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História

137 anos da falsa abolição da escravatura

'Não veio do céu, nem das mãos de Isabel, a liberdade é um Dragão do Mar de Aracati’

Publicado em 16/05/2025 às 14:00 - Atualizado em 31/05/2025 às 08:38

Arte: Thamires Dantas

 

Há 137 anos, em 13 de maio de 1888, a princesa Isabel sancionava a Lei Áurea, extinguindo oficialmente a escravidão no Brasil. Passado mais de um século, porém, historiadores e militantes negros enxergam esse marco com ceticismo. Para eles, a data simboliza uma “falsa abolição”, pois a liberdade formal concedida pelo Império não foi acompanhada de reparações ou de mudanças profundas nas estruturas sociais. Na Universidade Federal de Uberlândia (UFU), a coordenadora do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (Neab), Jane Maria dos Santos Reis, destaca que a narrativa tradicional eleva Isabel à condição de redentora e ignora a luta dos próprios negros. Reis lembra que nada veio de graça nesse processo, dado que muitos ex-escravizados seguiram marginalizados depois de 1888. 

Atualmente, críticos apontam a contradição entre a história oficial e a realidade social dos negros. A coordenadora do Neab ressalta que a versão consagrada exalta a princesa e esconde a ação de abolicionistas negros. “A princesa Isabel foi pressionada por uma conjuntura política e econômica para assinar a lei, mas a abolição formal da escravidão não veio acompanhada de políticas públicas de reparação ou inclusão”, afirma Jane. Como lembra um samba-enredo da Estação Primeira de Mangueira de 2019, a liberdade no Brasil é resultado da luta dos negros — não de um presente das mãos de Isabel. Nesse sentido, heróis como o “Dragão do Mar” de Aracati, Francisco José do Nascimento, são exemplos de quem enfrentou o regime escravista muito antes de 1888. 

A data de 13 de maio também ressalta a ausência de reparações históricas. Ainda conforme a coordenadora, os ex-escravizados não receberam terra nem educação. Foram entregues ao mercado de trabalho sem qualquer tipo de proteção. Em vez de justiça, a abolição formal provocou a continuidade das desigualdades: pretos e pardos permanecem sub-representados na universidade. “Garantir que essas pessoas estejam em lugares centrais, e não apenas marginalizados é o que teria sido preciso para garantir a abolição no nosso país”, afirma ela. Esse cenário, portanto, fortalece o racismo estrutural, que segue impedindo avanços reais. 

 

Equipe do Neab reunida no Encontro 'Conexões entre Brasil e Moçambique: estudos afro-brasileiros e africanos em diálogo' e convidados moçambicanos
Encontro 'Conexões entre Brasil e Moçambique: estudos afro-brasileiros e africanos em diálogo', realizado em abril deste ano. (Foto: Arquivo pessoal / Jane Reis)

 

Para enfrentar esse legado, a UFU e o Neab buscam ações concretas no sentido oposto. “O Neab tem como principal atribuição promover a formação voltada para atender demandas relacionadas à educação antirracista, ao letramento racial, às comissões de heteroidentificação e a várias outras”, explica Jane. Além disso, o núcleo busca ser visto como um quilombo, oferecendo apoio e grupos de convivência para acolher alunos que sofrem discriminação. Nas atividades de extensão, o Neab interage com diversos projetos da sociedade civil. A coordenadora do núcleo lembra ainda que a própria UFU adota políticas de ação afirmativa. “São órgãos que trabalham conjuntamente. Uma vez que chegam denúncias, precisamos dar o tratamento com toda responsabilidade e todo o fluxo processual de cada setor envolvido”, afirma Reis.  

Para Jane, o dia 13 de maio só faz sentido se servir de alerta. A abolição no papel marcou apenas o começo de uma longa caminhada; resta ainda construir a liberdade de fato. Enquanto isso, fica claro: a voz de quem luta pela igualdade nunca foi tão necessária, e a resistência segue sendo o motor dessa luta. A mensagem da Estação Primeira de Mangueira segue ecoando até aqui. A verdadeira liberdade exige persistência e coletividade para virar realidade.  

 

Política de uso: A reprodução de textos, fotografias e outros conteúdos publicados pela Diretoria de Comunicação Social da Universidade Federal de Uberlândia (Dirco/UFU) é livre; porém, solicitamos que seja(m) citado(s) o(s) autor(es) e o Portal Comunica UFU.

 

Palavras-chave: Neab escravidão história Brasil

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