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História

Como a arte sobreviveu a um dos períodos mais duros do Brasil?

Muitas obras musicais, teatrais e visuais foram censuradas durante a Ditadura Militar

Publicado em 25/04/2025 às 10:43 - Atualizado em 05/05/2025 às 09:00

Somente três anos após o golpe de 1964, em 1967, as obras começaram a receber censura. (Imagem: Freepik)

 

O período do Golpe Militar no Brasil ficou marcado por muita repressão e censura. Um exemplo é a extinção do Centro Popular de Cultura (CPC), um grupo de estudantes vinculados à União Nacional de Estudantes (UNE), criado em 1962, no Rio de Janeiro. A anulação do grupo se deu porque ele se alinhava com ideias opostas às da Ditadura Militar. 

O CPC era composto por várias frentes artísticas, como teatro, música, cinema, literatura e artes plásticas. O sociólogo Carlos Estevam Martins foi o primeiro diretor do grupo, que também reuniu outros grandes nomes da cultura brasileira, como o dramaturgo Oduvaldo Vianna Filho, o cineasta Leon Hirszman e o músico Carlos Lyra, que logo atraíram Edu Lobo, Nara Leão, Ruy Guerra, Sérgio Ricardo e Geraldo Vandré.

 

Fotos de alguns artistas censurados na Ditadura Militar Brasileira: Edu Lobo, Nara Leão, Ruy Guerra e Mia Couto
Da esquerda para a direita: os cantores e compositores Edu Lobo e Nara Leão, o cineasta Ruy Guerra e o escritor Mia Couto. (Fotos: Wikimedia - Domínio público/Acervo Arquivo Nacional)

 

A professora Mônica Brincalepe Campo, do Instituto de História da Universidade Federal de Uberlândia (Inhis/UFU), comenta que naquela época ainda havia liberdade para algumas pessoas. “Era para quem não estava diretamente ligado a grupos sindicais, ao partido do presidente, ao partido comunista e a movimentos sociais. Então, esses grupos citados eram imediatamente perseguidos, o que aconteceu, por exemplo, com a UNE, o CPC. Ela é fechada e a sede, incendiada”, relembra a docente.

Campo possui diversas pesquisas relacionadas à história do audiovisual e também já foi professora da disciplina "História da Música" na UFU. Ela informa que os integrantes do CPC eram universitários e, entre os anos de 1962 e 1964, ser estudante de curso superior era algo quase que restrito à elite brasileira, que também agregava os artistas. “Esse grupo tinha essa imaginação universitária, vinham dessa de acreditar no processo da cultura popular no Brasil, de transformar”, comenta, acrescentando que muitos deles eram engajados politicamente e tentavam se comunicar com as massas para mostrar o que realmente estava acontecendo no país, já que os veículos de comunicação estavam sob controle da Ditadura. 

 

A música como instrumento de resistência

Dentro das possibilidades artísticas em que o CPC era inserido, uma das formas encontradas para fazer essa comunicação com as massas e mostrar os problemas da Ditadura Militar foi nas letras das músicas. Porém, mesmo com a criação de canções que conseguissem ludibriar os censores do governo, algumas ainda eram barradas.

Uma das primeiras músicas a sofrer censura foi “Cama de Gato”, de Gonzaguinha. A alegação para a decisão foi porque a canção fazia alusão à política e o título parecia remeter a uma falta. Outra música famosa que foi censurada pela Ditadura foi “Cálice”, de Chico Buarque e Gilberto Gil. Ela fazia analogia a uma passagem bíblica, Mateus 26:39 — “Pai, afasta de mim esse Cálice”. Porém, na canção, o substantivo também fazia alusão ao verbo “calar”, algo que as pessoas eram obrigadas a fazer, por conta da repressão que havia no período. Ser contrário à Ditadura não era um direito.

De modo geral, Chico Buarque foi um dos mais perseguidos na época, devido às suas músicas. Na tentativa de burlar o sistema, ele adotou o pseudônimo Julinho da Adelaide e continuou a produzir obras que fossem liberadas ao público. As músicas de Chico Buarque/Julinho da Adelaide passaram a ser fortemente usadas como protestos contra o regime militar. Outro exemplo é a canção “Proibido Proibir”, lançada em 1973 e que, diferentemente das outras, não usou figuras de linguagem. De forma direta, o autor cantava sobre a falta de liberdade que as massas tinham contra o regime, como um dos versos que dizia “dizer não ao não”. 

Outros artistas e músicas foram censuradas, como “Tiro ao Álvaro”, de Adoniran Barbosa, por conter palavras erradas segundo as autoridades que censuravam as obras no governo; e “Vaca Profana”, de Caetano Veloso, por ser considerada uma música muito vulgar. Na época, o Governo não deixava que as produções não seguissem o que era considerado como "moral e de acordo com os bons costumes tradicionais" que se alinhavam às ideologias do grupo que estava no poder.

 

Fotos de alguns artistas censurados na Ditadura Militar Brasileira: Chico Buarque, Odete Lara e Adoniran Barbosa
Da esquerda para direita: Chico Buarque, Odete Lara e Adoniran Barbosa. (Fotos: Wikimedia - Domínio público/Acervo Arquivo Nacional)

 

O cantor e compositor Geraldo Vandré também teve diversas produções que atacavam o autoritarismo vigente na época, como a música “Para não dizer que não falei das flores", lançada em 1979. Na canção, o músico enfatizava as injustiças pelo povo vividas, como nota-se no verso “pelos campos há fome em grandes plantações”, além de destacar a presença do exército nas ruas — “Há soldados armados, amados ou não” — e convocava as pessoas para se unirem na luta contra a ditadura, “Vem, vamos embora que esperar não é saber/ Quem sabe faz a hora, não espera acontecer”. Vandré foi preso, torturado e exilado na época do regime, mas sua canção virou um clássico na Música Popular Brasileira (MPB).  

Muitas outras músicas e artistas sofreram censura. O regime só terminou oficialmente em 1985, com a eleição indireta de Tancredo Neves, que não tomou posse do cargo de presidência porque veio a falecer antes da data. Com isso, quem assumiu a República foi o vice-presidente da chapa, José Sarney, que governou até 1989. Já a gestão seguinte, com a primeira eleição direta para a presidência, foi assumida pelo economista e político brasileiro Fernando Collor. 

A seguir, montamos uma playlist com as principais músicas censuradas e que retratavam a situação da época e a luta dos artistas. 

 

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Palavras-chave: história Brasil Ditadura Militar música

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