Publicado em 22/02/2023 às 10:00 - Atualizado em 22/08/2023 às 17:04
Foto: Alexandre Costa
Uma universidade pública envolve muito mais do que Ensino, como às vezes se pensa. O quadripé que a sustenta conta também com a Pesquisa, a Assistência e a Extensão. O termo “extensão universitária” nem sempre é conhecido do grande público, mas o que essa ação proporciona é, com certeza, uma das maiores interfaces das instituições com as sociedades que as abrigam, como a Conexões já mostrou nesta reportagem.
Podemos definir extensão como toda ação realizada pelas universidades junto à sociedade, compartilhando os conhecimentos desenvolvidos no ensino e na pesquisa para fora dos muros. Em entrevista à Conexões, em 2019, o titular da Pró-Reitoria de Extensão e Cultura da Universidade Federal de Uberlândia (Proexc/UFU), Hélder Eterno da Silveira, explicou que “a Extensão se assenta em dois pilares: a formação do estudante articulado a uma dimensão sociorreferencial, ou seja, esse estudante se articulando com os diferentes espaços sociais”.
Em 2023, passados mais de seis anos da implementação da PEC do Teto de Gastos pelo governo federal, Silveira relata como a medida tem afetado, não apenas a área de desenvolvimento social e cultura, mas a universidade como um todo. A entrevista faz parte da série especial #UFURESISTE - Seis anos de Teto de Gastos, uma produção da Conexões em colaboração com a Diretoria de Comunicação Social da UFU.
Conexões - Em uma leitura geral, como foi o processo da implementação do Teto de Gastos em 2016?
Helder Silveira - Quando se fala do Teto de Gastos, temos que analisar o que vem acontecendo no Brasil em relação aos gastos públicos. O país tem demandas muito urgentes com relação à Educação, à Saúde, ao Desenvolvimento Social, à Moradia, ao Transporte, e isso fez com que os diferentes governos, municipais, estaduais ou federal, aplicassem o orçamento para atender essas emergências. O fato é que o governo federal apresentou uma proposta de emenda à Constituição, em 2016, que a gente chamou de Teto de Gastos. [Por ela], o governo pode chegar no máximo naquele valor; a partir dali, não pode fazer nenhum tipo de gasto sem autorização do Congresso Nacional ou sem uma outra emenda constitucional que ajuste a situação fiscal do país. Porém, debaixo deste teto foram colocadas emergências nacionais, como saúde, educação e bem-estar das pessoas. Saúde e Educação, sobretudo, são dois setores muito sensíveis. Uma coisa é você colocar teto de gastos quando as estruturas da Saúde ou da Educação do país já estão bem organizadas, consolidadas; outra é você limitar gastos quando está por construir. E o Brasil está por construir as suas estruturas, tanto na Saúde, quanto na Educação.
Isso afetou o investimento necessário para que a UFU conseguisse atender todas as demandas para um bom funcionamento? Podemos afirmar que ainda existe uma falta de investimentos oriunda da implementação dessa medida?
Se olharmos para as universidades públicas, vamos perceber que há um déficit de investimentos muito grande. Na Universidade Federal de Uberlândia, nas obras, nas construções, na bolsa de Assistência, nos projetos de Ensino, Pesquisa, Extensão, temos uma situação muitíssimo precária. É necessário ainda se fazer investimento aqui, rever prioridades dentro desse limite para que a Educação e a Saúde não estejam sob ele, até porque são coisas que não se controlam com facilidade. Temos que rever as prioridades de qualquer governo para que, de fato, a gente entenda que algumas áreas não podem estar expostas a um teto de gastos tão engessado.
Com essa limitação do orçamento diversos projetos de Cultura e Extensão foram prejudicados. Qual a importância do desenvolvimento desses e outros projetos na formação dos alunos?
O ano passado nós fizemos dez anos da Lei de Cotas. Estas são pessoas oriundas de determinados estratos sociais mais vulneráveis. O que significa quando elas vêm para a universidade? É necessário desenvolver ações como essas, porque, a partir disso, você gera desenvolvimento social e emancipação, movimentação dessas diferentes classes sociais. É assim que a gente rompe essa ideia de castas, de um grupo pequeno dominando e tendo acesso ao conhecimento e o outro grupo, não. O acesso das pessoas de diferentes lugares, sobretudo de grupos mais vulneráveis, gera uma demanda para a universidade. Não adianta a gente só colocar as pessoas dentro da universidade se elas não pertencerem à universidade, se elas não tiverem as condições mínimas de ficarem na universidade. Isso não é esmola.
Dessa forma, podemos afirmar que o acesso democrático à Cultura e aos projetos de assistência dentro da UFU caminham juntos?
Sim, estamos falando de uma correção de assimetria social para que, de fato, as pessoas consigam estar naquele lugar, desenvolvendo a formação e ampliando o acesso ou a democratização do próprio acesso ao conhecimento científico e tecnológico no campo profissional. O aluno entra na universidade com uma determinada demanda, nós precisamos dar assistência, ter bolsas de ensino também, como uma forma de distribuição de renda do país, uma democratização dessa renda do país. No momento, há necessidade de fortes investimentos para que os alunos e as alunas se mantenham nas escolas de Educação Básica, do Ensino Superior e se mantenham com qualidade. Não podemos criar dentro da universidade ou da escola classes de pessoas, ter alguém que entra na universidade, que tem condição de comer, beber e comprar o material e aquela outra pessoa que entra na universidade ou na escola que não tem condição nem mesmo de se vestir direito. Isso não é uma benesse social, isto é política pública de desenvolvimento social.
O senhor concorda que o Teto de Gastos foi um fator para o atual sucateamento da Educação no Brasil?
Nesses últimos anos, não só pelo Teto de Gastos, vivemos uma situação em que as políticas de desenvolvimento social acabaram não sendo vistas como a grande prioridade do Estado brasileiro. Isso fez com que universidades fossem sucateadas, mesmo com os parcos orçamentos que existem. Vivemos uma situação de profundo boicote às universidades públicas federais. É uma situação intencional, porque essas universidades foram consideradas inimigas do Estado, como se formássemos pessoas com determinado pensamento contrário ao vigente numa esfera do poder público. Mas a universidade não é isso. Ela forma para a análise, para crítica social, para emancipação, para a reflexão, para o pensamento. E formar para esse lugar, obviamente, vai trazer crítica, inclusive crítica social.
Como isso compromete diretamente a atuação da Proexc?
Comprometendo a manutenção de projetos fundamentais que levam ao desenvolvimento da universidade, ao relacionamento da universidade com outros setores da sociedade. Não queremos que o aluno se forme só dentro da sala de aula, queremos que ele se forme dialogando com a comunidade, para que a sua formação seja o mais ampla e completa possível. Isso a gente chama de extensão. E, em alguma medida, também serve como transformação social. As pessoas têm acesso a esse conhecimento. É uma forma de democratizar a função da própria universidade por meio da extensão.
A falta de recursos para a extensão também compromete a formação do estudante?
Sim, a gente não quer criar uma ilha de excelência que forme pessoas desconectadas da realidade social. Mas elas precisam se conectar no seu processo de formação. Não é uma assistência social que fazemos, é formar pessoas dentro e fora da universidade, ou seja, fazer com que o conhecimento chegue ao máximo de pessoas possíveis para que todas consigam, em alguma medida, se beneficiar com esse orçamento público. A Extensão faz isso e tem sido cada vez mais prejudicada. Não só Extensão, todas as áreas da universidade - a Cultura, o Ensino, a Pesquisa - têm sido prejudicadas em função dessa escassez orçamentária. Isso compromete, no caso da Extensão, o desenvolvimento social, a transformação social, a relação dos nossos estudantes com outros setores e se empobrece o processo de formação.
E no âmbito da Cultura? Quais os maiores prejuízos da escassez desses recursos para a UFU?
Isso impede que o estudante amplie o seu capital artístico-cultural, muito necessário quando se entra num espaço como de uma universidade. Em outra medida, pode servir até como uma panela de pressão prestes a explodir, porque são pessoas diferentes, de diferentes lugares, oriundas de várias culturas colocadas no mesmo lugar. Se nós não promovermos um diálogo intercultural dentro da universidade, o que vai acontecer são possíveis choques de cultura. É necessário investir em cultura para a sobrevivência da universidade. A ausência de orçamento na Cultura, pode decretar a falência da universidade pública, sua própria finalidade, que é formar pessoas que consigam se olhar, se perceber e se relacionar dentro universidade e fora dela.
E no ponto de vista prático? Como podemos observar a falta desse investimento no dia a dia da UFU?
Diminuem-se os orçamentos dos editais, que são os mecanismos que a gente utiliza para apoiar os projetos, mas diminuem também os grandes programas institucionais e as grandes ações institucionais. É um espaço extensionista de acolhimento das pessoas que faz a assessoria jurídica [oferecida para a comunidade]. Então, isso diminui orçamentos para programas voltados à comunidade idosa da cidade, para a formação de professoras e de professores de Educação Básica, necessários, inclusive, ao cumprimento do Plano Nacional de Educação, que coloca a responsabilidade na universidade pública de fazer formação continuada dos professores de Educação Básica. Também diminuem orçamentos ligados à agricultura familiar, projetos de valorização da mulher, de enfrentamento à violência contra a mulher, seja dentro ou fora da universidade, de valorização e de participação da população LGBT. Diminui o fomento de projetos importantes ligados a egressos do sistema prisional ou mesmo a pessoas que são resgatadas de trabalhos análogos à escravidão. São trabalhos que estão aqui dentro, no dia a dia, no cotidiano da universidade. Temos um cursinho para alunos da Educação Básica pública, com recortes inclusive de cotas, para que esses estudantes se preparem melhor nos processos seletivos e isso diminui o orçamento.
E o que a Proexc tem feito para sobreviver nessas condições?
Tentando estabelecer os diálogos necessários para mostrar qual é a situação da universidade, que a universidade não é um lugar de balbúrdia, como se quis passar em algum momento, e, sim, um lugar de estudar, de pensamento livre. Esse trabalho pode mostrar para a comunidade o que a UFU tem passado nesses últimos anos, como está sobrevivendo e como vai sobreviver nos próximos anos se ela não tiver um aporte orçamentário suficiente para manutenção das suas ações básicas. Nós não estamos mais cortando na carne, estamos cortando no osso, e isso é extremamente doloroso para a vida da universidade. É o cenário que ainda temos, mas que queremos acreditar que vai mudar nesses próximos anos.
Então o senhor acredita em um cenário esperançoso para os próximos anos?
Para 2023, o governo anterior apresentou o que a gente chama o projeto de Lei Orçamentária Anual e, pelo que foi apresentado, [está muito] aquém do necessário para sobrevivência da universidade. Esse projeto de lei está em processo de votação para se transformar na Lei Orçamentária Anual [LOA]. Com as emendas, a pessoa que está relatando o processo pode acolher ou não, dentro do orçamento, demandas que não tinham sido pensadas. A partir disso é que nós saberemos a real situação que teremos ao longo do ano. A Lei Orçamentária é aprovada assim que o Congresso retorna às suas atividades. Hoje, o cenário é daquele que foi proposto nesse projeto. Havendo a aprovação, se faz o ajuste daquilo que já foi liberado até então para se ver, exatamente, a situação do ano. A liberação orçamentária feita para a Extensão e Cultura é a menor dos últimos anos e menor, talvez, desde a existência desta provedoria. Nesses últimos anos, a UFU está numa situação de risco financeiro. Na mudança de governo, uma das promessas que foram feitas foi o compromisso de olhar as universidades e as escolas e isso nos enche de esperança de um funcionamento normal das instituições.
Os projetos de extensão, que permitem ao estudante uma formação mais próxima da sociedade e possibilitam às pessoas o acesso ao conhecimento produzido na universidade, também sofrem os impactos do Teto de Gastos. (Foto: Alexandre Costa)
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A série "ESPECIALUFU45" reúne textos escritos por membros da equipe da Diretoria de Comunicação Social (Dirco), mas também está aberta à contribuição de outros integrantes da comunidade acadêmica da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). As sugestões de temas a serem abordados, bem como o envio de materiais para avaliação e, em caso de aprovação, posterior publicação, podem ser realizados por meio do formulário eletrônico disponível em: www.comunica.ufu.br/divulgacao.
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