlândia (Inbio/UFU), iniciou um estudo com sua equipe, tendo à frente sua aluna de Iniciação Científica, depois mestranda e hoje doutoranda na Universidade de Sevilha, na Espanha, Letícia Novaes.
A equipe contou ainda com outros estudantes, como Eduardo S. Calixto, hoje pós-doutorando na Universidade da Flórida, USA, Larissa Alves Lima, doutoranda no Programa de Pós-graduação em Ecologia e Conservação de Recursos Naturais da UFU e Marcos Lima de Oliveira, mestre em Ecologia pela UFU. O grupo, que contou também com o professor Kleber Del Claro, do Inbio/UFU, é ligado ao Laboratório de Ecologia Comportamental e de Interações da UFU.
Eles então testaram, na prática, sua teoria e o trabalho acaba de ser publicado online em uma das revistas internacionais mais importantes do mundo com alto fator de impacto (FI = 6.19), a Landscape.
O estudo, intitulado "Testing direct and indirect road edge effects on reproductive components of anemochoric plants" (Testando efeitos diretos e indiretos de bordas de estradas em componentes reprodutivos de plantas anemocóricas) está publicado em: Landscape and Urban Planning (Volume 218, February 2022). A revista impressa estará disponível apenas em fevereiro de 2022.
Os autores avaliaram direta e indiretamente os efeitos da borda da estrada nos componentes reprodutivos das plantas (abelhas visitantes florais, frutificação, herbivoria do diásporo e dispersão do diásporo) de três espécies anemocóricas (que se dispersam, espalham as sementes pelo vento) de Malpighiaceae abundantes e simpátricas (que ocorrem de forma conjunta, simultânea na natureza, nos mesmos locais) na reserva de Cerrado do Clube Caça e Pesca Itororó, em Uberlândia.
Os resultados mostraram que (i) há efeitos diretos e indiretos de beira de estrada sobre os componentes reprodutivos das três espécies de plantas anemocóricas; (ii) os efeitos da borda da estrada não foram espécie-específicos para todos os componentes reprodutivos, exceto para abelhas visitantes florais; e (iii) influências de borda nos componentes reprodutivos das plantas na área de cerrado sensu stricto [fisionomia com baixa cobertura de gramíneas e de arbustos, e mediana cobertura de árvores] são restritas a 30 m da estrada, exceto para a produção de frutos.
Os resultados sugerem que as mudanças antrópicas (causadas pelo homem) na paisagem devem ser avaliadas em detalhes, já que essas mudanças são frequentemente consideradas "insignificantes" e muitos gestores dizem que elas não causam danos negativos à estrutura do ecossistema. Mas como vemos nesse estudo, podem ter impactos negativos e graves sobre ele.
Nossos resultados são inovadores ao mostrar que uma estrada de terra estreita com pequeno tráfego de automóveis dentro da reserva pode exibir efeitos de borda diretos e indiretos em diferentes componentes reprodutivos das plantas, como as anemocóricas da família Malpighiaceae.
Normalmente esperamos que grandes edifícios, estradas pavimentadas causem mudanças na biota e em suas interações ecológicas. Mas muitas vezes desconsideramos os efeitos de pequenas mudanças antropogênicas no meio ambiente, como o de pequenas estradas de terra.
Nossos resultados mostram que (i) mesmo com maior frequência e riqueza de visitantes florais, o número de frutos produzidos não diferiu entre plantas à beira de uma estrada e plantas bem afastadas da estrada; (ii) os frutos da borda sofreram mais herbivoria; e (iii) os ventos nas bordas eram mais fortes, mas não indicam necessariamente que os diásporos (frutos alados, "com asinhas") se dispersarão ainda mais devido a taxas mais altas de herbivoria ou se dispersarão para locais adequados.
Esses resultados indicam que as influências no sistema estudado são complexas e podem ser idiossincráticas [que apresentam características diferentes dos demais] dependendo da espécie envolvida.
Assim, as mudanças antrópicas na paisagem devem ser avaliadas detalhadamente, ou seja, mudanças que muitas vezes são consideradas desprezíveis e que se acredita não causam danos negativos à estrutura do ecossistema, podem ter impactos sobre ele.
Uma medida mitigadora ou preventiva é evitar a fragmentação de áreas florestais, principalmente aquelas que podem ser facilmente evitadas, como a construção de estradas de terra que cruzam áreas preservadas.
*Helena Maura Torezan Silingardi atua nas áreas de ecologia da polinização, fenologia, herbivoria floral e interações inseto-planta; e nos programas de Pós-graduação em "Ecologia e Conservação de Recursos Naturais"e "Biologia Vegetal" da Universidade Federal de Uberlândia, e no PPG em Entomologia na USP/RP.
* Kleber Del Claro é professor titular do Instituto de Biologia da UFU desde 1992. Dedica-se ao estudo da Ecologia Comportamental e de Interações, estuda como interações multitróficas interferem sobre a diversidade e conservação de ecossistemas naturais.
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