Publicado em 29/05/2025 às 13:05 - Atualizado em 05/06/2025 às 16:20
Minha pesquisa, desenvolvida como monografia para a conclusão do curso de Jornalismo na UFU, teve como motivação o tratamento que o tema “responsabilidade fiscal” recebe da mídia brasileira. Desde que me dou por gente, percebo o compromisso com a “responsabilidade fiscal” por parte dos jornalistas em programas de debate e pelos políticos nas campanhas eleitorais competitivas a cargos majoritários.
Leia-se como “responsabilidade fiscal” o Estado gastar menos do que arrecada, como um imperativo inquestionável, tratando do assunto sempre por uma perspectiva ortodoxa, ou seja, baseada na defesa do equilíbrio fiscal, na contenção do gasto público e na crença na eficiência autorreguladora dos mercados.
Diante disso, não pude deixar de me questionar: Por que veículos e jornalistas que discordam tanto uns dos outros sobre os mais variados temas — afinal, é natural que sujeitos de correntes ideológicas distintas pensem diferentemente a respeito das coisas — concordam quase integralmente quando o tema em debate é “responsabilidade fiscal”?
Para responder a esta pergunta, adotei como base teórico-metodológica da pesquisa os Estudos do Discurso desenvolvidos a partir da obra do filósofo francês Michel Foucault, e escolhi como corpus — o material para análise — uma matéria jornalística de caráter opinativo da Folha de S. Paulo (jornal de maior circulação do país), outra da Veja (a revista de maior circulação da nação) e uma do Valor Econômico (periódico especializado em economia com maior credibilidade junto ao mercado financeiro).
Todos os três materiais repercutiam, especificamente, um questionamento de Lula, em outubro de 2023, a respeito da viabilidade de uma meta de déficit fiscal zero em seu governo. Na ocasião, o presidente afirmou que durante seu mandato não haveria déficit zero.
Conforme mencionado, a análise discursiva foi feita com base nos Estudos Discursivos Foucaultianos. Essa corrente teórica entende os discursos, incluindo os jornalísticos, como práticas que organizam a maneira como determinados temas podem ser pensados, debatidos e considerados legítimos pela sociedade. Assim, diante do percurso analítico, foi possível descrever como a mídia hegemônica brasileira constrói o conceito de responsabilidade fiscal de modo a dar voz a visões econômicas ortodoxas, ao passo que exclui perspectivas alternativas.
Isso foi demonstrado a partir da identificação de três regularidades discursivas no corpus. E por regularidades não me refiro à mera repetição de temas, mas às regras que permitem aos discursos aparecerem com reconhecida legitimidade. Dito isto, os três princípios reguladores do discurso apontados por mim foram: a interdição, o uso do mercado como termômetro para avaliar decisões e a iminência da crise como demanda por austeridade.
Por meio da interdição, os três textos analisados excluem do campo de possibilidades do debate econômico todos os pontos de vista desalinhados à ortodoxia fiscal. Desta maneira, qualquer perspectiva que defenda um papel mais ativo do Estado na economia é prontamente rechaçada do debate econômico, na mesma medida que é ridicularizada — fator que limita o debate e reforça a ideia de que existe apenas uma maneira de se conduzir a política fiscal.
A segunda regularidade observada foi o uso do mercado como parâmetro máximo de legitimidade. Como consequência, em todos os três textos os critérios para se aferir a qualidade de uma política econômica não são os seus resultados sociais, e sim as reações do mercado financeiro a ela. Sendo que essa referência constante às reações do mercado lhe confere um status de autoridade neutra e técnica em vez do que ele de fato é: parte de um jogo de interesses que de imparcial nada tem.
Por fim, destaquei a constante chamada da crise como uma demanda por austeridade, uma vez que os textos mobilizam a possibilidade de desequilíbrios fiscais, fuga de capitais ou instabilidade econômica como uma ameaça permanente que justifica a necessidade de cortar gastos, de um modo que cria-se um cenário em que a austeridade fiscal não aparece como uma escolha política, mas como uma exigência inevitável para se precaver de um colapso econômico.
No fim, compreendi que, nos textos analisados, a responsabilidade fiscal não é apresentada como uma escolha política entre outras possíveis, mas como uma necessidade técnica, neutra e inevitável. Então, a partir desse funcionamento discursivo, o debate público sobre economia se estreita, pois alternativas que se afastam da ortodoxia fiscal são invisibilizadas ou deslegitimadas.
Pedro Krüger, é jornalista e pesquisador recém-graduado pela UFU. Participa do grupo de estudos Interfaces em Comunicação Pública da Ciência, Tecnologias e Educação: políticas públicas, comunicação digital e métricas, divulgação científica (CPCienTE) e teve contato com a pesquisa por meio de dois projetos de iniciação científica, ambos voltados para o tema Comunicação Pública da Ciência em instituições de ensino.
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