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Extensão

Cursinho pré-Enem apoiado pela UFU dá oportunidades para membros da comunidade LGBTQIA+

Além do ensino, projeto 'Tô Passada' oferece esperança e perspectivas de futuro para o seu público-alvo, cujo acesso ao mercado de trabalho é ainda mais difícil

Publicado em 02/02/2023 às 19:15 - Atualizado em 22/08/2023 às 17:04

Aulas do cursinho ocorrem no Bloco 5R-A do Campus Santa Mônica da UFU

O sonho de entrar na universidade está presente na vida da maioria dos estudantes. Quando é dado início ao primeiro ano do Ensino Médio, logo já é introduzida nos estudos a preparação para os vestibulares e também para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Dois anos depois, quando chega o terceiro ano, o objetivo fica mais próximo e alcançá-lo torna-se uma maneira de continuar nos estudos e assegurar uma perspectiva a mais para o futuro.

Mas o fato é que nem todos possuem as mesmas oportunidades de estudo e preparação para conseguir alcançar o sonho do ingresso em uma instituição de ensino superior. As diferenças são grandes entre o ensino de uma pessoa que possui uma boa condição financeira, quando comparado ao de alguém em situação de vulnerabilidade socioeconômica.

Além disso, mazelas históricas que acompanham o desenvolvimento de nossa sociedade impõem mais um obstáculo na caminhada de pessoas que pertencem a diversas minorias, como é o caso de mulheres, de pessoas negras, e também de pessoas que integram a comunidade LGBTQIA+ (sigla que engloba lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros, queers, intersexos, assexuais, entre outras identidades de gênero e orientações sexuais que não se encaixam no padrão cis-heteronormativo).

 

Diferenças raciais e de sexo no mercado de trabalho

Para se ter uma noção, estudos comprovam que, atualmente, quando observado o mercado de trabalho, que está diretamente ligado à formação acadêmica, mulheres negras enfrentam mais dificuldades para conseguir uma ocupação formal em relação a mulheres não negras, a homens negros e a homens não negros.

Os números são referentes ao segundo trimestre de 2022 e foram revelados por uma pesquisa realizada pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). Eles mostram que, do total de mulheres negras que possuem alguma ocupação, 31,5% são vagas com carteira assinada. Já entre as mulheres não negras o percentual é de 36,8%, enquanto homens negros apresentam 37,1% de trabalhadores formais e homens não negros 39,6%.

Além disso, a pesquisa ainda afirma que a mulher negra recebeu 46,3% dos rendimentos do homem não negro no período. Dessa forma, enquanto o homem não negro recebeu, em média, R$ 3.708, a trabalhadora negra ganhou R$ 1.715. Já entre as mulheres não negras a média salarial foi de R$ 2.774, R$ 632 a mais que o homem negro, com R$ 2.142.

 

As dificuldades dos LGBTQIA+

Quando a luz é colocada sobre a comunidade LGBTQIA+, os dados revelam uma dificuldade ainda maior de inserção no mercado de trabalho. De acordo com pesquisa do “Coqual”, antigo Center for Talent Innovation, cerca de 33% das empresas não contratariam pessoas LGBTQIA+ para cargos de chefia ou liderança. Além disso, o estudo apresenta que 41% dos funcionários LGBTQIA+ afirmam já terem sofrido algum tipo de discriminação em razão de sua orientação sexual ou identidade de gênero no ambiente de trabalho.

Trazendo o recorte para o Brasil, em pesquisa feita pela empresa de consultoria Santo Caos, foi revelado que 61% dos funcionários LGBTQIA+ preferem esconder de colegas e gestores a sua orientação sexual por receio de represálias e possíveis demissões.

Quando observada a população transsexual, as dificuldades crescem ainda mais. Dados da Associação Nacional de Travestis e Transsexuais (Antra) apontam que 90% da população trans feminina tem na prostituição a sua principal fonte de renda, enquanto 6% estão na informalidade e apenas 4% trabalham com carteira assinada.

 

O projeto 'Tô Passada'

É neste cenário que se insere o “Tô Passada”, um cursinho preparatório para o Enem voltado para a comunidade LGBTQIA+. O projeto foi idealizado por três amigos e fundado em 2019, com a abertura de edital para formação da primeira turma, em 2020. Além disso, para estruturar o cursinho, foi formada uma equipe de 50 profissionais, com a participação de professores, monitores, assistentes sociais, pedagogos e psicólogos.

Idealizadora e atual coordenadora do Tô Passada, Fernanda Victor conta que os trabalhos foram iniciados de forma remota, por conta da pandemia de Covid-19, cujo início ocorreu justamente no período em que as aulas começariam. “Devido ao 'lockdown', não foi possível começar no presencial; então, começamos com o ensino remoto utilizando as plataformas do Google Meet, Classroom e Dropbox”, revela.

Todos os anos são disponibilizadas 40 vagas para uma turma. Em 2019 foram 65 inscrições para 2020, que contou com cinco aprovações no Enem. No ano seguinte, as aulas seguiram no formato remoto e o número de aprovações foi de quatro alunos(as).

Em 2022 as aulas finalmente iniciaram no formato presencial, com apoio do Instituto de História da Universidade Federal de Uberlândia (Inhis/UFU), que submeteu o projeto como atividade de extensão. Assim, o Tô Passada começou a ter suas atividades no Bloco 5R do Campus Santa Mônica.

Victor afirma que a motivação para criar um cursinho voltado às pessoas LGBTQIA+ é a identificação dos criadores, que fazem parte da comunidade. “Nós convivemos muito com esse público e sabemos o quão hostil é o mundo estudantil em relação a essas pessoas, principalmente quando falamos da parcela trans, que sempre foi muito hostilizada e teve que abandonar os estudos muito cedo”, explica.

Outro aspecto relacionado ao projeto e que chama a atenção é o fator financeiro. O cursinho não recebe nenhuma ajuda de custo e, às vezes, gera gastos para os próprios coordenadores. “O lanche que eu forneço é arcado por mim. Os panfletos também fui eu que paguei. Tudo o que fazemos é sempre comunitário. Ano passado nós nos juntamos e fizemos uma campanha de arrecadação para ajudar os alunos que não tinham condição de pagar as inscrições para o Enem”, relata Victor.

 

Impacto na vida dos alunos

Giovanna Peixoto é ex-aluna do Tô Passada e conseguiu ser aprovada no Enem, graças às aulas a que teve acesso no projeto. “Fiz parte das turmas de 2020 e de 2021 do cursinho, até conseguir a minha aprovação ainda em 2021”, conta.

Hoje ela cursa Física Médica na UFU e retornou ao cursinho em 2022 para auxiliar nos trabalhos. Está atuando como monitora da disciplina de Matemática, além de auxiliar Fernanda Victor na organização da dinâmica do projeto.

Peixoto conta que sua experiência no Tô Passada foi engrandecedora, devido a diversos fatores de acolhimento que o cursinho proporciona. “Ele tem uma proposta de não só ensinar, mas de preparar e educar também. A gente é uma família e nos esforçamos para que os meninos, além do ensino, tenham saúde, saúde mental e se sintam acolhidos dentro do espaço que a gente oferece”, ressalta.

Ela reforça, ainda, a importância para as pessoas LGBTQIA+ de se ter um espaço acolhedor para essa fase da vida, em que o desgaste para alcançar a aprovação é grande: “Quando a gente entra em um local onde as pessoas têm ciência de quem somos e estão ali exclusivamente para acolher esse fato, ajuda bastante, principalmente em um momento em que você está fragilizado e cansado, como é esse período dos vestibulares.”

 

Uma experiência para os professores

Além de acolher pessoas da comunidade LGBTQIA+, o Tô Passada possui foco naqueles estudantes em situação de vulnerabilidade socioeconômica, o que reafirma o caráter inclusivo do projeto.

Professor de Redação e Língua Portuguesa, Kennedy Júnior comenta que se juntou ao cursinho devido a essa característica. “Decidi participar do Tô Passada como um movimento político, já que sou filho da escola e da universidade pública. É preciso viabilizar a entrada e a permanência dos nossos corpos LGBTQIA+ nas instituições de ensino, para que possamos construir um universo científico que exporte conhecimento, tecnologia e proposições políticas a partir das nossas vivências”, argumenta.

Além disso, o cursinho proporciona a ele uma troca de conhecimentos que o ajuda em sua vida acadêmica. Mesmo sendo professor, Júnior declara que é possível extrair muitos conhecimentos a partir dessa experiência: “Paulo Freire diz que a teoria e a prática são elementos indissociáveis na formação dos educandos. À vista disso, posso afirmar que cursar o mestrado em Estudos Linguísticos (PPGEL/UFU) e ao mesmo tempo dar aula de Redação e Língua Portuguesa é um processo interdisciplinar, já que me subjetivo como professor pelas trocas de vivências em sala de aula com cada aprendiz.”

Em meio a todas as dificuldades enfrentadas pela comunidade LGBTQIA+, iniciativas como o Tô Passada surgem para oferecer esperanças e perspectivas de um futuro melhor para essa parcela da população.

Ou, nas palavras de Júnior, “O Tô Passada é um projeto de extensão que de fato cumpre com o seu papel de romper com as bolhas que separam a universidade da sociedade; aqui é possível sonhar e mudar realidades com o poder da educação”.

 

 

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Palavras-chave: UFU enem cursinho extensão Tô Passada LGBTQIA+

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