Publicado em 03/03/2023 às 14:05 - Atualizado em 13/12/2023 às 11:59
Série Mulheres e Meninas na Ciência apresenta Aleska Trindade, mulher PCD e pesquisadora sobre a temática em Uberlândia. (Foto: Marco Cavalcanti)
Poderia ser um dia qualquer, uma hora que talvez Aleska Trindade nunca se lembre, mas são assim que os pequenos momentos de conquista acontecem. Diante da luz do computador, seus dedos deslizavam sobre o mouse e percorriam todo o formulário que, aos poucos, ia sendo preenchido. O seu conteúdo não importa, muito menos para onde ele iria depois que a jovem de 26 anos clicasse no botão “enviar”. Por outro lado, uma pequena seção escondida no meio da página e que dizia “selecione a sua profissão” registrou aquele momento para sempre.
Depois de rolar a seta por cada um dos ofícios, ela parou. Parou até se dar conta do que havia acontecido. Parou e, por um instante, foi como se toda a sua vida passasse diante dos seus olhos. Ela marcou a opção “cientista” e, pela primeira vez, se viu como tal.
O momento, que, para alguns, pode ser apenas mais um em seu cotidiano, para outros, como Trindade, representa uma quebra de preconceitos e barreiras que ela encontrou em cada espaço que chegou a ocupar. Como mulher com deficiência, desde a sua iniciação científica no curso de História da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), buscou trazer a comunidade de pessoas com deficiência (PCD) para o protagonismo dentro e fora da plataforma Lattes.
E o desejo de mostrar que os espaços devem se transformar para receber pessoas diversas permanece em suas pesquisas que se seguirão ao longo do mestrado.
Conheça hoje, na série Mulheres e Meninas da Ciência, a pós-graduanda Aleska Trindade, mulher, negra, PCD e que mostra que não há sonhos que ela não alcance sobre duas rodas.
Aleska Trindade segurando o livro 'Feminismo das Maiorias', no qual ela pôde contribuir com um capítulo sobre feminismo e deficiência. (Foto: Arquivo Pessoal)
Quem é Aleska Trindade?
Eu sou formada pelo curso de História, licenciatura e bacharelado pela UFU e iniciarei o meu mestrado, agora, no dia 14 de março. Sou uma mulher com deficiência, estudo acessibilidade e a causa PCD, tentando conduzir a minha pesquisa de forma que ajude a sociedade a entender as discriminações e preconceitos, além da variedade de pessoas e corpos que ocupam os diversos espaços em comunidade.
Quando surgiu o seu desejo de ser cientista?
Muita gente diz que a veia de pesquisadora surge antes mesmo da graduação, mas comigo aconteceu quando eu entrei no curso de História e percebi que ainda lá eu encontrava algumas limitações, tanto em acessibilidade quanto em inclusão. A partir disso eu quis entender esses fatores para além da minha experiência enquanto PCD, através do conhecimento teórico e social. De forma que eu possa colocar esses indivíduos em protagonismo e evidenciar que, ao contrário do que se pensa, não são eles que devem se adaptar aos ambientes e, sim, o contrário.
Você poderia falar mais um pouco sobre a sua pesquisa?
Ao todo, somam-se três pesquisas desde a iniciação científica. Na IC, eu busquei fazer um recorte voltado para a inclusão e acessibilidade nas escolas. No TCC [Trabalho de Conclusão de Curso], eu passei a entrevistar pessoas com deficiência e entender suas experiências em Uberlândia por meio do método da história oral. E, agora, no mestrado, irei estudar as invisibilidades e experiências da história PCD no município, principalmente voltado para as relações de poder que limitam as experiências vividas por esses sujeitos. Nós, portadores de deficiência, por diversas vezes, queremos ocupar inúmeros espaços, mas, por um pensamento histórico capacitista, essas oportunidades nos são negadas ou dificultadas.
Durante a pesquisa, a visão que você tinha sobre si mesma foi transformada?
Sem dúvidas! Quando você começa a pesquisar um tema no qual está inserido, você passa a se dar conta das opressões da sociedade e como isso está presente na sua vivência acadêmica. Antes de ser pesquisadora, falando somente enquanto PCD, eu não achava que poderia fazer muito e, hoje, estar na ciência me provoca a provocar outras pessoas a terem um olhar mais sensível para o que está acontecendo ao nosso redor. Por isso, prezo sempre por escrever e falar com uma linguagem simples e que todos compreendam. Ser pesquisadora mudou a minha vida!
E, por pesquisar acessibilidade, muitas indignações sobre os espaços que você ocupa começaram a surgir?
A gente entra na universidade imaginando que lá será um mundo perfeito, mas problemas existem em todos os lugares. Há muito o que melhorar, principalmente as questões que vão além dos muros da universidade. Eu tive problemas para realizar estágios supervisionados porque a escola não era acessível para mim. Participei do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (Pibid), e a escola também não possuía acessibilidade, de forma que eu fiquei seis meses sem entrar em uma sala de aula. Tive experiências maravilhosas no curso que me fizeram ser a pessoa que sou hoje, mas também vivenciei certas dores que me provocaram a estudar mais ainda sobre o tema. Afinal, se eu não falar, quem vai falar? Poder transformar minhas vivências em pesquisa é simplesmente maravilhoso.
A historiadora pretende levar os temas de inclusão e acessibilidade para o mestrado e, futuramente, para o doutorado. (Foto: Marco Cavalcanti)
Houve algum acontecimento durante a vida acadêmica que te marcou?
Chega um momento do curso de História em que nós temos as viagens de campo, e eu, enquanto aluna e pesquisadora, também quis acompanhar a minha turma nesses passeios. Quando foi falado que iríamos conhecer o Rio de Janeiro, eu logo me prontifiquei e disse que também gostaria de ir e que faria tudo o que fosse preciso para que todos os alunos tivessem a oportunidade de viajar. Conversei com a minha professora da época, que era a Jorgetânia Ferreira, e afirmei que também gostaria de ter essa experiência como os outros. A partir disso, ela começou a me ajudar com todas as necessidades. Vendi trufa na UFU para pagar uma enfermeira para me acompanhar, afinal, eu não queria ser a única aluna que levaria a mãe para a viagem [risos]. No final deu tudo certo; são coisas que só a pesquisa nos proporciona.
Trindade no Rio de Janeiro, em viagem com o curso de História. (Foto: Arquivo pessoal)
Para você, o que é ser mulher hoje?
Eu faço aniversário no dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher, e ultimamente eu tenho pensado muito sobre isso. Ser mulher, para mim, hoje, é ter liberdade de falar e escrever o que eu quiser, principalmente de poder usar a ciência para me libertar e libertar outras mulheres.
Se você pudesse deixar um recado para a Aleska do passado, qual seria? E para outras mulheres como você, que desejam entrar na pesquisa?
Eu diria para ela não desistir e continuar sonhando. Os obstáculos vão vir, mas eles te farão crescer e evoluir. Além disso, eu contaria para ela que ela será uma historiadora e pesquisadora, porque eu acho que ela não acreditava muito nisso [ri].
Para outras mulheres como eu, eu diria que a ciência tem espaço para todas. Existem pesquisas diversas; tudo é muito bem-vindo. Nós todas juntas podemos muito mais!
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