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Leia Cientistas

Quase metade dos universitários brasileiros realizaram automedicação durante a pandemia de covid-19

Artigo desenvolvido por pesquisadores da UFU e da Uniube constatou os percentuais de estudantes que consumiram analgésicos, antibióticos e antidepressivos

Publicado em 23/06/2025 às 11:17 - Atualizado em 25/06/2025 às 14:19

Utilização desses fármacos podem estar relacionados à facilidade de acesso, a venda livre de prescrição e a subestimação dos risco. (Foto: Freepik)

 

A automedicação é definida pelo consumo de medicamentos sem prescrição ou recomendações de profissionais da saúde, com intuito de aliviar sintomas e tratar comorbidades e enfermidades autodiagnosticadas. Essa prática pode gerar riscos à saúde do estudante, como reações adversas, dependência química, intoxicações e até o óbito. 

Em razão desses perigos, os universitários Nikolas Lisboa Coda Dias, Beatriz Guerra Santos, Maria Eduarda Puga Rezende e Lívia Danielle de Oliveira Pereira e os docentes Stefan Vilges de Oliveira e Wallisen Tadashi Hattori conduziram um projeto de pesquisa sobre o perfil epidemiológico da automedicação por estudantes universitários brasileiros, durante a pandemia da covid-19. Esse projeto foi desenvolvido pela Liga Acadêmica de Saúde da Família e Comunidade (LASFC) e aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) no final do ano de 2021. 

Nós escolhemos essa temática devido aos múltiplos fatores que poderiam levar estudantes universitários ao consumo de medicamentos, como o medo da infecção pelo coronavírus, o estresse associado ao sistema de educação remoto, o excesso de atividades universitárias para repor o atraso ocorrido no início da pandemia e a angústia produzido pelo grande número de fake news e outras informações não comprovadas cientificamente. 

Nós realizamos a coleta dos dados utilizados nesse projeto em janeiro de 2022 utilizando um formulário desenvolvido no Google Forms, divulgado no perfil da LASFC no Instagram. Buscamos alcançar estudantes de diferentes cursos e diferentes regiões brasileiras através do envio desse formulário aos endereços eletrônicos dos departamentos responsáveis pela coordenação de diversas universidades. 

Para divulgação de nossos achados, realizamos a divisão dos resultados em alguns manuscritos, como o artigo intitulado “Análise epidemiológica da automedicação do kit-covid por estudantes universitários, durante a pandemia de covid-19, no Brasil”. Esse estudo foi publicado na revista Saúde & Meio Ambiente: Revista Interdisciplinar em março de 2024 e, posteriormente, foi divulgado pelo Comunica UFU. A principal ênfase deste estudo foi analisar especificamente a automedicação de hidroxicloroquina, azitromicina, ivermectina e corticoides pelos estudantes, durante a pandemia. 

Posteriormente, em 6 de Maio de 2025, publicamos o artigo intitulado “Perfil epidemiológico da automedicação por estudantes universitários, durante a pandemia da covid-19, no Brasil”. Este estudo teve como objetivo analisar o perfil dos alunos que realizaram a automedicação, os fatores que podem ter influenciado essa prática e analisar as classes de fármacos que foram consumidos. Nosso estudo foi publicado na revista ABCS Health Sciences e foi traduzido para o inglês pela equipe deste periódico.

Este estudo se diferencia do primeiro manuscrito pela avaliação da automedicação de medicamentos não relacionados ao Kit-covid. Para analisar os dados obtidos, calculamos a prevalência da automedicação, considerando-se o sexo, a faixa etária, o curso universitário, a região federativa e presença de comorbidades. 

Identificamos prevalências de 14,32% e de 48,44% de estudantes que realizaram a automedicação, respectivamente, do Kit-covid e de medicamentos não relacionados ao Kit. Essas disparidades entre as prevalências podem indicar tanto uma hesitação de confirmar o consumo do Kit-covid, em razão do rótulo negativo adquirido por esses medicamentos, mesmo com a garantia de anonimato durante a coleta de dados. Por outro lado, é possível que a propagação de evidências científicas que desmistificam as fake news podem ter contribuído para reduzir a automedicação do Kit em relação aos outros medicamentos. Diferentemente do artigo sobre o Kit-covid, tivemos participantes de todas as regiões brasileiras.

Em ambos estudos, identificamos uma predominância de estudantes do sexo feminino, da faixa etária de 20 a 24 anos e da região sudeste. A juventude é considerada uma época de maior exposição a situações de risco, como a prática de automedicação. 

A automedicação por estudantes do sexo feminino pode ser estimulada pelo excesso de tarefas universitárias e domésticas e a maior preocupação com a própria saúde e o bem-estar da família, durante a pandemia da covid-19. No segundo manuscrito, identificamos que os estudantes do sexo feminino tem uma chance 1,87 vezes maior de praticar automedicação que os alunos do sexo masculino. Isso pode estar relacionado à ocorrência de dores e cólicas durante o período menstrual.

No primeiro manuscrito, evidenciamos que a maior parte dos estudantes que consumiram o Kit-covid estudavam em cursos da área de Ciências Sociais Aplicadas, enquanto no segundo manuscrito a maior parte dos alunos que realizaram automedicação de medicamentos não relacionados ao Kit-covid frequentavam cursos de áreas das Ciências da Saúde. 

Enfatizando-se os achados do segundo manuscrito, apesar da predominância de estudantes da saúde, os estudantes de cursos da área de Ciências Sociais Aplicadas apresentaram chance 1,78 vezes maior de automedicação, durante a crise sanitária pela covid-19. Isso foi relacionado ao menor acesso aos estabelecimentos de saúde pelos universitários. Em contrapartida, outras pesquisas sobre automedicação detectaram que estudantes de medicina e enfermagem apresentavam chance maior de automedicação. Isso foi relacionado ao maior contato com instituições hospitalares e o número de semestres completos do curso de graduação.

Além disso, no segundo artigo, detectamos que 89,24%, 50%, 25,26%, 20,43% e 10,75% dos estudantes consumiram, respectivamente, analgésicos, anti-histamínicos, antinauseantes, antibióticos e antidepressivos, durante a pandemia. Foram citados 433 princípios ativos de substâncias consumidos via automedicação, como o monoidrato de dipirona (19,40%), o ibuprofeno (8,78%), o acetaminofeno (8,55%), a loratadina (6%), a nimesulida (3,93%), o dimenidrinato (2,08%), o cloridrato de sertralina (1,39%) e antimicrobianos da classe das penicilinas (1,39%).

A utilização desses fármacos podem estar relacionados à facilidade de acesso, a venda livre de prescrição e a subestimação dos riscos de efeitos adversos pelos universitários. Além disso, cerca de 62,75% dos participantes relataram possuir comorbidades. Em razão disso, parte dessas substâncias podem ter sido consumidas para alívio de alergias, dores e  comorbidades apresentadas pelos estudantes, desde o período pré-pandêmico.

Nós relacionamos o consumo de medicamentos relacionados à saúde mental ou de transtornos de saúde mental e pela influência de notícias sobre a mortalidade pela covid-19. Também destacamos o risco de resistência aos antimicrobianos induzido pela automedicação, já que outras pesquisas científicas detectaram um aumento de mecanismos de resistência por algumas bactérias, durante o período emergencial. 

Assim como os achados descritos no primeiro manuscrito, observamos que o consumo de antimicrobianos, como a ivermectina e azitromicina pode ser incentivado por notícias falsas e informações não embasadas cientificamente. Por isso, reforçamos a ineficácia da utilização do Kit-covid como evidenciado em outras pesquisas científicas.

Nossos achados contribuem, portanto, para prevenir o descuido e a negligência com a automedicação tanto na atualidade quanto em períodos de crise sanitária. Além disso, nossos achados auxiliam no desenvolvimento de medidas para desestimular a automedicação a partir de dados consolidados pela ciência.

Para realizar de forma mais ativa a prevenção da automedicação, nosso projeto de pesquisa funcionou como base para o desenvolvimento do projeto de extensão “Riscos da automedicação pelos universitários”, o qual foi divulgado anteriormente pelo Comunica UFU

Esse projeto foi conduzido pelos estudantes do curso de graduação em Medicina, Lucas Barbosa Silva, Luíza de Freitas Rangel, Nikolas Lisboa Coda Dias e Nattan Afonso Mariano, sob a supervisão dos docentes Wallisen Tadashi Hattori e Stefan Vilges de Oliveira do Departamento de Saúde Coletiva (Desco) da Faculdade de Medicina (Famed) da UFU. Ademais, esse projeto de extensão foi desenvolvido através do perfil da LASFC no instagram.

As ações extensionistas também geraram a publicação do artigo “Saúde do estudante universitário: Relato de Experiência sobre os riscos da automedicação” na Revista Conexão UEPG, em 4 de dezembro de 2024 e no Comunica UFU em 2 de janeiro de 2025.

Outras pesquisas tanto dos projetos de extensão quanto de pesquisa foram apresentados no evento científico “Semana Científica do Curso de Medicina da UFU” e publicados por meio de resumos que abordaram a automedicação do kit covid, de antibióticos e medicamentos psiquiátricos, de analgésicos, antitérmicos e anti-histamínicos e a epidemiologia da automedicação através de análise de correspondência nos “Anais da Semana Científica do Curso de graduação em Medicina da UFU” em 2024.

 


*Stefan Vilges de Oliveira é professor do Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia. Coordena o projeto de extensão Boletins Epidemiológicos de Uberlândia e é líder do grupo de pesquisa em Ecoepidemiologia de Zoonoses.


A seção "Leia Cientistas" reúne textos de divulgação científica escritos por pesquisadores da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). São produzidos por professores, técnicos e/ou estudantes de diferentes áreas do conhecimento. A publicação é feita pela Divisão de Divulgação Científica da Diretoria de Comunicação Social (Dirco/UFU), mas os textos são de responsabilidade do(s) autor(es) e não representam, necessariamente, a opinião da UFU e/ou da Dirco. Quer enviar seu texto? Acesse: www.comunica.ufu.br/divulgacao. Se você já enviou o seu texto, aguarde que ele deve ser publicado nos próximos dias.

  

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Palavras-chave: Epidemiologia automedicação Universitários pandemia COVID-19

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