Publicado em 06/03/2025 às 09:04 - Atualizado em 06/03/2025 às 10:42
Nesta entrevista da série sobre "Mulheres e Meninas na Ciência", o portal Comunica UFU conversou com Ana Maria Bonetti, docente aposentada do Instituto de Biotecnologia da Universidade Federal de Uberlândia (Ibtec/UFU). Atualmente, ela colabora com as pesquisas desenvolvidas no Programa de Pós-Graduação em Genética e Bioquímica (PPGGB/Ibtec).
Com formação na Universidade de São Paulo (USP) e instituições da Holanda e Estados Unidos, Bonetti tem experiência na área de Genética, pesquisando, principalmente, a expressão gênica em abelhas. Outra área de dedicação de Bonetti é o estudo da mosca da fruta (drosophila) como modelo biológico para avaliação do potencial biotecnológico de biomoléculas. Ela também tem experiência em Educação, com ênfase em Ensino de Biologia (Genética) para o Ensino Fundamental e Médio.
Nesta entrevista, Bonetti falou sobre o início de sua carreira, opinou em relação aos desafios da mulher como cientista e revelou sua absoluta dedicação à ciência. Confira:
Quando começou seu interesse pela ciência?
Olha, eu acho que o interesse pela ciência, não com esse nome, começa na criança. Por quê? Porque ela é observadora, ela é teimosinha, de querer ir aonde não pode, de querer ver as coisas. E como eu sempre gostei muito de animais; então, aquilo ali, às vezes, me chamava atenção. Não sei se aquilo foi um embrião de amar a ciência e acreditar na ciência como eu acredito hoje. Mas, há sempre alguma coisa como mola propulsora para a gente ir adiante, né? Porque eu sempre gostei de estudar. Então, eu acabei chegando na universidade, na parte de pesquisa, e isso realmente deve ter começado bem antes.
E o interesse pela Biologia?
Ah! Isso daí é uma história bem interessante, porque o meu interesse inicial nem foi Biologia. Meu interesse inicial foi Psicologia, porque estava na moda Psicologia Clínica. Era alguma coisa chique, era muito interessante. Então, na verdade, eu prestei o exame na USP [Universidade de São Paulo] e naquela época eu tive alguma coisa, que hoje eu digo que foi uma sorte. O primeiro ano era considerado propedêutico. No segundo ano, de acordo com a sua avaliação naquele primeiro ano, você podia optar por Psicologia, Química ou Biologia. E aí, um ano de Psicologia me mostrou que, realmente, não era aquele meu interesse para continuar a minha vida inteira. Então, eu parti para a Biologia, porque eu vi que aquilo tinha mais afinidade com os meus objetivos.
E depois da graduação?
A carreira acadêmica ficou um pouco abandonada. Eu não estava pensando imediatamente em mestrado, doutorado, como é mais comum acontecer hoje. Eu fui trabalhar. Eu terminei a graduação e fui dar aula. Eu dei aula no ensino fundamental. Eu dava aula de Ciências e de Matemática. E de Biologia no ensino médio. Fiquei lecionando durante uns sete anos. Um belo dia, no final desses sete anos, eu pensei: “Eu quero fazer alguma coisa a mais. Eu acho que eu tenho potencial para crescer um pouquinho mais". Aí eu comecei a pensar no meu mestrado.
Eu pensei assim: “Eu quero voltar lá na USP, mas eu quero fazer um mestrado com o que tiver de melhor lá”. Pedi um estágio na Citologia, porque na Unicamp [Universidade Estadual de Campinas] estava despontando uma pesquisa com cromossomos politênicos e aquilo ali chamava atenção. Foi ótimo eu fazer o estágio, porque em 20 dias eu sabia que eu não gostava daquilo não. É o que eu falo com meus alunos: “Vocês vão selecionando, colocando em duas gavetas: em uma gaveta aquilo que vocês não gostam mesmo e, na outra gaveta, aquilo que vocês gostam. Porque, aí sobrando pouca coisa na gaveta do gosto, vocês escolhem aquilo que vocês querem. Então, eu tinha deixado na gaveta do que eu gosto, eu tinha deixado citologia e genética. “Bom, citologia eu já testei. Não gosto. Então, vou embora para genética para ver”.
E fui saber quem era o melhor da genética para eu falar com ele. Foi o Dr. Kerr [Warwick Estevam Kerr, entomologista, engenheiro agrônomo e geneticista reconhecido internacionalmente], claro. Eu fui falar com ele em [19]79. Ele estava voltando do Inpa [Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia]. E aí, em 1980, eu fiquei com ele, fazendo estágio, até fazer a seleção do mestrado.
Ele [Kerr] conseguiu uma bolsa e eu pedi exoneração do meu cargo de biologia na escola onde eu estava lecionando e fiquei com dedicação total ao mestrado.
Terminei meu mestrado em 1982 e pretendi ingressar no doutorado em seguida, quando eu tive um problema muito sério, que foi um acidente que me deixou fora de circulação. Isso foi em 1982, quando eu ia terminar o meu mestrado e quando eu prestei o concurso aqui na UFU. Prestei o meu concurso aqui em março, entrei em abril. Em outubro eu sofri esse acidente. E eu ia defender o meu mestrado em outubro, eu tava com tudo pronto. Eu falei para o doutor Kerr: “Olha, eu terminei o meu mestrado. Eu ia defender agora em outubro, quando eu tô sofrendo esse acidente. Eu quero defender agora, em [19]82. Se eu não defender agora, eu não vou defender esse mestrado nunca mais”. O doutor Kerr marcou a minha defesa de mestrado para o dia 31 de dezembro de 1982. Como ele era muito influente, muito importante, a banca aceitou. Quase que passamos o réveillon lá na USP. E a banca só aceitou porque era ele, não era por minha causa. E eu defendi o meu mestrado no dia 31 de dezembro de 1982.
Depois fiz o doutorado, vim para cá e fui trabalhar e continuei estudando, porque é uma coisa que a gente não pode parar nunca; e conhecimento não ocupa espaço. Faço minicurso até hoje. Quando eu vou na SBPC [Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência], se tiver algum minicurso eu faço. Eles falam: “Professora, o que você tá fazendo aqui? Você já sabe tudo disso”. Não, a gente sempre pode aprender um pouquinho mais.
Trabalhando com abelhas, eu trabalhei com regulação da expressão gênica. Para quê? Para saber: Por que rainha é rainha e operária é operária? O que elas têm de diferente, geneticamente, para uma ser rainha ou ser operária? Então, chegamos a várias conclusões. Temos vários artigos com isso.
E depois, agora, o nosso laboratório partiu para trabalhar com um organismo modelo, um organismo biológico modelo que é consagrado mundialmente, que é a drosófila melanogaster. Ela é a mosquinha da fruta, aquela que vai na banana.
E essa drosófila é muito boa como organismo modelo para a gente fazer teste para várias coisas. Ela dá respostas biológicas muito boas. E a gente pode chegar a grandes conclusões. (...) O que eu mantive de abelha foi trabalhar com o alimento da larva de abelha, porque no alimento da larva de abelha tem bactérias. Essas bactérias secretam alguma coisa que é para fermentar o alimento da abelha, para ficar bom para a abelha. Então, nós estudamos esse produto para ver se ele tem potencial biotecnológico para se tornar um fármaco para aplicação em doenças neurodegenerativas. Essa é a principal linha de pesquisa no nosso laboratório hoje em dia. Trabalhando com essa prospecção de fármacos para doenças neurodegenerativas. E essa prospecção de fármacos é feita em várias coisas, e uma delas é o alimento da larva de abelha.
Nós trabalhamos também com extensão aqui, tanto eu quanto pessoas do nosso laboratório. Eu trabalho principalmente com minicurso, para professores de ensino médio, de como ensinar genética com práticas alternativas, sem precisar de laboratório, fazendo tudo na sala de aula. Também recebemos apicultores e meliponicultores para falar sobre o manejo apícola racional, para eles terem uma abelha que produza mais. E também analisamos a aplicação de agrotóxicos. Qual a influência que eles têm nas abelhas, porque eles são prejudiciais para os polinizadores em geral e o principal produto da abelha é a polinização. Então, a gente estuda esses agrotóxicos, como eles influenciam na vida da abelha — e tem mostrado que eles são muito prejudiciais.
E a sua relação com a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, a SBPC?
A SBPC é maravilhosa, porque a SBPC, realmente, é a sociedade que é o guarda-chuva para todas as demais. É ela que leva as reivindicações de todos os cientistas deste país. E que tem uma voz forte, tem firmeza para reivindicar, tanto da população em geral quanto dos políticos, as coisas que têm a ver com a ciência. É, realmente, uma sociedade muito atuante.
E a senhora participa da diretoria...
Agora eu já não sou mais da diretoria, mas fui da diretoria por várias vezes. Conheci muita gente de lá, de fora, via SBPC. Conheci muitos pesquisadores importantes e laboratórios ótimos para onde eu posso, hoje em dia, mandar meus alunos fazer estágio. Isso é muito bom. Abriu muitas portas.
E a Ana Bonetti fora do currículo Lattes?
Olha, isso não é nem muito bom. O equilíbrio é a perfeição; tem que buscar o equilíbrio entre a vida profissional e a vida particular. Eu não consegui esse equilíbrio. Para mim, sempre foi, em primeiro lugar, trabalho. Segundo lugar, trabalho. Terceiro lugar, trabalho. A minha vida particular ficou muito em um platô lá embaixo. Ela parou, eu não deixei ela crescer junto. Cresceu muito a minha vida profissional, cresceu muito a minha vida como pesquisadora, cresceu muito a minha vida junto aos alunos que eu adoro. Eu adoro o que eu faço, eu adoro estar lá na sala de aula junto com os alunos. Eu adoro dar aula. Adoro estar aqui no laboratório com os meus orientandos, mas eu não consegui fazer a vida particular crescer junto.
Isso não é o ideal, mas agora eu acho que quando você está no trabalho, você pode até cuidar da sua vida particular, mas no trabalho você tem que ser absolutamente dedicado ao seu trabalho. Você tem que fazer o que é melhor e você tem que aproveitar todas as oportunidades.
A senhora tem um hobby?
Não tenho e isso é ruim. Deveria ter. E devia ter aplicado para aquelas coisas que eu gostaria de saber hoje e que eu não fui atrás porque eu fiquei só pensando no trabalho. Eu tenho duas mágoas: não saber tocar piano — porque era um grande sonho. Eu até tentei depois de já velha, mas não deu certo não — e não saber nadar.
Sobre dificuldades da mulher na ciência, a senhora encontrou alguma dificuldade por ser mulher nessa carreira acadêmica?
Nunca. Eu acho que a competência sempre terá lugar ao sol, seja você homem ou mulher. Eu acho que ficar nessa neura de que “Ah, porque eu sou mulher, não consigo…” Não! Batalha! Luta! Tenha foco! Mantenha o seu objetivo! Corra atrás daquilo que você quer, que você consegue. Não tem, não vai ter homem para competir com você, se você tiver foco e objetivo sério e trabalho sério. Você vai chegar lá na frente e vai ter a mesma glória que ele tem. Você vai chegar tão bem quanto um homem. Você precisa ter força e batalhar. E não ter medo de enfrentar situações difíceis, porque às vezes acontece isso. A mulher se sente frágil, fraca, e quer um braço mais forte para ajudar a subir no muro. Então, aí é ruim, porque realmente você tá mostrando que não consegue competir. Porque, se ele consegue, você vai conseguir também; então, é só ter força de vontade.
Mas há umas áreas que têm mais homens do que mulheres, como engenharia, por exemplo.
Por vontade da mulher. Você já viu a mulher que quer ser engenheira se ela desiste? Aquela que tem objetivo mesmo? “Eu quero ser engenheira!” Está cheio de ótimas engenheiras formadas aqui na UFU. Se você vai lá, tem mulher fazendo Engenharia. Tem mulher fazendo aquela coisa que até difícil falar o nome… mecatrônica. Você só pensa que só é para homem. Não! Tem mulher fazendo. Então, basta querer. Você não pode se assustar com alguma coisa. “Ah… isso aí é para homem”. Por que para homem? Medicina também não era considerado que era mais homem do que mulheres? Hoje, já não tem tanta mulher cursando Medicina e não vai tão bem? Quais as que foram, que saíram tão bem? Aquelas que tiveram foco, que tiveram objetivo e queriam mesmo fazer aquilo. Se você desiste no meio do caminho, é porque você não queria de verdade. Quando você quer de verdade, você não desiste.
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Palavras-chave: Mulheres e Meninas na Ciência
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