Publicado em 22/03/2023 às 18:29 - Atualizado em 22/08/2023 às 17:04
Yara Silva, Eminéa Lima, Renata Neiva, Maristela Pereira, Ana Elisa Bechara e Naiara Ashaia debateram sobre o 'Mês do Respeito' na UFU. (Foto: Diélen Borges)
Seis mulheres foram convidadas para falar sobre “empoderamento”, como parte da programação do "Mês do Respeito" da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), na tarde desta quarta-feira (22/3), no Campus Santa Mônica, e a palavra que elas mais disseram foi “coletividade” e suas variações.
A conversa começou entre a mediadora, Renata Neiva, jornalista, pesquisadora e diretora de Comunicação da UFU, e a convidada que veio de fora, Ana Elisa Bechara, professora da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Bechara contou sobre a experiência de produção e leitura da Carta às Brasileiras e aos Brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito, em 11 de agosto de 2022.
A carta foi assinada por mais de um milhão de pessoas e lida em várias partes do país, inclusive na UFU. O documento recebeu apoio de grupos muito diversos, como artistas, movimentos sindicais, movimento negro e Federação Brasileira de Bancos (Febraban), e, segundo Bechara, isso só foi possível porque a universidade fez a ponte entre coletivos tão diferentes entre si.
Outras quatro convidadas se somaram à mesa, promovida pelas pró-reitorias de Assistência Estudantil e Gestão de Pessoas. O debate continuou com enfoque nas vivências das mulheres na universidade. A professora da USP relatou que, ainda hoje, ela sofre preconceito por ser mulher, ainda mais em uma área predominantemente masculina, como o Direito: “Quanto mais a mulher alcança postos de poder, mais agressão ela sofre, porque aquele espaço não é para ela; mas é uma violência menos expressa, o que dificulta se defender.”
A bibliotecária Yara Ribeiro de Moura Silva, da UFU, comentou que, na área dela, há mais mulheres, mas também percebe que existe discriminação velada, em situações que acabam sendo tomadas como questões pessoais, e que é importante denunciar. Silva contou que, fora da universidade, faz um trabalho com pessoas em situação de rua e que as mulheres são as que mais sofrem. Um exemplo é a pobreza menstrual, ou seja, a falta de acesso a produtos e condições de higiene no período da menstruação.
“Não é fácil ser mulher na universidade, nem na rua”, afirmou a coordenadora de Promoção e Assistência à Saúde do Servidor da UFU, Eminéa Aparecida Vinhais Lima. Ela lembrou um marco importante para a UFU, a aprovação da Política Institucional de Valorização e Proteção das Mulheres, em maio de 2021, mas destacou a importância da coletividade nesse processo de valorizar e proteger mulheres. Lima contou que, no atendimento às profissionais da universidade, ainda é comum encontrar mulheres que se culpam por situações em que elas são as vítimas e até cortam o cabelo ou deixam de usar maquiagem para evitar o assédio no local de trabalho.
Nos cargos de gestão, elas são minoria. A professora Maristela Pereira, que é diretora do Instituto de Psicologia, pesquisou a porcentagem de homens e mulheres que ocupam o mesmo cargo que ela na UFU. O resultado foi que, na direção das unidades acadêmicas da UFU, apenas 34% são mulheres. Pereira disse que podemos olhar para esse número como avanço, assim como olhamos para o maior número de mulheres ministras no atual Governo Federal, mas é preciso cuidado para não pensar o empoderamento como conquistas individuais. “Só será conquista quando tivermos mulheres diversas ocupando esses lugares. Empoderamento é luta.”
Sobre as particularidades que encontramos na diversidade, a mais jovem da mesa, a jornalista Naiara Ashaia, que atua na Divisão de Divulgação Científica da Diretoria de Comunicação Social da UFU e é pós-graduanda na USP, contou que vivencia situações de discriminação por ser mulher e por ser negra. “Toda vez que abro meu computador para estudar é uma luta de existência e resistência. Sinto que eu carrego todas as mulheres negras nascidas de 1997 para frente, porque elas me veem e entendem que elas também podem.”
A jornalista lembrou também que pessoas LGBTQIAP+ sofrem ainda outras discriminações, como o casal de amigas dela que não tem, na rua, a mesma vivência que ela quando sai com o namorado. A mesa e o público debateram sobre as situações das pessoas trans, que acabam excluídas até mesmo da pauta feminista.
A professora Bechara atua na área do direito penal, mas não acredita que o problema da discriminação e violência contra mulheres seja resolvido somente com punição. “O que muda a cultura é trabalho estratégico, é educação sobre gênero em perspectiva transversal”. Ela explicou que as meninas ingressam na universidade com muita vivacidade, como Ashaia, mas vão sendo silenciadas, porque só recebem bibliografias masculinas e, quando falam, são interrompidas. Bechara sugere que, seja qual for a disciplina, a questão de gênero seja colocada pelos docentes, que devem dizer quem são as mulheres na bibliografia estudada e que ninguém será interrompido na sua aula.
E quando as mulheres adoecem ou são presas? Também são menos cuidadas. A historiadora e vereadora Cláudia Guerra, que assistiu ao debate, ressaltou a necessidade de auxiliar as mulheres que estão em penitenciárias, porque geralmente não recebem apoio da família, diferentemente do que ocorre com homens presos. Eminéa Lima apontou que o mesmo acontece com as mulheres em tratamento por dependência química.
A mesa também apontou para a necessidade de incluirmos as trabalhadoras que atuam na universidade, em áreas terceirizadas como a de limpeza, no debate. “São elas que saem da nossa bolha”, lembrou Ashaia. Afinal, como as convidadas enfatizaram, a luta é coletiva.
“Como você consegue?” É uma pergunta que as mulheres ouvem todos os dias, segundo Bechara, referindo-se ao fato de conciliarem muitas tarefas, como trabalho, estudos e cuidados com a casa e os filhos. “É uma pergunta machista, porque é feita para eu responder que eu não consigo”, argumentou a docente.
Quanto ao “empoderamento”, segundo Guerra declarou no evento, é uma palavra que sugere que a questão possa ser resolvida como um toque de mágica, mas na verdade é um processo. Por isso, ela propõe que se fale em “autonomia”.
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