Publicado em 14/05/2019 às 14:13 - Atualizado em 22/08/2023 às 16:56
A marca Star Wars vai além do cinema: está em brinquedos, roupas e outros objetos de consumo (Foto: Pexels/Pixabay)
“Você agora está vestida com um grande exemplo de intermidialidade, que cabe inclusive dentro desses estudos”, disse o professor Ivan Marcos Ribeiro sobre a camisa de Star Wars que coincidentemente eu usava no dia da entrevista. “É uma nova roupagem de elementos, que às vezes estão numa estante ou num filme, e de repente se tornam consumo. Não é mais só ir à biblioteca, ao cinema, ao teatro, mas você estar respirando isso tudo.”
Romeu e Julieta na Turma da Mônica. Mulher Maravilha e feminismo. Jorge Amado em livros, cinema e televisão. Como essas diferentes linguagens se relacionam? Em que diferem? É o que investiga o Grupo de Pesquisa sobre Mídias, Literatura e Outras Artes, vinculado ao Instituto de Letras e Linguística da Universidade Federal de Uberlândia (Ileel/UFU), coordenado por Ribeiro e pelos professores Leonardo Francisco Soares e Fábio Figueiredo Camargo.
O grupo tem três linhas de pesquisa: Intermidialidade, que investiga as relações entre literatura e outras mídias; Homocultura e Linguagens (da qual falamos na reportagem Pesquisa da UFU analisa cenas homoeróticas na literatura brasileira); e Literatura e cinema: formas e processos narrativos, que analisa a relação entre esses dois sistemas semióticos.
“Acabar com uma certa hierarquia entre as artes, possibilitar que outros leitores sejam pensados aqui dentro, o leitor do quadrinho, do jogo eletrônico... Isso é uma forma de pensar a sociedade. Isso é uma marca desse grupo quando a gente trabalha com entretenimento”, afirma Soares. “Pensar o que a nossa sociedade consome culturalmente, pensar a história dessa arte, do diálogo da literatura com o cinema, com a pintura, com as artes plásticas, isso é algo que também é uma memória. Em um estudo de intermidialidade e literatura comparada não é só o objeto que é comparado; são culturas que são comparadas”, completa.
Provocação ao cânone
A relação entre literatura e outras artes sempre existiu, mas começa a ser pensada no fim dos anos 1940, com a publicação de um ou outro ensaio em congresso, afirma Ribeiro. O crítico austríaco René Wellek desponta, lidando com a questão de maneira acadêmica. No Brasil, a principal pesquisadora é Solange Ribeiro de Oliveira, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
“Muitos fazem um trabalho de provocar o cânone literário. Têm muitos trabalhos com literatura, cinema, cultura do entretenimento. E muitas vezes esse material é olhado como se não fosse passível de estudo”, explica Soares. Nas áreas da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), os estudos de intermedialidades pendem às vezes para literatura comparada, outras vezes para teoria da literatura, ou ainda para estudos culturais.
“A adaptação é o primeiro tipo de relação que todo mundo consegue perceber entre literatura e outros [tipos de linguagem], cinema, principalmente, mas não se resume a essa questão”, explica Soares. Há outras formas de aproximação entre duas obras. Na dissertação de Ava Silva, que o professor orientou, a escritora brasileira Maura Lopes Cançado é relacionada à cineasta norte-americana Maya Deren. “A aproximação não é porque uma adaptou a outra, mas é pensando o tempo tanto nos contos da Maura Lopes quando nos filmes da Maya Deren”, esclarece Soares. O trabalho está disponível no Repositório Institucional.
Os professores Ivan Ribeiro (à esquerda) e Leonardo Soares (à direita), além de Fábio Camargo, integram o grupo (Foto: Diélen Borges)
Ao se voltarem para a literatura de entretenimento, os pesquisadores não querem dizer “isso aqui é igual a Shakespeare”, pondera Soares. É diferente, mas também é passível de pesquisa, reflexão e teorização. “A história literária também está fazendo isso: o que as pessoas realmente liam no século XIX? Eu até falo muito com meus alunos de Literatura Brasileira. A gente acha que eles estavam lendo Alencar? Não, eles estavam lendo aqueles romances de quinta categoria, folhetins traduzidos do francês, adaptações de literatura, e isso durante muito tempo também ficou de fora [da pesquisa acadêmica]”, aponta.
O grupo do Ileel/UFU assume essas possibilidades de repensar a cultura e o lugar dos estudos literários. No seminário final da disciplina de Literatura Brasileira, do curso de Letras, no semestre passado, os alunos apresentaram romances nacionais que não entraram nos livros didáticos e a turma debateu o por quê da exclusão. Um exemplo é a escritora Júlia Lopes de Almeida, que viveu de 1862 a 1934, mas só passou a ser estudada no século XXI graças aos estudos feministas.
“É o destino do Paulo Coelho daqui a alguns anos se vocês não começarem a fazer mestrado sobre o Paulo Coelho. Ele vai ficar esquecido”, disse Soares à turma, referindo-se ao escritor brasileiro para quem a intelectualidade brasileira costuma torcer o nariz, mas que é o segundo mais lido no mundo atualmente, atrás apenas de J.K. Rowling, autora da série Harry Potter.
A pesquisa científica em Literatura
Literatura é a arte feita a partir das palavras. Estudos literários são aqueles que se voltam para pensar esse objeto estético. Para pensar essa forma de arte os pesquisadores utilizam ferramentas variadas, como a teoria da narrativa, que se vale de conceitos como narrador, foco, personagem, espaço e tempo. Os estudos literários também dialogam com outras áreas, como História, Geografia e até a Física, se o objetivo for analisar o tempo, por exemplo.
“Por que literatura está circunscrita dentro de uma ciência humana? Porque ela pode levar a vários resultados diferentes”, explica Ribeiro. Nem o lugar do pesquisador é ignorado. “Não dá para você pegar o Shakespeare e estudar como alguém está estudando na Inglaterra. Você estará estudando Shakespeare aqui de Uberlândia. Você vai pensar esse texto estrangeiro no seu lugar de brasileiro, de um lugar periférico. A questão do sujeito pesquisador é inevitável, não dá para você apagar. Ao escolher um objeto você já está se colocando. O distanciamento é do objeto, mas não dele mesmo”, completa Soares.
Como essas pesquisas em Literatura feitas na UFU impactam a sociedade? De forma mais direta, é por meio das escolas, responde Ribeiro, porque a maioria dos alunos de mestrado e doutorado do Ileel/UFU é formada por professores que atuam na educação básica. “Eu estou há dez anos aqui e aconteceu uma coisa engraçada agora. Foi você que me fez pensar nisso”, me responde o professor Soares, sem perder a chance de relacionar seu estudo literário à minha prática jornalística ao falar de intermidialidade. “A gente teve uma aluna, a Carla Oliveira, uma baixinha com uma cara de menina; foi uma das minhas primeiras alunas aqui. Recentemente entrou uma aluna dela para o curso de Letras, a Cecília. E a Cecília veio com aquela bagagem de leituras. A Cecília gosta de cinema. Eu e o Ivan estamos aqui, e para nós passou voando, mas já tem essa formação. É uma coisa que vai e volta.”
Palavras-chave: literatura mídias cinema Letras Divulgação Científica
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