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Leia Cientistas

O ChatGPT e como as I.A. irão impactar nossas vidas e salas de aula

Engenheiro de software e historiadora refletem sobre o tema na seção Leia Cientistas

Publicado em 01/03/2023 às 14:41 - Atualizado em 22/08/2023 às 16:38

 

I.A: Stable Diffusion 1.5. Prompt: high-tech, futuristic, computers, computers with books arounds it, by Fernand Léger style Seed: 7173625 (Imagem produzida por Inteligência Artificial e enviada pelos pesquisadores)

Quem não se lembra da Vick de Eu, robô; ou do Hall de 2001, uma Odisseia no espaço; ou da malvada Skynet do Exterminador do Futuro; ou mesmo de Winston, a super I.A. do livro Origem, de Dan Brown? Inteligências Artificiais (I.A.) que aprendem e fazem coisas incríveis sempre povoaram a ficção científica, nos fazendo temê-las e amá-las. Todavia, nós nunca estivemos tão próximos de convivermos com I.A. tão incríveis quanto estamos hoje. 

É claro que essas inteligências cibernéticas não estão aqui para nos controlar ou para dominar o mundo, elas farão apenas aquilo que solicitarmos, pois elas não possuem vontade, apenas realizam rotinas. Mas, sim, elas estão vindo para mudar muita coisa, pois conseguem realizar com velocidade e precisão tarefas que antes levaríamos muito tempo para concluir. 

Essa nova etapa da revolução tecnológica nos coloca diante de um contexto que exigirá de nós, como sociedade, uma grande capacidade de reflexão e de reinvenção de estratégias, pois, para além de mudanças nas rotinas e práticas de ensino e avaliação, será fundamental que tais avanços tecnológicos sejam também problematizados em seus aspectos sociais, éticos e econômicos. É fundamental que lutemos para que ideologias destrutivas não imponham uma substituição de pessoas por sistemas. O avanço tecnológico não pode ter como resultado a precarização das vidas das pessoas, e para que isso não aconteça, somos nós, a sociedade, que precisamos estar atuantes e informados e informadas sobre os prós e os contras daquilo que a tecnologia está nos oferecendo com o desenvolvimento das I.A.

Mas, afinal de contas, o que são exatamente essas I.A.?  I.A. significa "Inteligência Artificial", que se refere à simulação da inteligência humana em máquinas que são programadas para executar tarefas que normalmente requerem inteligência humana, tais como aprendizagem, simulação de raciocínio, resolução de problemas e percepção. Ela também auxilia na tomada de decisões (apresentando dados e análises rápidas de uma quantidade muito grande de casos anteriores), mas sempre a partir de uma demanda apresentada pelo usuário. A I.A. é obtida através do desenvolvimento de algoritmos, modelos de Machine Learning e arquiteturas de Deep Learning que podem analisar grandes quantidades de dados, identificar padrões e fazer previsões com base nesses dados. A I.A. pode ser usada em uma ampla gama de aplicações, incluindo reconhecimento de fala, processamento de linguagem natural, visão computacional, robótica e muitas outras.

Ela realmente pode otimizar diversos processos e, muito em breve, tornar-se-á um recurso acessível a todos os usuários e usuárias da internet e, sem dúvida, hoje em dia, a mais citada nos fóruns de discussão é o ChatGPT.

I.A: Stable Diffusion 1.5. Prompt: computers with books arounds it, by Fernand Léger Style Seed: 1147394 (Imagem produzida por Inteligência Artificial e enviada pelos pesquisadores)

E o que é o ChatGPT?  GPT significa “Generative Pre-trained Transformer” e refere-se a um tipo de modelo de Deep Learning que é usado para tarefas de processamento de linguagem natural, tais como geração de linguagem e sugestão de texto. ChatGPT é um modelo de linguagem criado pelo OpenAI que usa a arquitetura GPT para gerar respostas de tipo humano a consultas de linguagem natural. Ele foi treinado utilizando textos da internet, isso inclui livros, artigos, Wikipedia, documentações, traduções de vídeos etc. Hoje, a versão do ChatGPT disponível para o público ainda não está conectada à internet, então ele só consegue responder  a pedidos cujos conteúdos já estejam em sua base de dados.

Todavia, embora ele ainda não esteja conectado à internet, em breve, a sua nova versão (GPT-4) estará, além de estar associada aos produtos Microsoft. E o que isso significa na prática? Embora já exista uma versão disponível na rede, ela ainda não atingiu o grande público de usuários. Com a sua integração aos produtos da Microsoft, o acesso a essa tecnologia ficará muito mais simples, uma vez que o seu computador viria com tal aplicação de forma nativa, ou mesmo, ao realizar uma pesquisa no Bing ele já traria uma resposta do ChatGPT junto a pesquisa solicitada. No final das contas, nas mãos da OpenIA, o ChatGPT é uma ferramenta interessante para quem já é da área; nas mãos da Microsoft, ele irá se transformar em uma ferramenta acessível a qualquer pessoa conectada à internet.

Ainda na senda de compreendermos o que são essas I.A., uma dúvida comum é se a I.A. copia conteúdos, construindo um “texto-frankenstein”, ou se ela seria capaz de criar um texto original. Veja, uma inteligência artificial é uma inteligência cibernética , “um cérebro cibernético”, portanto, ela não é um “super buscador”, ela não copia coisas, ela aprende e elabora. 

Essas informações nos fazem perceber que um ponto chave para entender as I.A. é perceber as I.A. aprendem, e elas aprendem seguindo os passos do próprio processo de aprendizagem de um cérebro humano. Quando observamos, por exemplo, a taxonomia dos objetivos cognitivos de Bloom, que demonstra os passos do processo cognitivo humano, vemos que as etapas vão das mais simples às mais complexas: lembrar, compreender, aplicar, analisar, avaliar, criar. Dessa forma, podemos dizer que hoje, uma I.A. após ser treinada, consegue realizar cada um dos seis passos desse processo; o que ela não consegue é algo que está para além desses seis passos, ou seja, demandar. Ela não escolhe temas a serem pesquisados, ela não escolhe assuntos a serem transformados em romance, ela não decide que um cenário será transformado em imagem, ela apenas executa tarefas a partir de demandas definidas por um humano. Ela não demanda, mas ela aprende.

E existem formas e processos para que ela aprenda, e cada modelo será treinado a partir de um método. O modelo de Machine Learning e Deep Learning utilizados, no caso do ChatGPT, é o chamado “Generative Pre-trained Transformer”. Um Generative Pre-trained Transformer (GPT) é treinado a partir de um processo chamado aprendizagem não supervisionada, onde o modelo aprende a prever a próxima palavra ou sequência de palavras em um dado texto de entrada sem ser explicitamente ensinado qual deve ser a saída correta. Isto é, realizado através de um processo chamado pré-treinamento, onde o GPT é treinado em grandes quantidades de dados de texto de uma variedade de fontes, em uma infraestrutura computacional de larga escala e pode levar várias semanas ou até meses para ser concluído.

I.A: Stable Diffusion 1.5. Prompt: computers with books arounds it, by Fernand Léger style Seed: 1851377 (Imagem produzida por Inteligência Artificial e enviada pelos pesquisadores)

Quando falamos em um banco de dados de larga escala, nos referimos a bancos superiores a 800GB, ou seja, ao solicitarmos à I.A. que elabore uma resenha, ela não irá buscar e copiar resenhas existentes; ela entende o conceito de resenha e, tendo o livro em seu banco de dados, juntamente com outros conteúdos como biografias e manuais de história, ela irá elaborar a resenha solicitada.

E se formos pensar mais ainda sobre isso, surge outra pergunta: se ela não copia, é possível falar-se em plágio ao nos referirmos àquilo que foi produzido por uma I.A.? Na verdade, legalmente, ainda não há um parâmetro para tal avaliação. As I.A., como o ChatGPT e Stable Diffusion, utilizam tanta informação em suas bases de dados que encontrar uma “origem” para acusar o plágio se torna bastante difícil, porém, uma I.A. mal treinada gerará resultados muito semelhantes ao original que ela consultou. No campo das artes, por exemplo, já foram encontradas I.A. treinadas para reproduzirem imagens a partir do estilo de um artista específico, o que nesse caso sempre irá gerar novas ilustrações muito semelhantes àquelas que o artista produziu, mas jamais iguais.

E uma vez que ela não copia, mas cria, é possível detectar se um texto foi ou não escrito por uma I.A.? Sim e não. Existem mecanismos de rastreio, mas você pode treinar uma I.A. para não ser notada por esses softwares de rastreio? Sim, e isso leva uns dois minutos, no máximo!

Sabendo agora um pouco mais sobre o que são essas I.A., podemos pensar como a presença dessas ferramentas muda o nosso processo atual de produção de conhecimento.

O ChatGPT e outras I.A., de fato, possuem a capacidade de responder perguntas simples e também de executar tarefas que antes eram muito complexas, como escrever um artigo, o código fonte de um sistema, um livro, uma resenha, construir um site etc., fazendo com que o que levávamos dias ou meses para produzir possa agora ser feito num tempo muitíssimo curto.

I.A: Stable Diffusion 1.5. Prompt: high-tech, futuristic, computers, computers with books arounds it, by Fernand Léger Style Seed: 2926241 (Imagem produzida por Inteligência Artificial e enviada pelos pesquisadores)

Para nós, educadoras e educadores, que estamos acostumadas e acostumados a recorrermos às resenhas, resumos, fichamentos, pesquisas e artigos como instrumentos de avaliação, é inegável que a presença dessas I.A. nos coloca diante de uma necessidade de reavaliação de estratégias.

Há muito tempo que o campo da Educação vem debatendo e criticando o ensino conteudista e as atividades voltadas para a aprendizagem mnemônica. Os avanços da tecnologia, a cada dia que passa, deixam claro que o trabalho mais importante com os nossos alunos, sobretudo hoje, não é mais o de acumular ou mesmo articular informações, pois isso eles podem obter com um clique. 

Mesmo no campo da avaliação docente, a presença das I.A. irá, em breve, impor um redirecionamento na mentalidade produtivista que os órgãos de fomento vinham adotando para a valorização do trabalho dos professores e pesquisadores de ensino superior. Com as novas possibilidades de coleta, seleção e elaboração de conteúdo, acreditamos que as ações de extensão, trabalhos de campo, entrevistas, projetos de intervenção, coleta de relatos, investigação em arquivos físicos e construção de arquivos digitais sejam cada vez mais valorizadas, pois só poderão ser realizadas por nós, e não pelas I.A.

Acreditamos que seja plenamente possível para as Ciências Humanas utilizarem os materiais elaborados pelas I.A. como materiais de apoio, complementando e otimizando as etapas de rastreio e coleta básicas de informação, sobretudo, porque as I.A. não possuem raciocínio lógico próprio (ainda!) e, portanto, elas não são infalíveis. Uma I.A. mal treinada ou com poucos dados sobre um assunto pode fornecer uma informação incompleta ou incorreta, portanto, a presença do estudioso humano para a avaliação final da informação, ainda é de suma importância.

Quanto à sala de aula, da mesma forma que se discutiu sobre a integração dos celulares ao trabalho escolar — não sendo mais encarados como inimigos, mas como aliados na pesquisa — as I.A. e seus produtos precisam ser entendidos como aliados do trabalho do aluno e do professor.

Quanto aos instrumentos de avaliação, se por um lado a capacidade de elaboração de textos de I.A., como o ChatGPT, tornam resumos e pesquisas exploratórias ferramentas avaliação ultrapassadas, por outro, acreditamos que revitaliza e dá novo sentido aos seminários, rodas de discussão e atividades avaliativas presenciais. 

Elas irão substituir o trabalho humano? Não sabemos, mas, para que isso não aconteça, nós, como sociedade, precisamos definir os nossos limites, cotas, proporções e preferências, como foi no passado em relação à música ao vivo nos bares, ou aos filtros nas chaminés de indústrias que trabalham com agentes poluentes. Não são lutas fáceis de serem vencidas, pois enfrentam os interesses do capital, mas são batalhas importantes de serem travadas. Por enquanto, é importante que possamos entender essa ampla capacidade das I.A. em interagir e elaborar produtos que sejam oriundos do universo digital, e também, termos claro que ela, por enquanto, possui limites, não cria demandas e não consegue definir ou decidir o que pode ou deve ser feito com toda a informação que elas conseguem articular. Não conseguem, por enquanto... Quando irão conseguir? Não sabemos. Mas, na velocidade em que essa área está se desenvolvendo, não vai demorar.

I.A: Stable Diffusion 1.5. Prompt: high-tech, futuristic, computers, computers with books arounds it, by Fernand Léger Style Seed: 7173627 (Imagem produzida por Inteligência Artificial e enviada pelos pesquisadores)

 

Referências

CARVALHO, André Carlos Ponce de Leon Ferreira de. Inteligência Artificial: riscos, benefícios e uso responsável. ESTUDOS AVANÇADOS 35 (101), 2021.

GOMES, Dennis dos Santos. Inteligência Artificial: Conceitos e Aplicações. Revista Olhar Científico – Faculdades Associadas de Ariquemes – V. 01, n.2, Ago./Dez. 2010.

PALLOFF, R. M. e PRATT, K. O aluno virtual. Porto Alegre: Artmed, 2004.

VEMPRALA, Sai; BONATTI, Rogerio ; BUCKER, Arthur, KAPOOR, Ashish. ChatGPT for Robotics: Design Principles and Model Abilities. Microsoft, 2023-2-20. Disponível em https://www.microsoft.com/en-us/research/uploads/prod/2023/02/ChatGPT___Robotics.pdf. Acesso em 27 fev 2023.

 

*Gabriel Silva de Almeida foi TechManager da Sankhya e atualmente é engenheiro de Software da QikServe. Estudou Computação e agora estuda Cinema.

*Ivete Batista da Silva Almeida é docente do Instituto de História da Universidade Federal de Uberlândia (INHIS/UFU), membra do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (NEAB/UFU) e do Centro de Referência em Educação Popular do Norte de Minas/ Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig).

A seção "Leia Cientistas" reúne textos de divulgação científica escritos por pesquisadores da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). São produzidos por professores, técnicos e/ou estudantes de diferentes áreas do conhecimento. A publicação é feita pela Divisão de Divulgação Científica da Diretoria de Comunicação Social (Dirco/UFU), mas os textos são de responsabilidade do(s) autor(es) e não representam, necessariamente, a opinião da UFU e/ou da Dirco. Quer enviar seu texto? Acesse: www.comunica.ufu.br/divulgacao. Se você já enviou o seu texto, aguarde que ele deve ser publicado nos próximos dias.

Palavras-chave: Leia Cientistas inteligência artificial ChatGPT história Computação Neab

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