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Conscientização

'Dia do Trabalho Doméstico' busca trazer reconhecimento para profissionais

Luta por direitos trabalhistas e por registro funcional marcam a data de 22 de julho

Publicado em 21/07/2023 às 18:13 - Atualizado em 22/08/2023 às 17:04

“Já cheguei a ter que cuidar de três casas, a que eu era empregada, a minha e a da minha mãe”, relata Márcia, empregada doméstica. (Foto: Marco Cavalcanti)

Neste sábado, 22 de julho, é comemorado o "Dia Internacional do Trabalho Doméstico". A data é celebrada há mais de 100 anos, desde 1921, e busca trazer reconhecimento e direitos trabalhistas para a classe. Dentre as profissões que se enquadram na categoria, não estão apenas empregadas domésticas, mas também motoristas e jardineiros, por exemplo.

Embora a data possua mais de um século de existência, o Brasil passou a proporcionar condições melhores para estes trabalhadores apenas em 2013, com a Emenda Constitucional nº 72, de 2 de Abril de 2013, ou “Pec das Domésticas”, como ficou conhecida, e prevê uma série de direitos que esses profissionais ainda não possuíam, como relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, seguro-desemprego, FGTS, remuneração do trabalho noturno superior ao diurno, entre outros. No entanto, sete dos 16 direitos só foram regulamentados dois anos depois com a lei complementar nº 150 - os outros nove passaram a valer já em 2013.

O progresso nas leis trabalhistas dos profissionais domésticos foi fruto de muita luta, como a jornada de Laudelina de Campos Melo, líder do primeiro movimento sindical organizado por trabalhadores domésticos, fundado em 1936 na cidade de Santos. Laudelina faleceu em 1991, na cidade de Campinas, aos 86 anos.

Dez anos depois do estabelecimento da “Pec das Domésticas”, e 87 da fundação do sindicato por Laudelina, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad Contínua), no trimestre até janeiro de 2023, dos 5,9 milhões de trabalhadores domésticos do país, 4,4 milhões não possuem carteira assinada.

Dos trabalhadores domésticos no Brasil, 92% são mulheres, dessas, 65% são negras, segundo pesquisa de 2021 do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos. (Imagem: Freepik)

Para Patrícia Vieira Trópia, professora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade Federal de Uberlândia (Incis/UFU), o fato dessa forma de trabalho ser realizada em ambiente doméstico e não no empresarial capitalista, dificulta a fiscalização para averiguar as condições em que essa atividade ocorre. “´É mais complexo o controle das condições materiais em que este trabalho é desenvolvido. O controle da jornada e o cumprimento das tarefas acordadas são mais difíceis de serem garantidos”, relata a docente.

Jorgetânia da Silva Ferreira, professora do Instituto de História (Inhis/UFU), ressalta como a desigualdade social aumenta as chances destes profissionais se sujeitarem a condições de trabalho precárias, como a falta de carteira assinada. “Se a pessoa está em uma condição economicamente fragilizada, ela vai trabalhar na situação ofertada”, comenta.

Dos trabalhadores domésticos no Brasil, 92% são mulheres; dessas, 65% são negras, segundo pesquisa de 2021 do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), com dados do Pnad Contínua. Jorgetânia destaca a importância do "Dia do Trabalho Doméstico": “O trabalho doméstico no Brasil é invisibilizado, as vozes, experiências e dificuldades dessas mulheres não são visíveis; então, eu considero importante que a gente traga reflexões sobre as questões que elas vivenciam, como forma de chamar atenção e buscar uma reflexão sobre a importância desse trabalho.”

 

Relatos

Uma dessas mulheres é Márcia Maria da Silva, trabalhadora doméstica há mais de 20 anos. Márcia conta que a primeira vez que ouviu falar do "Dia do Trabalhador Doméstico" foi em um telejornal. Seu primeiro emprego foi aos 10 anos de idade, em uma casa, no período da tarde, após frequentar a escola de manhã. O trabalho  não era registrado na época e o pagamento por ele era feito para sua mãe, que também era doméstica.

Trabalhar ainda na infância fez com que Márcia tivesse dificuldades em conciliar seus estudos com o ofício; muitas vezes, as tarefas de casa ficavam em segundo plano. Atualmente com carteira assinada, ela relata que conhece outras profissionais que não possuem a mesma situação trabalhista. Outra dificuldade citada por ela foi conciliar o tempo de seu trabalho com os cuidados de sua própria residência, em que criou seus dois filhos. “Já cheguei a ter que cuidar de três casas, a que eu era empregada, a minha e a da minha mãe”, desabafa Márcia.

Mulheres como ela e tantas outras trabalhadoras domésticas estão sujeitas a enfrentar uma série de condições precárias de trabalho no país. Jorgetânia explica que a escravidão no Brasil deixou marcas para essas profissionais, como o pensamento de que a função das domésticas é servir seus empregadores e que até mesmo as tarefas mais simples, como pegar um copo d’agua, devem ser feitas por elas.

A historiadora ainda complementa trazendo o fato de que o trabalho doméstico deixa de ser um trabalho escravo e passa a ser remunerado somente no século XX e que, apesar da resistência negra e de movimentos destes trabalhadores, essa visão continuou a prevalecer na sociedade. “Nós temos uma cultura escravocrata em que a trabalhadora doméstica tem o seu ‘quartinho’ nas casas de famílias, muitas vezes pequenos, mal iluminados, sem ventilação, e essas pessoas não têm descanso, ficam disponíveis para as famílias a todo tempo. Por isso que até a PEC das Domésticas não vai ter carga horária de trabalho”, aponta Jorgetânia.

Professora Jorgetânia da Silva Ferreira. (Imagem: Reprodução / Facebook)

A docente do Inhis também aborda sobre a mistura entre relações afetivas e trabalhistas que ocorrem com esses profissionais, principalmente empregadas domésticas, e como os movimentos da categoria ajudam a traçar uma delimitação do que é trabalho e o que são relações de afeto e, consequentemente, evitar casos de exploração de funcionários. “Embora como em toda relação humana pode acontecer de termos vínculos afetivos, mas o vínculo principal é de trabalho. É preciso ter um horário de trabalho definido, pois a doméstica, como todo trabalhador, precisa descansar e viver suas próprias relações familiares”, argumenta Jorgetânia.

Ainda sobre condições de trabalho, muitos profissionais domésticos perderam seus empregos durante a pandemia de covid-19. Márcia conta que, ao longo do período da quarentena, recebeu seu salário normalmente, mas viu diversas colegas perderem seus empregos. Ela acredita que a profissão é desvalorizada e enxerga que as leis para os trabalhadores domésticos não são, de fato, seguidas: “Conheço muitos profissionais domésticos que trabalham e ninguém nem sabe, não tem os seus direitos, ainda não tem carteira assinada; isso poderia melhorar.”

Por fim, para melhoras nas condições de trabalho dos profissionais domésticos, Patrícia Vieira Trópia aponta dois fatores decisivos. “A valorização do salário mínimo, que tem impacto imediato na vida das trabalhadoras domésticas, e a atuação do Estado, por meio da fiscalização e inspeção do trabalho doméstico”, cita, acrescentando também a importância da inclusão de trabalhadoras diaristas nos direitos assegurados pela “PAC das Domésticas”, o que traria a elas direitos que ainda não possuem.

 

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Palavras-chave: Dia Internacional do Trabalho Doméstico data emprego trabalho direitos

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