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Consciência Negra

A universidade só será pública quando for para todos: Quem é a UFU que a UFU ainda não vê?

Diretoria de Estudos e Pesquisas Afrorraciais intensifica políticas antirracistas, mapeia presença de pessoas negras na universidade e amplia ações afirmativas para atender estudantes, técnicos, docentes e comunidade externa

Publicado em 19/11/2025 às 12:51 - Atualizado em 24/11/2025 às 10:55

caminhada com faixa escrita: ufu sem racismo
Marcha Negra realizada por alunos da UFU (Foto: Arquivo Pessoal)

Em um país em que 56% da população é negra, mas apenas 31% dos estudantes de pós-graduação e 23% dos docentes são pretos ou pardos de acordo com dados do Ministério da Igualdade Racial (MIR) de 2024. Em busca de equidade, a Universidade Federal de Uberlândia (UFU) avança na construção de um ambiente acadêmico antirracista por meio das ações da Diretoria de Estudos e Pesquisas Afrorraciais (Diepafro), a instituição aprofunda políticas estruturais para garantir o acesso, a permanência e a representatividade de pessoas negras na graduação, na pós-graduação e nos espaços de decisão. “A luta é antiga, mas os mecanismos de transformação são recentes — e ainda lentos”, afirma Guimes Rodrigues Filho, diretor da Diepafro.

Da luta ao reconhecimento institucional, a história da diretoria nasce do movimento negro, pois a trajetória da Diepafro começou há quase duas décadas, quando docentes, técnicos e estudantes criaram o Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (Neab) em busca de implementar na instituição políticas afirmativas de ingresso de pretos e pardos nos cursos de graduação e de pós-graduação para atender editais do Ministério da Educação (MEC) voltados à implementação da Lei 10.639/2003. “A lei já existia, mas até 2006 quase nada tinha sido feito no país. Criamos o Neab porque era preciso produzir materiais, formar professores e pressionar as instituições a cumprirem a legislação”, relembra Guimes que também é um dos fundadores do núcleo.

Por meio de suas ações e esforços dos seus membros, o Neab se tornou referência regional, atuou na criação do Conselho Municipal de Igualdade Racial e, em 2020, conquistou a institucionalização, representada pela criação da Diepafro, que passa a integrar a estrutura da UFU como diretoria vinculada à Reitoria. “Ter uma diretoria é ter legitimidade. Saímos do campo da boa vontade para o campo da política pública”, afirma Guimes.

 

Mapear para transformar: permanecer é tão importante quanto entrar

Um dos principais trabalhos atuais da diretoria é o Observatório da Igualdade Racial, responsável por levantar dados sobre pessoas negras que estudam em cada curso, quantas ingressaram por cotas, quantas permanecem e quantas evadem, quantas são técnicos e docentes, quantas ocupam cargos de gestão e como as unidades estão cumprindo a Lei 10.639/2003. “Precisamos saber onde estamos para saber onde queremos chegar. Uma universidade que não enxerga sua própria composição reproduz a desigualdade que diz combater”, diz Guimes.

A percepção do que acontece na UFU não é diferente do quadro nacional em que estudantes negros, mesmo após ingressar na universidade, enfrentam maiores índices de evasão por falta de renda, violência racial e desigualdade de acesso ao conhecimento básico. Para Guimes, o maior desafio das políticas afirmativas no Brasil sempre foi a permanência. “Durante anos, os alunos cotistas entravam. Mas não conseguia ficar. Não havia bolsa, não havia estrutura, não havia apoio. A lei garante a porta, mas não a caminhada”, problematiza. O reconhecimento acontece com a revisão da Lei de Cotas em 2023 (Lei nº 14.723/2023), e sua sanção em 2024 (Lei nº 14.914/2024) que incluiu estudantes quilombolas como beneficiários e destina parte dos recursos do Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES) aos estudantes cotistas em situação de vulnerabilidade social, visando garantir sua permanência e conclusão do curso. Parte dos recursos do PNAES passa a ser obrigatoriamente destinada a estudantes cotistas.

A Diepafro também atua no acolhimento e encaminhamento de denúncias de racismo, articulando-se com a Ouvidoria, a Pró-Reitoria de Graduação (Prograd) e a Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas (Progep). “Somos a universidade que existe, mas queremos ser a universidade que ainda não existe — mais justa, mais diversa e mais verdadeira”, resume Guimes.

 

A luta é coletiva: Cotas para pessoas trans e diálogo com diversidade

A luta antirracista é inseparável das pautas de gênero, sexualidade e territorialidade. Por isso, a diretoria lidera junto com a Comissão Permanente de Diversidade Sexual e de Gênero discussões para a implementação de cotas para pessoas trans na UFU. Promoveu uma palestra com Bruna Benevides, presidenta da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), para debater com a comunidade acadêmica sobre a realidade desse grupo social e a existência das cotas trans nas universidades e também está debatendo com a comunidade universitária sobre o tema.  “O Brasil é o país que mais mata pessoas trans há 16 anos seguidos. Não existe política antirracista que ignore isso”, aponta Guimes. A atuação integra um diálogo permanente com a Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero e outras unidades da universidade.

Outra ação da qual a diretoria faz parte é o trabalho de uma comissão instituída para propor a Política Institucional de Enfrentamento ao Assédio e Discriminação, que deve ser apreciada pelos conselhos superiores até dezembro. A medida responde ao Programa Federal de Prevenção e Enfrentamento do Assédio e da Discriminação na Administração Pública Federal, instituído pelo Decreto nº 12.122/2024. Aprovada, a política passará a constituir o conjunto normativo que orienta o fluxo de prevenção, denúncia, acolhimento e resolução de ações de assédio e discriminação na UFU.

A Diepafro também avança em ações compartilhadas com a Faculdade de Medicina, como o projeto já aprovado, o AfirmaSUS, que oferece bolsas a estudantes para atuação em saúde da população negra e indígena - e já prepara um podcast com temática da saúde da população negra. “A luta é coletiva. É conversa, é conflito, é disputa, mas é sobretudo esperança. Eu prefiro ser afro-otimista: acreditar que estamos caminhando”, conclui o diretor.

 

 

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Palavras-chave: consciência negra 2025 Diepafro cotas raciais antirracismo

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