Publicado em 14/07/2023 às 16:48 - Atualizado em 22/08/2023 às 17:04
Evento contou com grande público para prestigiar Kabengele Munanga. (Fotos: Milton Santos)
Antes do evento começar, já no auditório, o professor Kabengele Munanga inicia a conversa com palavras firmes e profundas, elencando que há três caminhos clássicos para a promoção da igualdade étnico-racial no Brasil. Antropólogo e renomado pesquisador na área de antropologia da população afro-brasileira, com foco no estudo do racismo na sociedade brasileira, ele destaca que as leis, a educação e as políticas públicas devem caminhar juntas no enfrentamento ao racismo.
Para o professor, as leis, quando funcionam, podem reprimir as pessoas a cometerem crimes que vão de encontro aos interesses da comunidade. O segundo caminho é a educação. “Através da educação, se forma pessoas machistas, sexistas, homofóbicas. Tudo passa pela educação. E só a própria educação pode corrigir esses monstros que formou e também criar novos jovens, cidadãos, para saber como conviver com as diferenças e com a diversidade.”
Munanga ainda afirma que as leis não resolvem todos os problemas sociais porque punem o que é visto em atos discriminatórios. Já a educação pode combater os preconceitos que estão impregnados nas mentes que foram construídas com uma educação racista. Porém, deve ser acompanhada de políticas públicas macrossociais e focadas em públicos específicos para solucionar as adversidades. Entre elas, destaca-se a política de cotas.
A importância de falar sobre isso relaciona-se ao evento que aconteceria logo em seguida. Munanga veio à Universidade Federal de Uberlândia (UFU) para participar da banca de mestrado de Léa Aureliano de Sousa, professora da Escola de Educação Básica (Eseba), membro da Coordenação de Educação Básica e Técnica e Coordenadora executiva do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (Neab).
Assim que Sousa teve contato com o professor, o escolheu para avaliar sua dissertação. “Acontece que, à medida que eu fui avançando, já estava na fase de finalização, eu vi e pensei que seria muito egoísmo deixar que ele ficasse tão limitado a um grupo pequeno de pessoas, entendendo que ele tem um trabalho tão bonito que impacta tantas vidas”, contou a mestre. Foi nesse momento que surgiu a ideia de convidá-lo para uma palestra.
Intitulado “O papel da educação no enfrentamento ao racismo”, o evento trouxe o professor Kabengele Munanga e foi mediado pela professora da Faculdade de Ciências Contábeis (Facic/UFU) Camilla Nganga. A palestra foi organizada pela Diretoria de Estudos e Pesquisas Afrorraciais (Diepafro), pelo Neab e pela Eseba, com apoio da Pró-Reitoria de Extensão e Cultura (Proexc).
O auditório do bloco 3Q do Campus Santa Mônica estava cheio. Apesar das férias acadêmicas, professores da educação básica, alunos, docentes e agentes públicos da UFU e de outras instituições compareceram para ouvir as palavras de Munanga. Quando seu nome foi anunciado, os presentes se colocaram em pé e aplaudiram até que o professor tomasse seu lugar à mesa.
Em cerca de uma hora e 40 minutos de fala, Munanga tinha olhos atentos que não desviavam de seu rosto. As pessoas, das mais diversas faixas etárias, ouviram que ele até poderia parecer repetitivo, mas a educação é baseada em repetição. A diversidade dos presentes reforçou a fala do professor, que afirmou que uma geração deve superar a outra, pois é a partir desse processo que há crescimento de pensamento.
A diversidade esteve muito presente em nossa conversa e na palestra. Para Munanga, a matéria-prima dos preconceitos é a diversidade e a diferença, mas não deveria ser. “[Elas] deviam constituir nossa riqueza coletiva, nós existimos porque somos diferentes”, destacou.
Munanga levantou questões e caminhos para uma educação antirracista
Durante a palestra, o professor trouxe a questão sobre qual o tipo de educação que combate o racismo. Ele apontou que é preciso entender esse preconceito, suas características e diferenciações para que o combate seja assertivo. Entretanto, é necessário um próximo passo: “É preciso passar da retórica, do discurso, para as ações transformadoras.”
Outro questionamento abordou se apenas a educação antirracista é capaz de extinguir o racismo na sociedade. Em meio à resposta, Munanga relembrou que a diversidade está presente em toda a natureza, mas apenas os seres humanos a classifica entre superior e inferior.
O professor considera que o racismo é, em parte, ignorância, mas não se reduz a isso. Afirmar que o preconceito é uma falta de conhecimento anula a educação racista recebida por décadas dentro e fora da escola: “O racismo, como fato, permanece. Mas, como doutrina, já foi morta.”
A importância do evento
A palestra teve uma grande adesão e participação do público com perguntas para Kabengele Munanga. Na avaliação de Lea Sousa, cumpriu seu objetivo. “O evento foi pensado para a comunidade como um todo. Não apenas para o pessoal do Neab ou para o pessoal da Eseba, mas que realmente conseguisse reverberar na comunidade”, apontou.
A professora ainda destacou que é a união da sociedade que pode trazer mudanças relevantes. Durante a palestra, Munanga afirmou que as mudanças não são feitas apenas por uma pessoa, mas que é necessário ter uma consciência coletiva sobre a busca por mudanças para o momento atual.
“A luta antirracista não pode ficar restrita a um grupo apenas, é uma luta de todos. Então, a gente precisa que mais pessoas conheçam sobre a temática, entendam seu lugar de fala. Tanto pessoas brancas, quanto pessoas pretas”, complementa Sousa. Para ela, esse é o caminho para trabalhar por uma sociedade mais justa.
Já Antonio Machado, da Coordenação de Ações Afirmativas do Neab, opinou que um evento como este é de suma importância e deveria acontecer mais vezes nas instituições de ensino superior. “É um legado que estamos deixando para as próximas gerações, que é um ensinamento ao letramento das questões raciais no ensino superior, uma vez que ele ainda não emplacou nos cursos. Principalmente nos cursos de licenciatura, que deveriam trabalhar mais com essas questões”, completou.
Conheça Kabengele Munanga
Kabengele Munanga é um renomado antropólogo e professor especializado em antropologia da população afro-brasileira, com foco no estudo do racismo na sociedade brasileira. Graduado na Universidade de Lubumbashi, no Congo, em 1969, recebeu um convite para realizar seu mestrado na Universidade de Lovaina, na Bélgica.
Ainda durante a pós-graduação, resolveu voltar ao Congo. No entanto, devido ao domínio político da ditadura da recém-criada República do Zaire sobre a universidade, não pôde concluir sua dissertação. Em seguida, Kabengele Munanga foi convidado pelo professor Fernando Mourão, da Universidade de São Paulo, para concluir seu doutorado em Antropologia pela universidade, em 1977, antes de retornar ao Congo.
Para Munanga, ele é um intérprete do Brasil sobre o que ele viu e aprendeu nos anos em que mora no país. Nascido na República Democrática do Congo em 1940, estabeleceu-se em terras brasileiras aos 40 anos de idade. Em 1985, recebeu a cidadania.
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