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Leia Cientistas

Como as redes sociais on-line contribuem com a ressignificação e o impulsionamento do futebol de mulheres?

Para o ‘Leia Cientistas’, pesquisadora analisa e descreve conteúdos publicados no X, antigo Twitter, da equipe feminina de futebol do Corinthians no segundo semestre da temporada de 2021

Publicado em 05/12/2023 às 11:35 - Atualizado em 12/01/2024 às 14:12

Desde a reativação da equipe feminina de futebol do Corinthians, em 2016, o elenco já soma 17 títulos conquistados, entre nível estadual, nacional e continental. Foto: reprodução Twitter/X do Paulistão Feminino

Mais uma temporada brasileira do futebol de mulheres foi encerrada e, novamente, uma equipe se sobressaiu. O Corinthians, com a vitória por 4 a 1 no jogo de volta do Campeonato Paulista, que aconteceu no último domingo de novembro, 26, contra o São Paulo, conquistou seu quarto título no ano. Em 2023, o clube alvinegro foi campeão da Supercopa do Brasil, Copa Libertadores, Campeonato Brasileiro e Paulista. Sendo assim, venceu tudo que disputou na temporada, repetindo o feito de 2021. Naquele ano, em questão, havia apenas a existência das últimas três competições.

Os recordes - sequência de títulos, de jogos de invencibilidade, público e bilheteria - e feitos históricos da equipe fazem com que o time seja destacado em algumas pautas sociais e da mídia tradicional. Tanto que, neste ano, todos os campeonatos mencionados anteriormente foram transmitidos por canais abertos de televisão, fechados e/ou streaming. Pensando em futebol de mulheres, que foi uma prática proibida por lei durante 40 anos, durante a Era Vargas, e sofre com vários estigmas de preconceito de gênero, esse é um grande avanço para a categoria, mas que acontece a passos lentos.

A Copa de Futebol Feminino da FIFA de 2019 foi o primeiro mundial de mulheres a contar com transmissão aberta dos jogos. A repercussão positiva e a popularização da categoria fez com que os campeonatos femininos de futebol no Brasil ganhassem novos adeptos. Porém, assim como os antigos torcedores, os novos encontram dificuldades para acompanhar as notícias e informações do futebol de mulheres que pouco é abordado na grande mídia. Uma forma de “driblar” esse obstáculo é acompanhando perfis nas redes sociais online. Clubes e criadores de conteúdo usam os aplicativos - como Instagram, Facebook e X - para divulgar e debater sobre a modalidade, como é o caso do Corinthians.

 

Prints de alguns trending topics do Twitter/X que falam sobre futebol de mulheres/Corinthians
A montagem, feita pela autora, mostra alguns momentos que o futebol de mulheres do Brasil alcançou os assuntos mais comentados do país no X, antigo Twitter, em 2021. Foto: prints do X)

O time da capital paulista foi um dos pioneiros a criar canais exclusivos para a equipe feminina nos aplicativos de rede social. O perfil no X, objeto de estudo deste trabalho, criado em janeiro de 2019, soma hoje mais de 373 mil seguidores e mais de 14 mil publicações. Por lá, é possível encontrar conteúdos que abordam: cobertura informativa sobre os jogos no que tange a datas, horários, locais, venda de ingressos, adversários, relação e escalação das jogadoras, situação médica das atletas e resultados - alguns desses itens são compartilhados em mais de uma publicação em horários, dias e formatos diferentes; cobertura em tempo real do pré-jogo e durante; entrevista pós-jogo; gols marcados nas partidas; e conteúdos interativos com os seguidores.

Para analisar e entender como as estratégias de conteúdo adotadas no perfil contribuem com a ressignificação e o impulsionamento do futebol de mulheres no Brasil, foram selecionados 270 tweets publicados no segundo semestre de 2021 - 28 de junho a 31 de dezembro. O recorte contempla o período em que o Corinthians estava envolvido em todas as competições possíveis naquele ano, que, para além das três que ele foi campeão, também tinha atletas servindo a seleção brasileira na Olimpíada de Tóquio.

A pesquisa seguiu as reflexões do acadêmico, sociólogo e teórico da comunicação e da cultura Raymond Williams, sobre cultura e suas contribuições para os estudos culturais, através da leitura feita por Maria Elisa Cevasco sobre o teórico. As reflexões que Williams faz sobre a cultura - ser residual ou emergente, dominante ou subordinada - podem ser associadas à relação do futebol de mulheres com os brasileiros, que, culturalmente, veem esse esporte como algo do universo masculino. De acordo com ele, essa tradição pode ser transformada, porém, não de forma orgânica e é nesse ponto que podemos fazer a ligação entre os conteúdos que encontramos nas redes sociais on-line com a ressignificação e crescente do futebol de mulheres, uma vez que “o processo cultural não pode ser considerado como simplesmente adaptativo, extensivo e incorporativo".

Dentro de todo recorte analisado, foi possível separar as publicações em nove eixos temáticos: efemérides, contrato profissional, atletas e/ou clube em destaque, informes do time, interações, valorização das atletas, narrativas testemunhais, entrevistas e gols da partida. Um décimo grupo foi feito, o “extras”, por ter alguns tweets que não se enquadravam nos anteriores, mas eram importantes para a análise das narrativas construídas pelo clube nas publicações que valorizam a trajetória esportiva das atletas e colocam elas como protagonistas das publicações e das conquistas do clube.

 

A autora da pesquisa, Ítana Santos, na defesa da monografia
A pesquisa foi desenvolvida para o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) em Jornalismo da pesquisadora, que concluiu a graduação na UFU em 2022. Foto: Milton Santos

Os resultados da pesquisa mostram que o futebol de mulheres está causando transformações culturais ao viver o processo de cultura emergente através das redes sociais online. E, além disso, essa transformação também está acontecendo na cobertura jornalística que, na mídia tradicional, ainda resvala em alguns costumes negativos quando a pauta é mulheres - como valorizar questões estéticas, maternidade, relacionamentos íntimos, tratar como pessoas delicadas.    

A cobertura realizada nas redes sociais on-line é um modo alternativo a essas barreiras comerciais e de visão limitada que a grande mídia tradicional tem sobre mulheres atletas. Então, essas plataformas são como refúgio para a modalidade ter a oportunidade de reescrever seus valores culturais, dar visibilidade às mulheres e divulgar informações. Os times, assim como o Corinthians, e portais independentes de conteúdo de futebol de mulheres, romperam a cultura dominante de forma não orgânica para transformar uma tradição que era residual em emergente, como refletimos com os estudos culturais de Williams.

Além disso, essa quebra da hegemonia de conteúdos pode ser percebida quando os perfis virtuais conseguem engajar uma publicação, alcançar os trending topics do X, alavancar algumas hashtags e/ou até emplacar pautas no circuito midiático tradicional.

Deste modo, a pesquisa mostra como as redes sociais on-line contribuem com a popularização do futebol de mulheres e a prática do jornalismo, e suas vertentes, a quebra da hegemonia cultural e a construção de novos valores. Mas, mesmo que esse espaço seja positivo para a modalidade, não basta ser o único, uma vez que o esporte depende muito de patrocínios, bilheteria e retorno financeiro de imagem de transmissão, ou seja, ainda precisa da cobertura da grande mídia tradicional.

A autora da pesquisa, Ítana Santos, segurando uma versão impressa da monografia e vestida com uma camisa com o nome do trabalho: "Respeita as minas"
Além da análise do objeto de estudo, a monografia defendida também conta com capítulos teóricos que fazem resgate da história do futebol de mulheres no Brasil. Foto: Milton Santos

Ítana Santos é corinthiana de alma, egressa do curso de jornalismo da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e jornalista na Diretoria de Comunicação (Dirco) na mesma instituição. A pesquisa contou com orientação da professora Nicoli Tassis que ministra disciplinas no curso e coordena o grupo de estudos “Narra”.  

 

A seção "Leia Cientistas" reúne textos de divulgação científica escritos por pesquisadores da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). São produzidos por professores, técnicos e/ou estudantes de diferentes áreas do conhecimento. A publicação é feita pela Divisão de Divulgação Científica da Diretoria de Comunicação Social (Dirco/UFU), mas os textos são de responsabilidade do(s) autor(es) e não representam, necessariamente, a opinião da UFU e/ou da Dirco. Quer enviar seu texto? Acesse: www.comunica.ufu.br/divulgacao. Se você já enviou o seu texto, aguarde que ele deve ser publicado nos próximos dias.

 

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Palavras-chave: Esporte Equidade de gênero Jornalismo redes sociais TCC pesquisa Leia Cientistas

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