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Leia Cientistas

Pseudociência e Saúde

Não é Ciência tudo aquilo que foge da aplicação dos métodos científicos

Publicado em 26/02/2024 às 08:44 - Atualizado em 28/02/2024 às 12:16

Imagem: Freepick

 

Quando tratamos de pseudociência, precisamos partir dos conceitos do que é ciência e então entender o que é pseudociência. E até entender o que não é ciência. Esta é uma discussão acalorada e não finalizada no campo da Filosofia da Ciência, mas para fins didáticos, podemos dizer que: a Ciência é a aquisição de conhecimento a partir do uso do Método Científico, ou seja, utiliza-se um conjunto de regras bem estabelecidas e validadas para reavaliar conhecimentos já existentes ou produzir novos conhecimentos.

A pseudociência é um conjunto de crenças e práticas que se apresentam como científicas, mas, em geral, é um conhecimento ultrapassado ou que não permite a reprodução dos seus resultados através do uso dos métodos científicos. Como características, essas práticas pseudocientíficas não permitem ser testadas, são frutos do conhecimento empírico, carregadas de apelo emocional e não sustentam críticas. Outra característica é que sempre se apresentam como verdades absolutas. Algumas pessoas incluem a negação do conhecimento científico como pseudociência, por exemplo, negar a eficácia das vacinas ou que estamos vivendo atualmente os efeitos das mudanças climáticas no planeta.

E o que não é Ciência? Bom, não é Ciência tudo aquilo que foge da aplicação dos métodos científicos. Geralmente, conhecimento baseado em crença.

Por exemplo, a teoria da evolução é uma teoria científica, baseada em observações feitas a partir do método científico. A teoria do design inteligente é uma pseudociência, no sentido de que ignora certas evidências ou métodos científicos e considera a interferência de uma inteligência superior que não se pode comprovar ou medir pelo método científico. O criacionismo não é científico, uma vez que está baseado na crença pessoal.

Ao longo da história da humanidade, o entendimento sobre as causas das doenças foram evoluindo, consequentemente as formas de tratá-las. Na antiguidade, acreditava-se que as doenças estavam associadas a concepções religiosas e desequilíbrio dos elementos, consequentemente os tratamentos estavam pautados em rituais religiosos e algumas práticas que utilizavam o uso de plantas.

Na Idade Média, acreditava-se na teoria miasmática como causa das doenças (essa teoria defendia que as doenças eram produzidas pelas emanações fétidas e invisíveis que provinham de matéria orgânica em decomposição). Essa ideia impulsionou o desenvolvimento de melhorias na qualidade de limpeza urbana e saneamento, já que nessa época acreditava-se que essa era a origem das doenças.

Somente a partir do século XIX, com o surgimento da bacteriologia, que o entendimento de que doenças estavam associadas a microrganismos é que os tratamentos passaram a ser mais personificados. E, no século XX, com compreensão de que existem múltiplos fatores determinantes da ocorrência das doenças é que os desafios foram ampliados, para buscar formas de desencadear ações de saúde no agente causal e atuar no que determina a ocorrência dessa doença, já com um olhar sobre a coletividade e nos determinantes socioeconômicos.

Muito do que temos hoje como pseudociência é fruto dessa evolução histórica do entendimento das doenças e de como tratá-las. A lista de pseudociências é enorme e movimenta um mercado também bastante significativo. Muitos profissionais ganham muito dinheiro oferecendo serviços ou tratamentos para as pessoas com ideias que parecem científicas, mas que se caracterizam como pseudociência. Aqui podemos incluir astrologia, terapia de conversão (ou cura gay), constelação familiar, criptozoologia, além de diversas formas de medicina alternativa.

Um exemplo bastante debatido na área da Saúde é a homeopatia. Esta área de atuação surgiu como ciência, no sentido que surgiu em substituição a algumas técnicas que geralmente não funcionavam, como a sangria. No passado, as pessoas retiravam uma quantidade de sangue de alguém doente como técnica de tratamento e, na maioria das vezes, isso não ajudava a pessoa doente. Então, alguém, lá no século XVIII, a partir de observações práticas, sugeriu oferecer água com alguma substância diluída em substituição à sangria. Naquela época, entre as práticas clínicas existentes, a homeopatia parecia mesmo uma alternativa melhor e foi considerada ciência.

Entretanto, com o avanço científico e tecnológico, hoje, no Século XXI, os cientistas conseguem provar que há alternativas melhores do que apenas oferecer água ou acreditar na memória da água, que não faz nenhum sentido, já que essa prática não pode ser testada pelo método científico. Conhecemos explicações científicas alternativas melhores que a homeopatia. Assim, a homeopatia passa a ser considerada pseudociência, com explicações baseadas, por exemplo, no efeito placebo e na dificuldade de comprovar a sua eficácia pelo método científico.

E qual é o problema de acreditar em homeopatia? Ou melhor, qual é o problema da pseudociência na área da Saúde?

Do ponto de vista individual, o uso de conhecimentos pseudocientíficos pode trazer, por exemplo, atraso no diagnóstico e tratamento de doenças, exposição a riscos desnecessários e gastos pessoais elevados em tratamentos sem comprovação científica, que geralmente são muito caros.

Do ponto de vista coletivo, temos que levar em consideração que temos recursos limitados e, por exemplo, investir dinheiro público em pseudociência ou tratamento pseudocientíficos pode trazer sérios prejuízos à Saúde Pública. Desde 2006, a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no Sistema Único de Saúde (SUS) determina que essas práticas, como homeopatia, sejam utilizadas como complementares, mas nunca devem substituir os tratamentos alopáticos que têm embasamento científico. 

Em 2011, foi criada a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias em Saúde (Conitec) que dentro do SUS, guia o Ministério da Saúde na árdua tarefa de incorporar, excluir ou alterar tecnologias em saúde de forma justa, transparente e baseada em evidências científicas. A Conitec tem imposto racionalidade ao processo de incorporação de tecnologias no SUS, substituindo decisões casuísticas por critérios técnicos rigorosos. Ao recomendar a incorporação de tecnologias com base em critérios técnicos, a Conitec evitou o desperdício de recursos públicos com tecnologias ineficazes ou de alto custo, liberando recursos para outras áreas prioritárias do SUS.

A Conitec tem trabalhado na elaboração de diversos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT), que servem como guias para o tratamento de doenças e condições de saúde no SUS, padronizando o atendimento e garantindo a qualidade da assistência.

Em alguns outros países, como Reino Unido e França, o governo também não financia mais tratamentos pseudocientíficos com dinheiro dos cofres públicos. No Brasil a Conitec precisa continuar aprimorando os seus métodos de avaliação para garantir que as decisões tomadas sejam sempre baseadas nas melhores evidências científicas disponíveis. Ademais, precisamos revisar e atualizar os PCDTs já ultrapassados, avaliando a efetividade e buscando o uso racional do dinheiro público com alternativas terapêuticas que ofereçam custo-benefício orientadas pelas melhores evidências científicas.

 

*Wallisen Tadashi Hattori é doutor em Psicobiologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e professor de Bioestatística do Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia. https://orcid.org/0000-0002-6904-0292.

**Stefan Vilges de Oliveira é doutor em Medicina Tropical pela Universidade de Brasília (UnB) e professor de Epidemiologia do Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia. https://orcid.org/0000-0002-5493-2765.



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