Publicado em 23/04/2025 às 12:01 - Atualizado em 05/05/2025 às 08:53
Já ouviu dizer que brasileiro não tem memória? Segundo a graduanda em Relações Internacionais e coordenadora-discente do Observatório de Memória e Reparação da Universidade Federal de Uberlândia (OMR/UFU), Ana Luísa Hannickel, "nós não preservamos e valorizamos nosso passado; não se faz justiça sem verdade e não há verdade sem conservação da memória".
Para enfrentar os fantasmas do passado, o OMR promoveu, nos dias 31 de março e 1º de abril, o II Simpósio de Memória e Reparação. O evento contou com as parcerias do Núcleo de Pesquisas e Estudos em Direitos Humanos (Nupedh/UFU) e do Grupo de Pesquisa e Extensão Memoriar. As datas foram escolhidas em alusão ao aniversário de 61 anos do golpe de Estado que instaurou o regime autoritário no Brasil e o evento representou, nas palavras de Hannickel, “um pequeno passo adiante para dar voz às pessoas, à verdade e caminhar no sentido da justiça”. Além disso, o simpósio serviu como uma forma de manifestação dos discentes e professores da UFU em defesa da jovem democracia brasileira.
Doutora em Direito e referência nos temas da justiça de transição e dos direitos humanos, Eneá de Stutz e Almeida foi citada na abertura do simpósio. No livro “Memória, Verdade, Reparação e Justiça: uma tese de resistência constitucional”, a pesquisadora constrói os argumentos jurídicos para demonstrar que a Lei 6683/79, ou Lei da Anistia, foi das penas, e não dos fatos; e, portanto, é anistia como anamnese, e não como amnésia. “Só foi anistiado quem havia sido condenado/demitido antes da Lei 6.683/79; quem não foi sequer investigado ou processado, como os torturadores, por exemplo, não foram anistiados”, explicou Stutz e Almeida no texto.
Ainda de acordo com os estudos da autora, o discurso, que visa “não remoer o passado” e ignorar os crimes cometidos por indivíduos e instituições na Ditadura Militar, pretende impor o entendimento da anistia como esquecimento e contraria a legislação brasileira. “Um contraponto [à Lei da Anistia] é a lei de anistia espanhola, que claramente proíbe uma revisão do passado ditatorial, ao contrário do Brasil que teve, por exemplo, a Comissão da Verdade”, comentou a estudante de Relações Internacionais da UFU Beatriz Teles Menezes, que também é membro discente do OMR.
O primeiro dia do simpósio, com temática “Memória da Ditadura: Efeitos sobre as Pessoas e Instituições”, contou com a participação de 97 estudantes. A psicóloga e doutora em Psicologia Social Maristela de Souza Pereira foi a primeira convidada a explanar. Em seguida, o evento contou com falas do jornalista, bacharel em Direito, ex-militante do movimento estudantil e ex-guerrilheiro da luta armada contra a ditadura militar Antônio Pinheiro Salles. Ele esteve nos porões da ditadura entre 1970 e 1979 e foi torturado por militares, entre eles Carlos Brilhante Ustra. Hoje, o jornalista é símbolo da resistência ao autoritarismo e fonte histórica fundamental para a memória da ditadura. Os livros “1964 Golpe e Ditadura” (2019) e “Confesso Que Peguei em Armas” (1979) são obras escritas por Salles.
“Eu me apresento com as minhas marcas e cicatrizes, limpas as mãos, a face descoberta e expresso documento, a palavra compõe o pensamento. Para enganar o tempo, ou distrair criaturas já de si tão mal atentas não falo; falo apenas quando dança nos olhos dos que me ouvem a esperança”, declarou Salles, ao iniciar sua palestra. “Ele estava com os olhos quase fechados, escutando silenciosamente a fala de Maristela, mas se levantou quando chegou sua vez de falar, com muita energia e convicção”, relatou o discente de Jornalismo Bruno Stocco, surpreso com a energia do ex-militante.
No segundo dia do simpósio, na parte da manhã, os estudantes tiveram um minicurso sobre a Ditadura Militar, com foco em Uberlândia. O encontro foi ministrado pelo mestrando em História Lino José Pacheco Ferreira. Já no período da tarde a programação contou com a exibição do filme “Argentina, 1985”, dirigido por Santiago Mitre. Logo em seguida, houve um momento de debate sobre a ditadura militar argentina. O objetivo, segundo Hannickel, foi mostrar aos discentes as semelhanças entre os processos autoritários latino-americanos e compreender o que é específico de cada país.
A última atividade do evento foi a mesa-redonda sobre “O papel das Comissões da Verdade”. Participaram da discussão a doutora em Relações Internacionais e professora do Instituto de Economia e Relações Internacionais da UFU (IERI/UFU) Alessandra Beber Castilho, a mestre em Direito Público Esther Faria Rodrigues e, como mediadora, a mestre em Direito, integrante da Subcomissão da Verdade do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba em 2016 e professora da Faculdade de Direito (Fadir/UFU) Neiva Flávia de Oliveira.
Para os discentes interessados em participar do Observatório de Memória e Reparação, as inscrições serão abertas no próximo semestre (2025/1), mas não há data definida. As novas vagas são referentes às diretorias de Pesquisa e Marketing, sendo a seleção dos pesquisadores aberta a todos os estudantes da UFU e as da Equipe de Comunicação, reservadas para acadêmicos dos cursos de Artes Visuais, Design e Jornalismo.
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Palavras-chave: Ditadura Militar Observatório de Memória e Reparação história Brasil Memória
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