Publicado em 01/03/2023 às 11:00 - Atualizado em 22/08/2023 às 17:04
Foto: Lucas Ribeiro / Agência Conexões
As primeiras pessoas a sentirem os impactos das restrições orçamentárias da Educação foram os estudantes, seja na redução de bolsas, no corte de auxílios ou, até mesmo, na piora dos serviços oferecidos pelas instituições. O Diretório Central dos Estudantes (DCE) é a entidade que representa alunas e alunos de uma universidade, em todas as etapas de ensino. É através do DCE que os estudantes buscam a garantia dos seus direitos, primando pela qualidade do Ensino e pelas condições de permanência no Ensino Superior. Diante das tentativas de desmonte da Educação, o DCE é uma das figuras centrais na luta contra os cortes.
A Conexões ouviu Amanda de Castro e Edivaldo Carvalho, coordenadores gerais da atual gestão do DCE da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). A estudante do curso de Relações Internacionais e o aluno de Jornalismo relataram as dificuldades geradas desde a implementação do Teto de Gastos, as ações de enfrentamento postas em curso pelo Movimento Estudantil e as expectativas com o novo governo.
A entrevista é a sétima publicação da série #UFURESISTE - Seis anos de Teto de Gastos, uma produção da Conexões em colaboração com a Diretoria de Comunicação Social da Universidade Federal de Uberlândia. Nas últimas semanas temos apresentado diversas análises sobre como o processo de sucateamento da Educação no Brasil tem impactado as universidades, especialmente a UFU.
Conexões - Quais foram os principais impactos enfrentados desde 2017, quando o Teto de Gastos aprovado no final de 2016 passou a valer?
Edivaldo Carvalho - Desde o início do segundo mandato da presidenta Dilma [Rousseff], o congresso toma atitudes mais neoliberais. Não foi [o único] motivo dela ser impeachmada, mas é um dos fatores. Podemos somar a misoginia e tudo para dar curso ao projeto neoliberal que impregna esse Teto de Gastos. A regra impõe que a universidade não possa gastar acima daquele valor estabelecido. Mas tem um problema, ela não vai de acordo com a inflação, não se move de acordo com as realidades sociais, é um limite fixo. E o que isso gera? Durante os governos do PT, as camadas mais pobres da sociedade, as classes D e E, ingressaram na universidade. Com esse corte, elas sofreram um impacto direto, uma vez que [a redução orçamentária] delimita quantos pobres vão poder estudar, quantos vão poder ter acesso ao Ensino Superior. As universidades, por sua vez, começaram o processo de, literalmente, avaliar o que poderia cortar primeiro para impedir essa evasão.
Amanda de Castro - Dentro do governo Bolsonaro, foram tão fortes, tão bruscos, esses cortes que começou a diminuir o número de ingressantes. Não tem uma permanência desses estudantes e o orçamento da universidade está ligado diretamente à permanência estudantil. Durante o governo Bolsonaro, inúmeras vezes vimos universidades com contas básicas atrasadas, que iriam fechar porque não tinham condições de se manter até o final do ano.
Historicamente, 2017 foi o ano em que a universidade sofreu os cortes mais impactantes?
E.C. - Em 2017, é quando passa a valer o Teto [de Gastos]. Não é necessariamente o ano mais impactante e, ao mesmo tempo, sim, porque você estabelece até onde as universidades podem utilizar do recurso. Mas é um corte indireto. No governo Bolsonaro, sim, aí a gente teve cortes mesmo, do começo ao fim do governo, mais de 260 bilhões de reais retirados da Educação, das universidades, dos institutos federais e da Educação Básica.
A.C. - E, para além desse corte, a Educação sofreu e sofre o desmonte do setor.
Quais foram as consequências históricas dos cortes dentro da UFU?
E.C. - O não funcionamento e a não permanência de estudantes. A gente não vai ter estudantes de classe C se formando no Ensino Superior, [há] uma limitação de quem vai poder acessar esses espaços. Historicamente, a universidade, principalmente, pública, é voltada para a classe alta da sociedade. A USP [Universidade de São Paulo] é um exemplo disso e o Racionais [MC´s, maior grupo de rap do Brasil] retrata muito bem no seu livro “Sobrevivendo no Inferno”. Um trecho diz assim: “nas universidades brasileiras apenas dois por cento dos alunos são negros”.
Esse dado não fala de negros se referindo à cor propriamente dita. Esses dois por cento dos alunos que estão na universidade, que são pretos, estavam numa classe média ou, com muito esforço, conseguiram estudar. A periferia não entrou na universidade ainda. A classe alta nunca superou o fato do filho do pedreiro estar estudando no mesmo espaço que o filho da empregada doméstica, junto com o filho do médico e do advogado. Eles não superaram essa realidade.
Vocês, como coordenadora e coordenador do DCE, enxergam uma melhora no ano de 2023 para o investimento na Educação?
A.C. - Hoje, a gente briga para reaver coisas mínimas, coisas básicas, para ter elas novamente. Eu não acredito que, em 2023, vai ter coisas grandiosas, mas pelo menos vamos ter um respiro.
E.C. - Teremos os primeiros passos para montar aquela Educação que começou a ser desmontada pelo Temer [Michel, ex-presidente da República], com inclusão de pessoas com deficiência, pessoas travestis, transsexuais, pessoas pretas e oriundas da classe trabalhadora.
A.C. - Acredito também que seja um ano de reconstrução da Educação, um ano de mudança de olhar. Fazer da Educação um espaço de liberdade que abraça outros corpos, outras pessoas, que jamais sonharam estar onde podem estar.
Como o DCE se posiciona frente aos cortes enfrentados na universidade? O Movimento Estudantil também sofre com os cortes? Se sim, como?
E.C. - Tudo parte da premissa: a Educação não é um gasto, é um investimento. Sem Educação, a gente não tem produção de Ciência no Brasil, precisa importar de outros países. Isso faz com que encareça vários produtos que poderiam ser resolvidos de forma interna, se a gente tivesse um aporte científico maior. Essa é a primeira premissa. O DCE se posiciona contra os cortes com aquele ditado: “Ninguém soltou a mão de ninguém”. Os cortes aconteceram como um golpe, o Movimento Estudantil como um todo teve que se reorganizar, que fazer novas alianças. Antes, a gente brigava por coisas estabelecidas que precisavam melhorar ou que precisavam tomar outras diretrizes. Hoje em dia, não. Então, essa foi a maior virada de chave dentro do Movimento Estudantil.
A.C. - O Movimento Estudantil sofre com a evasão dos estudantes, porque não vai ter a produção científica necessária para o crescimento do país. O Movimento Estudantil, além de tudo, é um vanguardista de todos os processos democráticos. Os estudantes que foram movimento para acabar com a ditadura, foram o movimento Caras Pintadas para o impeachment do Collor [Fernando, ex-presidente da República]. Os estudantes entenderam o seu papel enquanto vanguardistas, de reunir a sociedade para que ela caminhe para a justiça de todos os corpos.
Qual a importância do DCE nesse cenário de recuperação do investimento?
A.C. - O papel do DCE agora é de formular, apontar onde precisa melhorar, de como precisa melhorar e quais os erros que foram cometidos que não podem ser resolvidos agora. O papel do DCE é extremamente importante para a construção do processo.
Desde a implementação do Teto de Gastos, o Movimento Estudantil tem organizado diversas estratégias de luta pela recomposição orçamentária e contra o sucateamento das universidades. (Foto: Tuila Tachikawa / Agência Conexões)
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A série "ESPECIALUFU45" reúne textos escritos por membros da equipe da Diretoria de Comunicação Social (Dirco), mas também está aberta à contribuição de outros integrantes da comunidade acadêmica da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). As sugestões de temas a serem abordados, bem como o envio de materiais para avaliação e, em caso de aprovação, posterior publicação, podem ser realizados por meio do formulário eletrônico disponível em: www.comunica.ufu.br/divulgacao.
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